António Costa chegou a um top job europeu, aquele que muitas vezes foi descrito como o seu cargo de sonho e que faz do ex-primeiro-ministro português uma peça-central nas negociações da União Europeia. A notícia levou o nome de Costa aos quatro cantos do mundo, não fosse este um dos cargos mais importantes a nível europeu, com necessidade de acordo entre as maiores famílias políticas, num momento chave para a Europa. Um pouco pelos mais conceituados jornais internacionais, Costa foi sendo traçado como um “sobrevivente” e “um negociador astuto” cujo caráter “forte” e “afável” permitiu um consenso que envolveu socialistas, sociais-democratas, liberais e terá mesmo conseguido até apoio de Viktor Orbán.

“Este político todo-o-terreno, temperamental, querido e apreciado dentro e fora de Portugal, que se viu à beira do abismo em novembro e decidiu demitir-se.” É desta forma que arranca o texto do jornal espanhol El Mundo, intitulado “António Costa: o sobrevivente que ascendeu à cúpula europeia”, onde se recorda que Costa se demitiu na sequência de uma investigação judicial e onde se conclui que esse foi um “gesto de honestidade” que “não podia ser avaliado até que se confirmou que não havia nenhuma prova que sustentasse a acusação”.

Num texto em tom elogioso, não só se lê que “Costa deixou tudo” quando liderava um Governo de maioria absoluta e o seu nome era repetidamente apontado para a presidência do Conselho Europeu, como é sublinhado que “agora os portugueses já sabem que Costa foi sincero quando disse que ia deixar o cargo ‘com a consciência tranquila’”. “E os líderes europeus parecem ter confirmado que não haverá nenhuma mancha judicial que atrapalhe a trajetória ascendente até então”, conclui. Mais do que isso, não só neste como noutros jornais, foi-se escrevendo que “Costa já foi quase tudo na política”, com referências a um percurso em que foi vereador, deputado, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, secretário de Estado, ministro, primeiro-ministro e eurodeputado.

Em França, o jornal Le Monde define alguém com “perfil moderado”, que combina “os valores clássicos da social-democracia” e uma “abordagem ortodoxa da economia”. A questão judicial, que chegou a ser um tema no Conselho Europeu, e que Donald Tusk, primeiro-ministro polaco, alertou que era preciso “clarificar”, é dado como um assunto “esvaziado” e que “já não parecia representar um obstáculo”.

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O El País recuperou as interpretações da Relação de Lisboa, quando revelou que não encontrou indícios “nem fortes, nem fracos, da prática de crime” de tráfico de influência na Operação Influencer, para lembrar que “isso levou os socialistas europeus, liderados por Pedro Sánchez e Olaf Scholz, a apoiá-lo sem dúvidas” ainda que “a investigação não tenha sido encerrada”.

O Le Figaro focou-se mais na especialidade de Costa em chegar a consensos e escreveu que é um “amante de puzzles”, com “longa experiência política” e “alianças à esquerda e à direita”. “O talento de António Costa para formar coligações inesperadas e construir maiorias está bem demonstrado em Portugal, resta saber qual será o acolhimento de Bruxelas ao antigo primeiro-ministro socialista”, escreveu o jornal.

É relembrado como Costa construiu a geringonça, a forma como “convenceu” PCP e Bloco de Esquerda a apoiarem o governo sem o integrarem e como protagonizou a formação de uma “aliança completamente nova com a esquerda da esquerda” e numa altura em que a direita ficou “escandalizada”. “A sua capacidade de conviver com os adversários é conhecida em Portugal”, pode ler-se no texto em que se destaca a relação com Rui Rio nos tempos em que ambos presidiam às maiores autarquias do país, com Marcelo Rebelo de Sousa na relação São Bento-Belém e agora com Luís Montenegro, ao ser realçado que “a sua nomeação para o Conselho Europeu não poderia ter sido feita sem o apoio do sucessor”. “Habilidade política”, chamou-lhe o jornal espanhol El País.

O Corriere Della Sera salienta que “a natureza de um homem também pode ser compreendida a partir das suas paixões: além de apoiar o Benfica, um dos passatempos preferidos do ex-primeiro-ministro português são os puzzles”. Descrito como alguém que tem a “capacidade de compor as diferentes vozes dos líderes que participa no Conselho Europeu como peças de um puzzle” — e que essa é uma valência que se pede a quem lidera o Conselho Europeu, o jornal garante que os chefes de Estado e de governo reconhecem “pragmatismo” e “grande capacidade de negociação” no ex-líder do PS.

Além do bom relacionamento necessário para o cargo de presidente do Conselho Europeu dizendo que Costa tem amigos em toda a parte, designadamente de outras cores políticas, o jornal norte-americano The New York Times dá conta de uma outro facto: “Com esta nomeação, Costa, que tem ascendência moçambicana e indiana, tornar-se-á a primeira pessoa de cor a ocupar um top job na União Europeia”.

O jornal britânico Guardian refere que António Costa é “um veterano socialista muito querido pelos líderes da União Europeia”, tanto que “garantiu até” o apoio do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Um “negociador astuto”, chamar-lhe-ia o Washington Post, e alguém que “conhece perfeitamente os meandros” do Conselho Europeu, avalia o El País, o que é visto como uma “vantagem para enfrentar o seu mandato em tempos políticos turbulentos na Europa devido à guerra e ao crescimento populista”.

No momento em que chegou à cadeira de sonho, António Costa é visto internacionalmente como um especialista em negociações que fez história em Portugal e que procura agora chegar a consensos na Europa numa altura em que a União Europeia vive em contexto difícil.

António Costa chega à cadeira de sonho e vai ser presidente do Conselho Europeu