Antes da primeira presença no Conselho Europeu enquanto primeiro-ministro, Luís Montenegro esteve no Parlamento a responder, um a um, aos partidos que colocaram as questões da Ucrânia e Palestina entre as prioridades — mas acabou a responder ao PAN, que levantou o tema do aborto e a possibilidade de ser incluído na carta dos direitos fundamentais da União Europeia.

Inês Sousa Real considera que se trata de uma forma de mostrar que Portugal não vai promover nenhum “retrocesso” e Montenegro agarrou-se à sua opinião e à do PSD para responder: “Há dois direitos que conflituam”, disse — a autodeterminação da mulher e a proteção da vida. O processo da interrupção voluntária da gravidez é um “compromisso jurídico” para os conciliar, e por isso, há requisitos, ou de circunstância ou de prazos, em que o aborto pode acontecer. A consagração como direito fundamental traz assim “um desequilíbrio no ordenamento jurídico”, fazendo com que prevaleça integralmente apenas um direito, fazendo desaparecer o outro. “Não quis deixar de responder por uma questão de transparência e de verdade”, rematou.

Antes, o primeiro-ministro tinha-se dedicado a defender que Portugal vai continuar a ser solidário com a Ucrânia (“a nossa solidariedade com a Ucrânia mantém-se intocável”) e que o sublinhará se a referência surgir no Conselho Europeu, mas também que “vê com bons olhos” que a Palestina adquira o estatuto de membro de pleno direito da ONU, não só reiterando a solução dos dois Estados que estava prevista no Programa do Governo como também que acompanhará esse processo para a inclusão nas Nações Unidas.

Montenegro deixou ainda claro que o Governo defende um cessar-fogo imediato, que permita ajuda humanitária e respeito pelo direito internacional, assim como a negociação para uma paz duradoura. “O Governo teve ocasião de condenar o ato terrorista determinante para que o conflito ganhasse estes contornos”, disse, referindo-se ao Hamas. Mas o direito à legítima defesa de Israel não significa que os direitos humanos possam ser postos em causa “a qualquer custo”, reforçou o primeiro-ministro.

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Ainda sobre a Ucrânia, Montenegro acabou por deixar uma farpa ao Chega pelo posicionamento de alguns parceiros família política em que está integrado a nível europeu, o ID, e também um repto: “Em sede da família europeia onde se integram poderem convencer parceiros como Le Pen, Salvini, a AfD alemã e poderem ter o grau de empenho com o interesse da Ucrânia, salvaguarda do princípio da democracia, solidariedade e paz que todos temos nesta casa.”

Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, acabaria por se juntar a Montenegro para dizer que, em resposta a uma intervenção do deputado do Chega Bruno Nunes (que assegurou que Portugal e Espanha nunca seriam um só), o único sítio em que Portugal aparece como uma província de Espanha é “nos mapas que o partido irmão do Chega, o Vox, publica”, o que provocou risos nas bancadas.

O tema dos totalitarismos também teve espaço durante o debate de preparação para o Conselho Europeu, desde logo com Regina Bastos, do PSD, a questionar se o primeiro-ministro acompanha a preocupação da presidente da Comissão Europeia quando diz que e Europa está “a ser ameaça por populistas e demagogos, seja de extrema-direita ou extrema-esquerda” e depois com Rui Tavares, do Livre, a reiterar que Ursula von der Leyen já afirmou que há inimigos que querem destruir o projeto europeu.

Montenegro concordou que os fundamentos da UE ficam colocados em causa com agentes políticos que têm uma visão “não especialmente condizentes” com eles. “Todos os projetos totalitários, de esquerda ou direita, são inimigos da UE”, defendeu, criticando “radicalismos”. Por isso, a afirmação de von der Leyen “merece a concordância” do PSD também — “estamos do mesmo lado”, sentenciou Montenegro, acabando por gracejar se continuam assim ainda se vão “confundir” [PSD e Livre].

Ainda sobre a presidente da Comissão Europeia, o Chega questionou Luís Montenegro sobre o apoio a Ursula von der Leyen para a Comissão Europeia, lembrando a investigação de que a presidente da instituição está a ser alvo a propósito da compra de vacinas à Pfizer. E Bruno Nunes perguntou ainda Paulo Rangel, atual ministro dos Negócios Estrangeiros, mantém o “favorecimento” a António Costa, já que disse que o ex-primeiro-ministro teria “perfil” para presidir ao Conselho Europeu e que o Governo não teria uma “posição negativa” sobre uma eventual candidatura.

Luís Montenegro considera “prematuro” que o Governo se possa pronunciar sobre “seja quem forem as pessoas envolvidas” no processo para as escolhas para cargos europeus, ainda que note uma diferença do exercício funções: “Não enquanto primeiro-ministro, enquanto presidente do PSD, Ursula von der Leyen foi sempre a nossa candidata; enquanto primeiro-ministro não vou colocar nenhuma consideração sobre os órgãos da Comissão Europeia.”

O Bloco de Esquerda acabou por também levar a debate o tema das migrações, com Isabel Pires referir que o Parlamento Europeu acabou de aprovar o Pacto das Migrações, que descreveu como “cruel” e “hipócrita”, e que entrega as fronteiras da Europa a “estados autoritários”, permitindo expulsões “altamente violentas”. “Significa punição e violenta, estigmatiza refugiados e migrantes como criminosas”, atirou, dirigindo uma pergunta ao Governo se quem foge da guerra merece ser tratado como um criminoso.

Luís Montenegro respondeu que o pacto “não será seguramente perfeito”, mas “é indiscutível que regulamentar as migrações é o melhor caminho para garantir o respeito pelos direitos humanos”. Acrescentou que a circunstância anterior é pior com uma “desregulação completa” e com pessoas entregues a redes de tráfico de seres humanos, esperançoso de que que haja uma “unificação” nos mecanismos de acolhimento. “Fica sempre um amargo de boca muito grande relativamente à regra que não permite o reagrupamento familiar”, reconheceu, ainda assim, chamando a esta decisão “um erro estratégico”.

Perante a intervenção de Paula Santos, do PCP, que além da preocupação com o Medio Oriente considerou que o Conselho Europeu tem vindo a “ignorar os problemas” das pessoas, Luís Montenegro distanciou-se dos comunistas, argumentando que “o grau de confiança do PCP no projeto europeu é baixo, quase zero”.