Em Nova Iorque, do outro lado da rua da Trump Tower, um grupo de cerca de dez homens, todos com menos de 30 anos e a maioria com bonés vermelhos que dizem “Vamos Tornar a América Grande Outra Vez!”, entoa um cântico de forma coordenada. Dá a ideia de que já o fazem há horas. “T-R-U-M-P! Trump! Trump! Trump!”, cantam, atirando os braços para os lados a cada letra soletrada e depois a cada “Trump!”. Estão radiantes, riem-se de forma tonta, como só os casais apaixonados o fazem. Olham uns para os outros e nem acreditam que Donald Trump acaba de vencer na Pensilvânia — e assim ficar a apenas 6 votos dos 270 necessários para ser Presidente. Hillary Clinton precisaria de 72.

O cântico, fácil de entrar no ouvido, torna a ser repetido. “T-R-U-M-P! Trump! Trump! Trump!”, fazem-se ouvir. Enquanto isto acontece, uma mulher, tão jovem quanto estes apoiantes de Donald Trump, fica para a olhar para eles embasbacada. Depois, saída do seu torpor, grita-lhes: “Fuck you!”. E sai a correr, desaparecendo rapidamente.

“Ooooh!”, clamam os apoiantes de Trump em conjunto. “O país mudou, querida!”, grita-lhe um deles. “Agora aguentem-se, o Donald Trump é Presidente!”, acrescentou.

Menos de uma hora depois, Donald Trump venceu mesmo as eleições presidenciais norte-americanas, ao conseguir juntar 276 votos do Colégio Eleitoral — isto numa altura em que nem todos os votos estão contados.

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Um pouco por todo o passeio que fica do lado oposto à Trump Tower — do lado daquele arranha-céus, estão vários camiões da construção civil, que por motivos de segurança bloqueiam o acesso ao prédio —, apoiantes de Donald Trump entram em discussões acaloradas com alguns opositores que quiseram passar aqui nesta noite. Num dos casos, uma jovem também com menos de 30 anos, chora compulsivamente enquanto grita: “Vejam o que fizeram ao país! Vocês destruíram o nosso país!”. “É melhor ires para casa”, responde-lhe um dos apoiantes de Trump. “Eu não vou para casa, eu vou passar aqui a porra desta noite toda! Tu és de Nova Iorque? Eu também sou de Nova Iorque! Eu tenho todo o direito a ficar aqui”, responde. “A Hillary Clinton é pedófila”, responde-lhe um.

A protester argues with a supporter of Republican presidential nominee Donald Trump outside Trump Tower in New York City after midnight on election day November 9, 2016. Donald Trump stunned America and the world, riding a wave of populist resentment to defeat Hillary Clinton in the race to become the 45th president of the United States. The Republican mogul defeated his Democratic rival, plunging global markets into turmoil and casting the long-standing global political order, which hinges on Washington's leadership, into doubt. / AFP / DOMINICK REUTER (Photo credit should read DOMINICK REUTER/AFP/Getty Images)

Yuri (à direita), apoiante de Donald Trump, responde a uma manifestante que apareceu em frente à Trump Tower (DOMINICK REUTER / AFP / Getty Images)

Noutra ocasião, outro manifestante anti-Trump aparece sem aviso e começa a grita “Sieg Heil!” enquanto faz a saudação popularizada pela Alemanha nazi. “América fascista! Vamos matar todos os judeus, vamos matar todos os pretos!”, grita, de forma irónica. Os apoiantes de Trump, que já parecem estar acostumados a serem alvo de provocações depois desta noite, riem-se na cara dele.

“É típico da esquerda”, diz um deles, chamado Yuri. “Argumentos básicos, estereótipos, mais nada”, atira. “Eu também já fui de esquerda. Eu votei no Barack Obama duas vezes, acreditas? Votei nele duas vezes porque sou desta cidade, sou de Nova Iorque, e eles aqui fazem lavagens cerebrais às pessoas, é incrível”, diz. Enquanto fala, Yuri junta aos cotovelos ao tronco, e mexe as mãos para cima e para baixo. Qualquer semelhança com Donald Trump não é coincidência.

“Trump vai meter as pessoas a falar umas com as outras”

Joe Enders, de 21 anos, nunca pensou que isto pudesse ser assim. Apoiante de Trump, esperava uma vitória. “Mas nunca como esta. Sempre esperei uma vitória muito mais renhida”, explica. “Mas da maneira como as coisas estão agora, isto demonstra que o nosso movimento tem um poder incrível, que os media e as sondagens não quiseram reconhecer.”

Não será de todo estranha a ideia de que os EUA são, hoje, um país fraturado como nunca. Na História moderna norte-americana, não há memória de umas eleições que tenham sido tão agressivas, com acusações de gravidade ímpar. O que se vê neste passeio nova-iorquino será uma versão aumentada, e em esteróides, daquilo que será o espaço público dos EUA nos próximos tempos. Praças, locais de trabalho, televisões, escolas.

