“31 de maio e 1 de junho de 2025. Estão todos convidados.” A confirmação de que haveria uma segunda edição da versão portuguesa do Coala Festival chegou no domingo através de Gilberto Gil. Antes de se despedir do palco com Toda Menina Baiana, um dos seus êxitos de 1979, o músico de 81 anos, ex-ministro da Cultura do Brasil, lançou o convite à plateia do Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais, muitos deles brasileiros.
Na mesma tarde, o cantor e compositor Rubel, nomeado em 2018 para um Grammy Latino com o álbum Casas, improvisou uma estatística durante o seu concerto, quando perguntou se havia brasileiros na assistência. “São 53%”, concluiu, depois da resposta efusiva do público.
Não foi por acaso que o Coala Festival, com dez anos de história no Brasil, escolheu Portugal para a primeira internacionalização. “O tamanho da comunidade brasileira” foi um fator de peso, conta ao Observador Gabriel Andrade, fundador do Coala. Uma das sócias do festival, Fernanda Pereira, veio morar para Portugal e “começou a movimentar-se para que isso fosse possível”, continua Gabriel. O também brasileiro Pedro Neto, da promotora Mundo Propício, organizadora de concertos e eventos como o festival VillaMix Lisboa, na Meo Arena, de música sertaneja, fez, finalmente, com que o Coala acontecesse pela primeira vez este ano em Cascais, com o apoio da câmara municipal.
Antes do festival, Gabriel Andrade nunca tinha organizado um evento. “Nem uma festa de aniversário”, brinca. Na altura da primeira edição no Brasil, em 2014, tinha apenas 22 anos e ainda não tinha acabado a faculdade. A “fagulha inicial” para criar o festival foi o encerramento do Studio SP, uma casa de espetáculos em São Paulo que frequentava, onde costumavam tocar “artistas e bandas emergentes”, conta. Por exemplo, “Emicida, Crioulo, Céu, Tulipa Ruiz, Curumim ou Russo Passapusso”, enumera. “Bandas que hoje são super relevantes no Brasil e que a gente descobriu lá.”
Quando a casa fechou, ficou um “vazio enorme” na cultura da cidade, confessa. “Pensámos que podíamos fazer alguma coisa para manter essa cena viva e essa foi a motivação para criar um festival focado na nova música brasileira. A partir daí, a gente foi amadurecendo o conceito.”
A primeira edição em São Paulo aconteceu no mesmo sítio onde ainda hoje o festival se realiza, no Memorial da América Latina, primeiro a ocupar um espaço mais pequeno e depois o complexo inteiro. O cartaz era “super indie para a época”, diz Gabriel, com bandas como Tom Zé, Crioulo, O Terno, Trupe Chá de Boldo, Cinco a Seco e Charlie e os Marretas no cartaz.
Pouco a pouco, o festival foi ganhando nome no Brasil e também artistas maiores. Em 2017, conseguiram “o primeiro sold out” com a confirmação de Caetano Veloso. “Foi quando o conceito que a gente até hoje se amarrou”, continua Gabriel. “Dizemos que o Coala representa a transição do que era a música do século 20 para o que vai ser a música brasileira no século 21. A gente se propõe a reverenciar os grandes arquitetos da música brasileira, mas também a abrir caminhos para a nova geração e a fomentar as novas bandas.”
Desde então, já passaram pelo festival grandes nomes da música brasileira, como Gilberto Gil e Jorge Ben Jor, os cabeças de cartaz da edição portuguesa, mas também Elza Soares, Milton Nascimento ou Gal Costa, que ali deu o seu derradeiro concerto em São Paulo, em setembro 2022.
A marca Coala começou a afirmar-se cada vez mais e hoje também é uma editora de discos, a Coala Records, responsável por pôr no mercado artistas como Bala Desejo, Tim Bernardes ou Zé Ibarra. “Temos esse trabalho de investir em novos artistas, uma atuação mais ampla dentro do ecossistema da música e não só [de organizar] um evento que trabalha com os artistas para vender ingressos.”
A internacionalização era o desejo seguinte da marca, com Portugal como “a porta de entrada mais óbvia”, continua o fundador. Aqui, o conceito do festival foi alargado. Além de música brasileira, o objetivo foi também trazer música portuguesa e dos PALOP, com a ajuda do angolano Kalaf Epalanga, fundador dos Buraka Som Sistema, na curadoria. “Como era a primeira vez, precisávamos de chegar com um line-up mega relevante”, diz Gabriel.
Na noite de sábado, e depois de um aquecimento de Pongo, também conhecida pela sua colaboração com Buraka Som Sistema em Wegue Wegue, e dos BaianaSystem, de Salvador da Bahia, a contar com a cantora angolana Titica em palco para o single Capim Guiné, o line-up “mega relevante” conseguiu-se, sobretudo, com Jorge Ben Jor.
Dois anos antes, o cantor de 85 anos já tinha estado no mesmo palco do Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais, no EDP Cool Jazz. Agora, com um concerto de quase duas horas que passou pelos seus principais êxitos (Fio Maravilha, Mas Que Nada ou Jorge da Capadócia), voltou a provar que Portugal também é um País Tropical, com bom ambiente e gente a dançar descalça na relva.
Gabriel Andrade, fundador do Coala, considera uma “oportunidade bem única” ter Jorge Ben Jor e Gilberto Gil, cabeça de cartaz de domingo, no mesmo festival, a valer o preço dos bilhetes, que começaram nos 80€ para os dois dias. “Considero o preço bastante acessível, Gilberto Gil e Jorge Ben Jor são shows que vão ser cada vez mais raros. Esses artistas no Brasil estão diminuindo a quantidade de shows que fazem e as turnés pela Europa diminuem, eles se aposentam.”
No domingo, Mayra Andrade abriu o palco principal, seguida dos brasileiros Céu e Rubel. Mais tarde, foi a vez da portuguesa Carminho dar um ar da sua graça e confessar em palco que o “fado tem letras muito machistas”, com as quais não se identifica.
O festival terminou com a plateia a declarar o seu amor a Gilberto Gil – Gil, eu te amo –, com o cantor a mostrar reciprocidade, num concerto semelhante aos que deu em outubro do ano passado no Coliseu dos Recreios para celebrar 50 anos de carreira.
Se o fundador do Coala esperava entre “7 a 8 mil pessoas por dia”, as expectativas foram superadas, com quase 10 mil pessoas por dia a passarem pelo festival no fim-de-semana. Para o ano há mais e espera-se que a sinergia Portugal-Brasil continue. Para já o cartaz da edição brasileira do Coala, que acontecerá em setembro, está praticamente fechado, mas Gabriel não descarta participações portuguesas, sobretudo de DJs que tocaram no palco secundário. “Tem muita coisa interessante na música eletrónica aqui que no Brasil as pessoas ainda não se ligaram.”