Mais um jogo fora, mais uma noite com sobressaltos pelo meio. À semelhança do que já tinha acontecido em Nápoles, o hotel onde pernoitou a comitiva do Barcelona voltou a ser alvo de um festival pirotécnico às 4h10 da manhã, com rebentamento de petardos com o objetivo único de incomodar o descanso dos jogadores culé antes da primeira mão dos quartos da Liga dos Campeões. Mas se no caso dos adeptos da formação italiana essa era a única finalidade, o que se passou em Paris reflete também uma rivalidade que foi crescendo ao longo da última década com vários episódios pelo meio entre cinco cruzamentos na principal prova da UEFA e muita polémica à mistura, adensada agora pela presença de Luis Enrique no comando dos franceses.

Como recorda o Mundo Deportivo esta quarta-feira, o primeiro episódio a criar fricção entre os dois clubes foi a transferência de Thiago Silva do AC Milan, com o brasileiro a ir parar ao PSG quando estava a caminho do Barcelona. Estava dado o mote para várias corridas em paralelo que continuavam a cair para os gauleses, como aconteceu com Marquinhos ou Marco Verratti (que neste caso chegou a tirar fotografias com jornais catalães a anunciar uma chegada que nunca aconteceu). Neymar, a transferência mais cara de sempre por um valor de 222 milhões de euros, foi a derradeira “facada” num conjunto catalão que se ia vingando em campo, com a passagem às meias-finais em 2015 e a sensacional reviravolta de 0-4 para 6-1 nos oitavos da Liga dos Campeões de 2017. Também Lionel Messi rumaria ao Parque dos Príncipes mas a “rivalidade” tinha saltado para outros campos como o fim do patrocínio da Qatar Airways ao Barça ou a cisão de ideias em relação à criação da Superliga Europeia. Agora, estava a nascer um novo (e diferente) capítulo da história.

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Olé! Barça goleia (6-1) PSG e “vinga” os 4-0 de Paris

A passagem do PSG nos oitavos da Champions de 2020/21, com uma goleada em Camp Nou antes do empate a um no Parque dos Príncipes, travou a série de insucessos desportivos nos confrontos com os blaugrana mas agora havia novo capítulo com as duas equipas a jogarem tudo na continuidade europeia por motivos distintos. Do lado dos franceses, com a Ligue 1 “controlada”, mantinha-se a ambição de quebrar a maldição de triunfos sobre a principal prova europeia; da parte dos espanhóis, com a Liga “descontinuada” pelos oito pontos de diferença para o Real (a não ser que consigam ganhar no Santiago Bernabéu, o que pode mexer com as contas), existia a aposta no outro grande objetivo também por questões financeiras. E com as saídas de Neymar e Messi, sobravam como pontos de ligação Ousmane Dembéle e… Luis Enrique.

Mbappé foi maior do que o ídolo Ronaldo e arrasou a equipa de Messi: PSG goleia em Barcelona e “vinga” derrota histórica de 2017

O antigo jogador do Barça, que chegou ao PSG depois da saída da seleção espanhola, quis deitar um pouco mais de gasolina para a fogueira da rivalidade também pela relação truculenta com Xavi Hernández e teve afirmações na antecâmara da partida com forte impacto nos catalães. “Espero que a ambição supere a parte da pressão, pressão não temos nenhuma. Via um excesso de responsabilidade na fase de grupos mas agora isso foi desaparecendo. Conheço bem o clube e os jogadores do Barcelona mas não sei se isso será vantagem ou inconveniente. Para mim será especial, diferente. Quem representa melhor o estilo de jogo do Barcelona? Eu, sem dúvida nenhuma. Olha para os dados da posse, para os títulos, para a pressão alta. Não é apenas uma opinião minha, são os números que mostram. Nem é possível opinar sobre isso”, atirou.

