Pedro Duarte Neves, o vice-governador do Banco de Portugal, desmente categoricamente a versão do presidente da KPMG de que esta auditora terá avisado o banco central do novo buraco detetado no BES quinze dias antes da divulgação dessas contas — antes mesmo de Carlos Costa ter ido ao Parlamento garantir que as provisões que tinha obrigado o banco a fazer chegariam para eventuais novos problemas ali identificados.

Num comunicado enviado ao Observador, o também responsável pela área de supervisão prudencial do Banco de Portugal admite ter tido uma reunião com o presidente da KPMG (que estava a auditar as contas do banco), mas garante que o tal alerta que Sikander Sattar diz ter feito não foi, de todo, como este diz. Tão só isto: “Na parte final dessa reunião foi brevemente mencionado pela KPMG a existência de uma situação de recompra de obrigações do BES emitidas em 2012“.

Na sexta-feira, numa entrevista ao Expresso Diário, Sikkander Sattar garantiu que nesse encontro de 16 de julho deu “a indicação” de que tinha sido identificada essa “recompra das obrigações com perdas para o BES”, acrescentando que no dia 22 isso mesmo foi reportado num email dirigido ao mesmo diretor de supervisão (que reporta diretamente a Duarte Neves), dando já conta dos detalhes do problema.

Na resposta, o vice-governador acrescenta vários sublinhados, para vincar que o que a auditora referiu estava longe de ser um alerta esclarecedor:

  • “A KPMG encontrava-se a analisar essas operações, pelo que não se tratava de uma situação esclarecida;
  • A KPMG não apresentou uma descrição completa e compreensível destas operações, muito menos do seu racional e eventual motivação;
  • Não foi referida qualquer ordem de grandeza para eventuais perdas nas contas semestrais;
  • Não foi referido ou sugerido que poderia estar em causa o cumprimento dos rácios mínimos de capital em vigor, ou seja que o buffer de capital existente à data fosse insuficiente;
  • E muito menos, que as perdas associadas a estas operações poderiam atingir os montantes que vieram a atingir.”

Em causa está uma das operações que mais fizeram derrapar as contas do BES no primeiro semestre, fazendo disparar os prejuízos para lá do possível – o que acabou por despoletar a divisão do banco em dois (e o seu fim, tal como o conhecíamos). Foi essa operação de recompra de acções, acionada depois do anúncio da saída de Ricardo Salgado do banco, mas antes de este efetivamente sair.

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No mesmo comunicado enviado ao Observador, Duarte Neves garante que “apenas no dia 25 de Julho (19 horas) em reunião entre o Banco de Portugal e KPMG foram apresentados os valores preliminares das contas do primeiro semestre, incluindo a primeira estimativa das perdas associadas às operações de emissão e recompra de obrigações próprias” – o mesmo que tem garantido o próprio governador do Banco de Portugal.

A declaração do vice-governador do Banco de Portugal

“1. Das referências online à entrevista concedida ao Expresso pelo Presidente da KPMG pode resultar a ideia de que o Vice-Governador e o Banco de Portugal foram informados antes do dia 25 de Julho sobre o montante dos prejuízos que se vieram a registar nas contas do BES a 30 de Junho. Como se explica em baixo isso claramente não aconteceu e, por isso, não corresponde à verdade.

2. Em 16 de Julho realizou-se, com efeito, uma reunião de trabalho entre o Banco de Portugal e a KPMG, em que eu e o dr. Sikkander Sattar estivemos presentes, tendo sido feito por esta auditora o ponto da situação dos trabalhos com o objectivo de as contas do BES serem divulgadas no dia 25 de Julho.

3. A reunião focou-se na exposição do BES ao GES o que, como é público, constituía a principal preocupação prudencial do Banco de Portugal na supervisão desta instituição de crédito.

4. Na parte final dessa reunião foi brevemente mencionado pela KPMG a existência de uma situação de recompra de obrigações do BES emitidas em 2012, sendo de sublinhar o seguinte:

a) a KPMG encontrava-se a analisar essas operações, pelo que não se tratava de uma situação esclarecida;
b) a KPMG não apresentou uma descrição completa e compreensível destas operações, muito menos do seu racional e eventual motivação;
e sobretudo
c) não foi referida qualquer ordem de grandeza para eventuais perdas nas contas semestrais;
d) não foi referido ou sugerido que poderia estar em causa o cumprimento dos rácios mínimos de capital em vigor, ou seja que o buffer de capital existente à data fosse insuficiente;
e) e, muito menos, que as perdas associadas a estas operações poderiam atingir os montantes que vieram a atingir.
5. De facto, é de notar ainda que, como demonstrado através de uma mensagem de correio electrónico de 22 de Julho, a KPMG ainda não tinha concluído nesta data a análise sobre as referidas operações, não tendo ainda uma posição definitiva sobre as mesmas nem qualquer quantificação de eventuais perdas.

6. Assim, apenas no dia 25 de Julho (19 horas) em reunião entre o Banco de Portugal e KPMG foram apresentados os valores preliminares das contas do primeiro semestre, incluindo a primeira estimativa das perdas associadas às operações de emissão e recompra de obrigações próprias. A KPMG partilhou com o Banco de Portugal a confirmação final desses valores em duas reuniões que tiveram lugar em 28 de Julho. Neste último dia foi apresentada, pela primeira vez, uma versão completa e desagregada das componentes das contas do primeiro semestre.

7. Esta descrição constitui um relato completo e fiel dos contactos havidos entre o Banco de Portugal e a KPMG nas referidas reuniões de 16 e de 25 de Julho, em que estive acompanhado pelo Director do Departamento de Supervisão Prudencial. Não corresponde por isso à verdade, como pode resultar das referidas referências online, que o Banco de Portugal tenha recebido da KPMG, na reunião de 16 de Julho, informação antecipada sobre o montante dos prejuízos que se vieram a registar nas contas do BES do primeiro semestre de 2014 ou, sequer, que esses prejuízos colocassem em causa o buffer de capital existente à data, de acordo com a informação divulgada pelo BES em 11 de Junho.”