Quando perguntamos a Joe Enders se ele acha que será possível alguma vez sarar as feridas abertas por esta campanha — no segundo debate presidencial, Donald Trump chegou a dizer que se ele fosse Presidente Hillary Clinton estaria presa —, o jovem de Chicago começa por responder com uma palavra: “Empregos”. Como assim? “O Donald Trump vai criar empregos para todos, vai meter o país de novo a trabalhar, vai meter as pessoas a falar umas com as outras para poderem produzir algo juntos”, explica. “Pelo trabalho, as pessoas vão libertar-se destas discussões parvas.”

Yuri está ao lado e resolve contribuir para a conversa. “Nós estamos abertos a toda a gente”, diz. “Um dia, as pessoas vão aperceber-se verdadeiramente de quem é o Donald Trump, da pessoa que ele é, da piada que ele tem. Ele tem humor excelente”, garante. “Deixa-me dizer-te uma coisa. A minha irmã trabalha numa firma de advogados que trabalha com algumas pessoas da Trump Corporation”, explica. “Sabes o que é que as pessoas de lá dizem todas de Trump? Dizem que ele é ótimo, que é uma pessoa…”

O discurso de Yuri é interrompido por ele mesmo, que pede desculpa. “É ele! É ele!” Por “ele”, entenda-se Donald Trump, que acaba de sair de uma garagem da Trump Tower a bordo de um carrinha de grandes dimensões que é rodeada por uma escolta policial de grande dimensão. “T-R-U-M-P! Trump! Trump! Trump!”, grita Yuri à passagem do próximo Presidente dos EUA, que está agora a caminho do Hilton para fazer o discurso da vitória. Yuri ainda tem a mesma cara que apresentava quando o vimos pela primeira vez: radiante, cheio de felicidade, apaixonado.

“Só me apetece chorar”

Basta andar pouco mais de três quilómetros para sudoeste da Trump Tower para ver exatamente o oposto do que ali se passa. É ali, no Javits Center, que se concentram os democratas. A escolha do local não foi por acaso: aquele centro de congressos tem as paredes e o teto completamente de vidro. Hillary Clinton, já desde 2008, quando concorreu às primárias do Partido Democrata, falava do seu objetivo de “quebrar o telhado de vidro”. Que é como quem diz: quebrar a barreira invisível que tem impedido que uma mulher chegasse ao cargo mais alto da política norte-americana.

Horas antes da consumação da vitória de Trump, já muitos apoiantes começavam a abandonar a parte exterior daquele evento, que foi descrita pela organização de “block party”. Mas o ambiente não era de festa, era de funeral. Um pouco por todo o lado, há pessoas sentadas no chão, que em ocasiões normais é apenas mais uma rua de Nova Iorque. Aqueles que vão saindo, fazem o seu melhor para não pisá-los.

Anna Mastroianni, de 54 anos, é das poucas que se aguenta em pé. Já tinha pensado várias vezes em ir-se embora, virar costas a tudo aquilo e voltar para casa, em Nova Jérsia. “Já pensei ir-me embora mil vezes, mas depois penso sempre que seria uma traição à causa”, disse, quando ainda não era certo que Hillary Clinton tinha perdido as eleições mas numa altura em que esse desfecho já era o mais provável.

Quando saiu de casa, à tarde, fê-lo com a ideia de que se ia divertir e celebrar a eleição de Hillary Clinton, a primeira mulher Presidente. Mas quando a vimos, estava quase a chorar. “Estou muito assustada. Estes resultados são inconcebíveis”, dizia, numa altura em que a Florida, estado essencial e bastante disputado, acabava e cair para o lado de Donald Trump. A derrota de Hillary Clinton ainda não era um dado adquirido àquela altura, mas Anna já falava dela no pretérito perfeito. “A Hillary foi uma candidata muito, super qualificada, mas se calhar não foi boa o suficiente a dar-se a conhecer pelas pessoas”, explicou.

Mas para esta empresária, dona de uma loja de sapatos, a culpa do desfecho destas eleições presidenciais não é apenas de Hillary Clinton. Por um lado, reconhece mérito a Donald Trump. “Quando alguém fala assim, como ele, de forma superlativa, cheio de certezas, com soundbites de algibeira, as pessoas gostam”, disse. “Eu não respeito isso, detesto que as coisas funcionem assim. Mas pelos vistos está a funcionar.”

Estava, sim. E acabou mesmo por funcionar até ao fim. Depois de uma das campanhas mais surreais de que há memória na política norte-americana, Donald Trump será o 45º Presidente de Yuri, de Joe, de Anna e de todos os EUA.