A ideia partilhada por Luis Enrique pode ter várias interpretações, até pelo contexto de saída de Xavi no final da temporada com o nome do ex-selecionador espanhol entre as hipóteses de sucessores, mas teve sobretudo o condão de mexer ainda mais com um encontro que já iria mexer muito. Conseguiria o PSG nesse estilo mais Barça ser superior? Podia o Barça nesse estilo menos seu sair por cima? Entre uma e outra, ganhou o maior pragmatismo dos catalães. E se Raphinha, autor de um bis pelos catalães que inaugurou o marcador e iniciou a segunda reviravolta do jogo, foi um dos grandes destaques pela importância que teve no rumo da partida, a exibição de Vitinha, o jogador mais à Barcelona que o PSG tem, merecia mais de um encontro onde faltou aos franceses terem maior controlo dos momentos do jogo para não saírem em desvantagem.

O início de jogo, esse, foi marcado sobretudo pela imprevisibilidade. Com o PSG a procurar ter mais posse de bola entre tentativas de remates que iam surgindo após diagonais de fora para dentro de Mbappé e Asensio, com o Barcelona a precisar de três toques para colocar Raphinha isolado na profundidade com Donnarumma a sair da baliza para evitar males maiores. Oportunidades flagrantes? Ainda nenhuma e com os dois técnicos a passarem de forma constante informações para o campo à procura dos espaços que desbloqueassem os remates e a partir daí os golos. As boas notícias chegavam para Roberto Martínez, com Nuno Mendes, João Cancelo e Vitinha a mostrarem o leque alargado de escolhas que o selecionador terá para o Europeu, em particular do lateral do PSG que depois de uma grande jogada em que deixou Koundé sem reação foi à sua área tirar em cima da linha um cabeceamento de Lewandowski após canto (20′). E também Raphinha ameaçou o primeiro golo, a rematar no corredor central para grande defesa de Donnarumma.

Se os franceses tinham começado melhor, esse primeiro sinal dos espanhóis despertou a parte ofensiva da equipa, que continuava a povoar muito o seu primeiro terço para tirar espaços a Mbappé e Dembélé mas que mesmo assim não impediu uma tentativa de Kang-In Lee na área descaído sobre a direita para defesa de Ter Stegen (28′). As equipas estavam igualadas em quase tudo, com os 35′ a chegarem com 50% de posse para cada e um número de passes muito idêntico (133-121) mas com o Barcelona cada vez mais confortável na partida. Tão confortável que chegou ao golo: Pau Cubarsí conseguiu queimar linhas com um passe para Lewandowski, o polaco ganhou a frente antes de abrir na direita em Lamine Yamal e o cruzamento não foi desviado na totalidade por Donnarumma, com Raphinha a atirar de pé direito na área para o 1-0 (37′). Os dados do encontro tinham mudado por completo e o PSG estava obrigado a jogar de outra forma.

Luis Enrique tinha de mexer e trocou Asensio por Barcola. Mais do que isso, corrigiu posicionamentos num ataque móvel mas que começou a contar com mais desmarcações de rutura dos médios a partir de trás e maior presença em zonas de finalização. Durante dez minutos, o Barcelona pouco ou nada fez do meio-campo para a frente e quando se reergueu já perdia: Dembélé aproveitou um corte incompleto de Ronald Araújo, ajeitou para o pé esquerdo e disparou um míssil para o empate (48′), Vitinha surgiu vindo de trás na área para rematar cruzado e assinar a reviravolta (51′) e Barcola, da mesma zona do médio português, teve mais um tiro forte desviado por Ter Stegen para a trave (55′). Xavi também mexeu, o Barça empatou: Pedri, acabado de entrar com João Félix, fez um passe fabuloso para Raphinha atirar de primeira para o empate na área (62′). Entre o “Vai tomar no…” dos festejos para as bancadas, o jogo estava reaberto.

Eram os portugueses que tomavam conta do jogo. Com Vitinha a isolar Barcola que não teve depois pernas para rematar perante a oposição de Ronaldo Araújo, com João Felix a tentar a meia distância para defesa de Donnarumma, com Vitinha a ter mais um passes fantástico para Dembélé acertar no poste. O golo poderia estar ao virar da esquina e acabou por surgir com um herói improvável pelo meio: acabado de entrar no jogo, Christensen apareceu na pequena área a desviar um canto da esquerda para fazer nova reviravolta (77′). O PSG tinha menos de um quarto de hora para pelo menos chegar ao empate e Gonçalo Ramos também foi lançado nos minutos finais mas o 3-2 iria manter-se numa eliminatória que está em aberto.