Ia. Não ia. Ia. Não ia. Malditos rumores. O Zenit estava à deriva e com um letreiro a dizer ‘procura-se treinador’. Estamos em março e André Villas-Boas está desempregado, culpa do dedo nervoso do Tottenham no gatilho do despedimento. Portanto, a dúvida não tarda a chegar: um português a caminho de São Petersburgo? Os dias passavam e a confirmação não chegava. Até que Jorge Jesus falou. “Sou amigo do André, tivémos vários minutos a falar e ele vai para lá, portanto não serei eu a ir”, desvendou, numa conferência de imprensa. E falou verdade: dias depois, André estava no Zenit.

Um foi, o outro ficou. E, fruto da amizade, só Jesus sabia o que se ia passar. Esta terça-feira, contudo, nem a versão mais pessimista do decisor do Benfica imaginaria uma coisa destas: aos 22 minutos, e em casa, os encarnados já perdiam 0-2 e tinham menos um homem a correr atrás da bola. Do outro lado estava o tal Zenit, com André Villas-Boas a dar-lhe ordens, até aqui, valiosas — a equipa chegava à Luz só com vitórias nas sete jornadas do campeonato russo. Cautela.

O Benfica até começou ousado. Logo aos 45 segundos, Talisca lembrou-se de Eusébio e, a 40 metros da baliza, quis rematar. A bola saiu rasteira e bastante ao lado da baliza. Depois, o primeiro cheirinho a Hulk. O brasileiro nem surpreendeu: recebeu a bola à direita, encarou Eliseu, pô-lo a duvidar e meteu a bola no pé canhoto. Surpresa? Nenhuma. É o movimento que o avançado mais faz — ir para dentro. Mas chegou para ter espaço, cruzar a bola e para Shatov não lhe chegar por pouco.

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De resto, os primeiros cinco minutos foram um concurso de passes falhados entre russos e portugueses. Era esperar e ver quem aproveitaria primeiro. Foi o Zenit. Aos 5’, o pé direito de Jardel teve mira torta e meteu a bola em Shatov, que esperou até ver Hulk arrancar pelo lado interior de Eliseu para lhe meter a bola. Quando ela chegou, o brasileiro deu-lhe só um toque e fê-la passar por cima de Artur. Era o 1-0 e o sexto golo de Hulk ao 13.º jogo contra o Benfica. As coisas começavam mal para os encarnados.

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O Benfica tentava reagir. Samaris, de novo titular, enfiava-se entre Luisão e Jardel, pedia a bola e queria ser ele a lança-la na primeira viagem. O problema: assim, no meio, a equipa ficava apenas com Enzo e Talisca para a receberem. Dois caminhos que Witsel e Javi Garcia, velhos conhecidos, iam conseguindo tapar. Aos 10’, Hulk transformou um livre em bomba para as mãos de Artur. No minuto seguinte, Salvio pegou na bola, enganou dois russos e rematou para Lodigin defender para canto.

Ele e Gaitán, os argentinos inventores, iam tentando reagir. Arrancavam, fintavam e tentavam criar algo de perigoso para Lima ou Talisca aproveitarem. Aos 18’, porém, foi Jardel quem voltou a fazer mal uma coisa — um passe. Desta vez a bola acabou em Danny, sem ninguém perto de si. Artur arrancou disparado da baliza, saiu da área e, ao ser driblado, derrubou o português. Apito, falta e cartão vermelho para o guarda-redes. Jesus tapava a cara com uma mão: o Benfica jogaria até ao fim só com dez. E pior. Quatro minutos depois, Axel Witsel, belga que andou na Luz em 2011/12, fez o 2-0 com a cabeça, num canto — a bola ainda foi defendida por Paulo Lopes, mas já tinha ultrapassado a linha de baliza.

Uma carga de trabalhos. Era isso que esperava ao Benfica para evitar uma derrota no arranque desta Champions. E a equipa trabalhou. Gaitán e Salvio corriam até mais não, enquanto Enzo e Samaris se desdobravam para tapar espaços que a falta de um jogador teimava em abrir. Até ao intervalo, aliás, os encarnados até conseguiram cortar vários passes russos. Mas, à falta de Talisca (que saiu para Paulo Lopes chegar à baliza), só tinha Lima a quem dar a bola na frente.

Na segunda parte, o Benfica lembrou-se do contra-ataque e o esforço começou a compensar. A equipa viu o Zenit com mais bola, mais calma e com menos pressa. Portanto, causava estragos cada vez que decidia acelerar rumo à baliza de Lodigin. Logo aos 52’, Eliseu encontrou Salvio na direita, com um passe pelo ar, e o argentino decidiu receber a bola e, ao mesmo tempo, ultrapassar Criscito. O italiano acabaria por derrubar o argentino na área, mas o árbitro nada apitou. Com 59 minutos, um canto viu Luisão a saltar a cabecear a bola para Lodigin defender.

Depois, aos 66’, Gaitán enviou Lima numa aventura solitária contra os centrais russos. O brasileiro foi, superou-os e, perante o guardião adversário, rematou contra as suas pernas. Mesmo que não alcançasse a baliza, era comum ver a bola rondar a área russa em companhia de pés encarnados — prova de que, mesmo com dez, o Benfica reagiu, lutou e conseguiu abalar uma equipa que se encostou na vantagem madrugadora. Mas que não chegou a adormecer.

Hulk, pelo meio, foi-se mantendo acordado e com pilhas para arrancar em diagonais que deixavam Eliseu preso à relva. Aos 61’ foi à esquerda buscar uma bola, rematou-a e Paulo Lopes defendeu-a para o posta. Com 67 minutos já fez o habitual: cortou para dentro, puxou a perna atrás e bateu a bola com força para Paulo Lopes defender com a ponta dos dedos. Aos 71 minutos foi a vez de Rondón, o gigante avançado venezuelano, que rematou ao lado após um passe de Danny o deixar sozinho perante Paulo Lopes.

O Benfica acabou de rastos. Enzo ia buscar sprints às reservas, Gaitán até de pé direito rematava e Derley, após substituir Lima, andou a discutir duelos físicos com os centrais russos. Mas o 0-2 não se mexeria. O jogo terminou e os encarnados só fariam menos três remates à baliza que o adversário. E as bancadas reconheciam o esforço: nos últimos minutos da partida o barulho cresceu, os cânticos não paravam e as palmas soavam para retribuírem o esforço. “Quero agradecer aos adeptos. Nunca vi uma coisa assim em seis anos. A perder 0-2, perceberam que fizemos tudo”, disse Jesus no final, já depois de entrar no relvado e ‘obrigar’ os jogadores a agradeceram ao público.

Agora resta dar algo de volta nos cinco encontros que restam. À mesma hora, no Mónaco, um golo de João Moutinho bastou para os franceses vencerem o Bayer Leverkusen, próximo adversário do Benfica nesta fase de grupos — encarnados jogam a 1 de outubro na Alemanha. Nada está perdido, longe disso, e basta à equipa vencer as partidas que lhe faltam para não depender de ninguém para seguir rumo aos oitavos. Mas para isso terá que lutar com 11 jogadores. Mesmo que, com dez, seja capaz de incomodar bastante a equipa de um treinador que venceu pela terceira visita consecutiva que fez ao Estádio da Luz (1-2 e 1-3 durante a época 2010/11) — e que, 51 jogos depois, voltou a dar ao Benfica uma derrota oficial no seu recinto.