Álvaro Santos Pereira considera que o combate à corrupção, o combate à dívida e ao fraco crescimento económico deverão estar na linha da frente das preocupações com a indústria nos próximos anos. O diretor do departamento de estudos sobre países da OCDE trouxe gráficos e uma mão cheia de sugestões – até mais de uma mão, porque foram sete – à conferência sobre o futuro da indústria que marca, ao mesmo tempo, o 3º aniversário do Jornal Eco e o 30º da Fundação Serralves.

“Não chegamos a lado nenhum com 1% de crescimento”, afirma o economista, esboçando um exemplo sensibilizador dirigido à plateia: “se crescemos 1%, só vamos duplicar o rendimento em 70 anos. Não é aceitável que isso aconteça”.

Álvaro Santos Pereira relembra que os países da OCDE com o nível português de PIB per capita crescem “às vezes 5%”. Portanto, acredita que não nos devemos contentar com menos de 3% de crescimento “porque isso permite-nos duplicar o nosso PIB per capita em 20 anos”.

A acrescentar a um crescimento mais robusto, o ex-Ministro da Economia do governo de Passos Coelho entende que devemos lutar por baixar a dívida “para níveis que sejam menos preocupantes”. Apesar de vermos melhorar os números da dívida pública, “a nossa dívida é dos privados, das famílias e dívida externa”, considera Álvaro Santos Pereira.

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Dentro de um mês sairão as previsões da OCDE para o crescimento económico, relembra, cálculos que “andarão nessa ordem dos 2%”, os mesmos valores apresentados na quarta-feira no esboço do Orçamento do Estado para 2020 enviado à Comissão Europeia. Mas foca a atenção no excedente orçamental, que nas previsões de Mário Centeno passa a saldo nulo em 2020 (quando em abril previa um excedente de 0,3%). “Nos próximos anos, independentemente do governo, tem de se criar as condições para termos excedentes orçamentais contínuos para baixarmos a dívida para níveis que sejam menos preocupantes”, diz Santos Pereira. Principalmente no que toca à dívida privada “ainda muito elevada”, sublinha.

“Temos uma dívida externa que ainda é histórica. Diminuiu mas não assim tanto. Temos de a reduzir para não estarmos tão vulneráveis a crises internacionais ou nacionais que possam acontecer no futuro”, disse ao Observador.

Dois “desafios enormes”: envelhecimento da população e alterações climáticas

“A nível económico, acho que o mais importante nos próximos anos é aumentar a competitividade e a produtividade nacional”, continua o economista. A par e passo, o Álvaro Santos Pereira defende que temos de nos preparar para dois “desafios enormes”: o envelhecimento da população, porque “vamos ser dos países em que o envelhecimento vai acontecer mais rapidamente” – e mostra-o num dos gráficos que trouxe a Serralves -, e as alterações climáticas.

No que toca ao último ponto, o ex-Ministro tem algo a dizer acerca de uma campanha eleitoral em que “não se debateram os grandes temas”, e mesmo os que se debateram muito, como o das alterações climáticas, houve falta de informação. Considera, por exemplo, que faltou aos partidos apresentar medidas concretas nesta temática e, dirigindo-se aos empresários, incitou-os a olharem a situação como “uma oportunidade”.

“Reindustrializar é preciso”. A indústria 4.0

“And finally – às vezes vem-lhe uma palavra em inglês, “são demasiados anos” – Álvaro Santos Pereira concentrou-se no setor da indústria, principal razão pela qual veio discursar. A palavra de ordem é reindustrialização.

Parece um palavrão que atrapalhará a dicção de muitos, mas é simples: tem a ver com a nova indústria, com a robótica e com a digitalização. “Não estamos a falar de indústrias do século XIX, altamente poluentes, ou na indústria das fábricas antigas com o Charlot a bater nos parafusos”, adverte o ex-Ministro, para quem temos de voltar às origens e mostrar que afinal a agricultura é “sexy”.

Álvaro Santos Pereira deu um cheirinho ao debate que se seguia, no qual se abordou a indústria 4.0 como uma das mudanças da “nova indústria”. “Precisamos de maiores e melhores empresas”, inaugurava Carlos Tavares, numa opinião que se ouvia em uníssono também por Ana Lehmann, professora universitária, Florbela Lima, head of EY-Parthenon e Joaquim Vieira Peres, partner Morais Leitão.

Quando se voltou para o discurso do Álvaro Santos Silva, o chairman do banco Montepio só salientou um aspeto: “prefiro que me digam que a produtividade aumentou do que me digam que o défice baixou uma ou duas décimas”.

Ana Lehmann, professora da Universidade do Porto, defende que a robotização da indústria não é necessariamente má: permite ter produção mais rápida e seres humanos mais qualificados.

Para muitas empresas, introduzir “dois ou três robôs não chega”, no futuro, defende. No entanto, há outras empresas que caminham, pelo contrário, para a exclusividade. “O consumidor que quer exclusivo, quer um fato exclusivo, se calhar até quer ver uma foto da costureira, quer uma experiência turística exclusiva” representará, então, outro tipo de mercado. Os empresários terão de conhecer o seu público e perceber se fará sentido uma robotização da produção, denfede a ex-Secretária de Estado da Indústria, para quem “o 4.0 não é um fenómeno de oferta, é um fenómeno de procura”.

Carlos Moedas veio em vídeo dizer que “a inovação precisa de ser regulada”

Carlos Moedas era para estar presente, mas na falta de presença física, fê-lo digitalmente. No fundo, é disso que falamos. Será digital o futuro da indústria? Em entrevista previamente filmada com António Costa, diretor do jornal ECO, o comissário europeu defendeu que há uma nova indústria a emergir entre o digital e o físico e entre o produto e o serviço. Chamou-lhe “Rede 4.0” porque “enquanto que na produção da economia linear, o importante era ir debaixo para cima, hoje o importante é ir do exterior para o centro da rede”.

As empresas portuguesas, na opinião de Carlos moedas, têm um caminho que ele mesmo teve enquanto “emigrante de muitos anos” para furarem o mercado internacional. “Se quero vender um produto em Nova Iorque, tenho de pensar novaiorquino”, alerta. Por terem uma dimensão pequena, terão de ser melhor do que as outras.

“Temos de chegar às reuniões antes dos outros, temos de falar mais línguas, temos de vender melhor e o nosso produto tem de ser superior”, argumenta, coisa que na sua opinião as empresas portuguesas fizeram bem durante os anos de crise.

Carlos Moedas defende que a “regulação no setor digital tinha de acontecer. E quem ganha? The first mover: a Europa”, que “está a dar o passo em frente”, na opinião do comissário europeu, tal como fez com a regulação dos dados, medida em que foi pioneira e pela qual foi vangloriada por Bill Gates.