Há cada vez mais dias de calor extremo. De Jakarta até Buenos Aires, o número de dias que registam uma temperatura de 35º aumentou 52% nas últimas três décadas em 20 das capitais mais populosas do mundo, revelou uma análise do International Institute for Environment and Development (IIED).

De 2014 até 2023 houve 6.500 dias cumulativos nos quais uma dessas duas dezenas de cidades terá atingido a temperatura de 35º, enquanto na década de 1994 até 2003 foram apenas 4.755, concluiu o estudo do instituto londrino, a partir dos dados sobre a temperatura à superfície das estações meteorológicas dos respetivos aeroportos.

Jacarta, na Indonésia, destacou-se: registou o maior aumento absoluto do número de dias em que os termómetros ultrapassaram os 35 °C, passando de 28 dias entre 1994 e 2003 para 167 na década mais recente. Já Seul, na Coreia do Sul, passou de nove dias para 58, enquanto Buenos Aires passou de sete dias para 35, refere o estudo citado pela agência de notícias Reuters.

Este aumento significativo deve-se à crescente ameaça das alterações climáticas, revelam os investigadores deste thinktank que estudaram estas capitais onde vivem 300 milhões de pessoas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas as mudanças climáticas não deixam nenhuma zona a salvo, como em maio, o Centro Climático da Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho anunciou ao descrever o calor como um “fenómeno que mata lentamente e de forma menos óbvia”.

Um estudo da americana Climate Central revelou que, nos últimos 12 meses, cada habitante terá vivido mais 26 dias de calor extremo por comparação com um cenário sem alterações climáticas. Consoante a localização geográfica este número pode ser maior ou menor.

Mudanças climáticas não deixam nenhuma zona a salvo de calor extremo

Segundo o IIED, estes trezentos milhões de pessoas que vivem nas 20 maiores capitais do mundo, são particularmente vulneráveis ao aumento das temperaturas, visto que o asfalto e os prédios absorvem e retêm o calor com facilidade. E dá um exemplo:

Calor extremo causa 62 mortos no norte da Índia

Nova Deli, a capital da Índia, e a quarta cidade mais populosa do mundo, com cerca de 34.6 milhões de habitantes, registou um valor recorde de 47,8º . Esta temperatura deu-se na maior onda de calor que já avassalou o país: durou mais de três semanas e matou pelo menos 62 pessoas.

Vaga de calor atinge capital da Índia com temperaturas recorde de 47,8 graus

E não foi tudo: a temperatura continuou a subir e atingiu os 51º. A ameaça do calor estendeu-se assim às maiores eleições gerais do mundo — as da Índia, que contavam com 986 milhões de eleitores. Em abril, aquando da segunda das sete voltas destas eleições, a imprensa indiana alertou para uma participação possivelmente mais baixa devido ao calor — que terá provocado uma queda de quase 4 pontos em comparação às eleições de 2019, registando uma participação de 66% na primeira volta. E ainda chegou a matar 33 funcionários eleitorais.

Onda de calor na Índia causou morte de 33 funcionários eleitorais no sábado

Embora as temperaturas elevadas não tenham ameaçado as eleições, em Daca, capital do Bangladesh, 34 pessoas morreram por insolação. Registou-se a temperatura mais alta neste país em 58 anos: 42,6º. Normalmente, abril é o mês mais quente no Bangladesh. No entanto, este ano, o calor foi sentido mais intensamente devido à ausência de chuva. Em bairros de lata, as pessoas enfrentaram estas temperaturas escaldantes sem eletricidade nem acesso à água. As escolas foram encerradas. As universidades garantiram aulas à distância e as ruas ficaram desertas.

Onda de calor no sudeste da Ásia causa 34 mortos por insolação no Bangladesh

Durante esta altura, o calor alastrou-se a outras regiões e países como a Tailândia, que emitiu um alerta para uma onda de calor extremo. As temperaturas ultrapassaram os 44º. Mesmo com valores ligeiramente mais baixos — entre os 35º e os 40º — o Camboja, a Malásia e as Filipinas, emitiram alertas de calor extremo e pediram à população cuidado e para tomar precauções, como beber muita água. Esta subida de temperaturas, este ano, foi muito influenciada pelo fenómeno climático El Niño.

Centenas de pessoas sofrem insolação no Paquistão devido a vaga de calor

Ainda que mais a norte, no Paquistão, as temperaturas atingiram os 49º — oito graus acima da média dos últimos anos em maio. Em Lahore, centenas de pessoas sofreram insolações e o serviço estatal de ambulâncias começou a transportar água engarrafada e gelo como tratamento de emergência.

Maio de 2024. aliás, terá sido o mês mais quente já registado em todo o mundo, tornando-se o 12.º mês consecutivo a quebrar o seu próprio recorde, de acordo com o Observatório Europeu Copernicus.

Aung San Suu Kyi transferida da prisão devido a onda de calor, divulga junta de Myanmar

A pópria Aung San Suu Kyi, vencedora do prémio Nobel da Paz em 1991, presa no Myanmar (antiga Birmânia), onde cumpre uma pena de 27 anos, não ficou indiferente às temperaturas elevadas. Devido aos escaldantes 39º, Suu Kyi junto com outros doentes e prisioneiros mais velhos foi transferida da prisão.

Não há exceções. Até os peregrinos à Meca foram afetados pelo calor. A Arábia Saudita revelou pela primeira vez em anos o número de mortos durante a peregrinação de cinco a seis dias. Pelo menos 1.301 peregrinos morreram por não terem acesso às condições necessárias para se protegerem e aguentar o calor.

Como morreram 1.301 pessoas no ritual islâmico que durou cinco a seis dias

Já do outro lado do Atlântico, as mudanças climáticas fazem com que a probabilidade de ondas de calor seja 35 vezes maior. No Equador, em vez dos referidos 26 dias, cada habitante terá vivido mais 170 dias de calor extremo. Neste país houve 180 dias de calor extremo que sem as alterações climáticas teriam sido apenas 10. Um relatório dos especialistas da World Weather Attribution garante que, em todo o mundo, o calor mata mais pessoas do que os furacões e as inundações.

Capital do México regista recorde máximo de temperatura com 34,2ºC

Ainda na América do Sul, na Cidade do México, em abril, houve uma nova temperatura recorde de 34,2º — ultrapassando o de 1998 de 33,9º. A onda de calor matou 125 pessoas. Mas não só: o calor abrasador matou os ex-libris da selva de Tabasco, os macacos bugio, que caíam mortos, “moles como toalhas”, das árvores.

México com temperaturas tão elevadas que macacos-bugios estão a cair mortos das árvores

A Europa também não escapa. Na Grécia, o calor já matou cinco pessoas. Na semana passada, deflagrou um fogo às portas de Atenas e no ano passado, o país travou o maior incêndio de sempre registado na União Europeia, ativo durante pelo menos seis dias e que queimou mais de 760 quilómetros quadrados.

Saíram para caminhar e não voltaram. Confirmada quinta morte associada a onda de calor na Grécia

Até Portugal registou o mês de janeiro mais quente desde 1941. Assim mesmo, as ondas de calor terão provocado um aumento de 18,9% dos internamentos diários. E em maio, a DGS recomendou que se tomassem medidas de precaução contra o calor, que pelo que se vê, será cada vez mais frequente.

Onda de calor que se prolongou até ao início de fevereiro acabou. Mas episódios de calor vão ser mais frequentes no inverno