Foram frequentes os momentos em que não foi possível perceber o que os deputados diziam — o Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco, queixou-se disso mesmo — durante o inflamado debate sobre propostas de imigração que aconteceu esta quarta-feira no Parlamento, pela mão do Chega. As propostas do partido de André Ventura acabaram chumbadas, depois de terem sido rotuladas pelo PS como “inconstitucionais” e por outros partidos como “divisionistas” ou “desumanas”. E as propostas do Bloco de Esquerda, que entretanto tinha juntado medidas ao debate, seguiram pelo mesmo caminho.

A direita ainda pareceu abrir uma porta às medidas do Chega. Logo no arranque do debate, tanto o democrata-cristão João Almeida como a social democrata Clara Sousa Alves desafiaram o partido de André Ventura a fazer descer as propostas à fase de especialidade, sem serem votadas previamente, para que pudessem ser trabalhadas em conjunto. Nada feito: levaram uma nega do Chega, que disse estar disponível para trabalhar nas propostas, mas só se fossem aprovadas nesta primeira fase (a da generalidade) primeiro.

O que se seguiu foi um debate inflamado, cheio de acusações que, por vezes, se tornava difícil ouvir e perceber, tal era o nível de interrupções entre os partidos. Do lado do Chega, que marcou o debate, ouviu-se uma defesa das cinco propostas, entre as quais se incluíam a ideia de impor quotas para a entrada de imigrantes consoante as “necessidades” do país, suspender as autorizações de residência até que os processos pendentes estejam resolvidos, apostar em programas de regresso “voluntário” dos imigrantes aos seus países, impor um limite ao número de atestados de residência por habitação ou um período mínimo de cinco anos de descontos para a Segurança Social até que possam receber apoios sociais em Portugal.

Para o Chega, as medidas seriam uma forma de fazer a distinção entre “quem vem por bem” e quem “vem para praticar crimes (…) ou a contar com o SNS”,  invertendo uma “tendência de entrada descontrolada em Portugal” que as medidas do Governo não conseguem conter, começou por defender a deputada Cristina Rodrigues, que rejeitou a ideia de fazer as propostas baixar sem votação.

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Mas o tom foi aumentando: Rui Paulo Sousa diria que a emigração portuguesa, que trabalhou com “sangue e suor”, é diferente da imigração que chega agora; Ventura defenderia que o Parlamento está a ser “inimigo de Portugal” enquanto deixar “criminosos ficarem em território nacional, e que a esquerda deixou que o país abrigasse “violadores e pedófilos” (“Se o violador for português é legítimo?”, perguntaram outras bancadas, do PS à IL”); e Pedro Pinto rematou chamando à esquerda “sanguessugas” que se alimentam dos imigrantes, concluindo: “Portugal é e será dos patriotas” ou de quem “vier por bem”, atira.

O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, até diria ter visto bom senso nas primeiras intervenções do Chega, mas só até Ventura falar, recusando declarações que rejeitem “humanismo”. E a bancada social democrata foi defendendo as medidas adotadas pelo Governo neste dossiê, criticando o resto dos partidos por não ir a jogo.

PS quer alterar decreto no Parlamento

Do lado do PS, a resposta chegaria depois, quando o deputado Pedro Delgado Alves anunciou que os socialistas pediriam a apreciação parlamentar do decreto do Governo que acaba com a figura da manifestação de interesse para obter residência em Portugal, propondo que se encontre uma alternativa e que não se deixe um “hiato” na situação destes imigrantes, que entram ainda sem trabalho. Isabel Moreira encarregou-se de apontar o perigo de “inconstitucionalidade” à medida que previa que os imigrantes pudessem estar cinco anos sem ter hipótese de receber apoios sociais, recordando, como vários deputados à esquerda e à direita fizeram ao longo do debate, que o saldo das contribuições dos imigrantes para a Segurança Social é positivo e que a relação entre imigração e criminalidade não tem sido comprovada pelas estatísticas oficiais.

Mais à esquerda, sem surpresas, lançaram-se duros ataques contra o Chega (e ouviram-se duras respostas de volta), com António Filipe, do PCP, a acusar o partido de “hipocrisia” –“quer um país de portas fechadas à imigração legal, mesmo sabendo que isso escancara as portas à imigração ilegal” — e Fabian Figueiredo, do Bloco, a dizer que as medidas do Chega levariam “à falência do modelo social e da economia”, sem imigrantes. “Os portugueses não sancionaram a vossa política de imigração e é por isso que perderão sempre esse debate”. O Chega foi protestando e recordando que estes partidos perderam votos e deputados nas últimas eleições, acusando-os de responsabilidade, pela viabilização da governação do PS, nas políticas que levaram à confusão na entrada e regularização em Portugal.

No Livre, a mesma lógica, com os deputados a falarem em propostas “desumanas” e “oportunistas”. No PAN, idem, com várias lembranças de como, a aplicarem-se estas regras, os emigrantes portugueses teriam perdido oportunidades lá fora.

Já na IL ouviram-se críticas à política de imigração deixada pelo PS, mas também às restrições que o Chega ambicionava impor. No final, as propostas do Chega acabaram, tal como as do Bloco (que praticamente não foram discutidas), chumbadas. PSD e CDS ainda se abstiveram nas medidas para só atribuir apoios sociais aos imigrantes cinco anos depois de começarem a descontar ou para os programas de regresso voluntário aos países de origem, mas no resto das propostas todas as forças — menos o Chega — votaram contra.