As bancadas da esquerda defenderam esta quarta-feira que o Regimento da Assembleia da República confere poderes ao presidente do parlamento para advertir contra discursos de ódio, enquanto à direita se salienta o princípio da liberdade de expressão.

Estas posições foram transmitidas no final da reunião da conferência de líderes, que debateu os poderes do presidente da Assembleia da República perante discursos de deputados considerados de teor racista ou de ódio.

Uma questão que foi levada à conferência de líderes na sequência de um incidente ocorrido na sexta-feira, de manhã, em plenário, em que o presidente do Chega, André Ventura, se referiu à capacidade de trabalho dos turcos. Uma expressão que o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, se recusou a admoestar.

Perante os jornalistas, a líder do Grupo Parlamentar do PS, Alexandra Leitão, rejeitou colocar a questão relacionada com a amplitude da intervenção do presidente da Assembleia da República em termos de eventual introdução de limites à liberdade de expressão por parte dos deputados. E afastou também a necessidade de qualquer revisão do Regimento do parlamento para travar discursos de ódio.

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“Não estamos perante um problema de liberdade de expressão ou de censura, mas perante uma questão de dignidade do parlamento e respeito do debate parlamentar. Por causa da imunidade parlamentar, que muito bem está consagrada na nossa Constituição, deve haver autorregulação pelo parlamento”, sustentou a antiga ministra socialista.

Na perspetiva de Alexandra Leitão, a questão em causa é de Regimento e não de liberdade de expressão.

“O Regimento confere ao presidente da Assembleia da República as ferramentas, os mecanismos e os poderes suficientes para proceder a essa autorregulação. Tem a prerrogativa de fazer a interpretação dos poderes que o Regimento lhe confere. É a sua responsabilidade”, acentuou.

Em total oposição a esta perspetiva, o presidente da bancada do Chega, Pedro Pinto, considerou que o presidente da Assembleia da República, durante a reunião da conferência de líderes, “deu uma lição sobre a liberdade de expressão”.

“Este é um não assunto. Está em causa a liberdade dos deputados. O BE quis e conseguiu criar um caso, porque o PS foi atrás. Este novo PS está encostado à extrema-esquerda”, acusou.

Pedro Pinto acusou ainda algumas bancadas da esquerda por alegadamente fazerem “discursos antissemitas” e atacou a dirigente socialista Isabel Moreira, considerando que “ofendeu os deputados do Chega” e 1,2 milhões portugueses que votaram neste partido. Desafiou em seguida o PS a esclarecer se vai rever-se nas declarações feitas por Isabel Moreira, que acusou elementos de Chega de assédio mal, sobretudo através de atitudes racistas e misóginas contra outros deputados.

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Pela parte do CDS-PP, o líder parlamentar, Paulo Núncio, repudiou as declarações sobre o povo turco feitas pelo presidente do Chega na sexta-feira, mas advogou que deve “prevalecer o direito à liberdade de expressão”.

Uma posição que foi acompanhada pela líder da bancada da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão, que elogiou a forma como José Pedro Aguiar-Branco concebe os seus poderes, privilegiando a liberdade de expressão. Mariana Leitão assinalou neste contexto que há “comportamentos que podem perder a imunidade“, sendo assim sujeitos à lei criminal. E considerou que se o presidente do parlamento censurasse discursos de deputados estaria por essa via a impedir o contraditório no debate parlamentar.

Pelo contrário, a presidente da bancada do PCP, Paula Santos, afirmou que o presidente do parlamento “tem a obrigação e o dever de advertir” em relação a intervenções de caráter racista.

O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, procurou realçar que o presidente do parlamento “tem todos os poderes regimentais e o dever de advertir o orador” se este proferir declarações racistas ou xenófobas.

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“É essa a obrigação de um presidente da Assembleia da República em defesa de um debate parlamentar sem insultos”, apontou. Fabian Figueiredo defendeu, ainda, que não pode haver uma dualidade de atuação quando se trata de insultos contra outro deputado — em que há consenso de que o presidente do parlamento deve intervir — ou insultos dirigidos a um grupo externo, ou a cidadão não parlamentar.

“Este debate não é sobre liberdade de expressão, mas sobre o quadro do exercício dos poderes do presidente do parlamento”, realçou.

Já pela parte do Livre, Rui Tavares referiu a defesa que fez no início desta legislatura, antes da eleição do presidente da Assembleia da República, para que cada um dos candidatos fizesse uma exposição sobre a forma como tencionava exercer o seu mandato e sobre qual a conceção que possui do cargo ao qual se candidatava. Uma ideia que disse ter sido afastada pelo PS e PSD.