“Completamente inaceitável”. É assim que o Tribunal da Relação de Lisboa vê o argumento da defesa de José Sócates de que os empréstimos de Carlos Santos Silva ao ex-primeiro-ministro eram motivados unicamente pela amizade que une os dois. O jornal i traz na sua edição desta quinta-feira algumas passagens escolhidas do acórdão da Relação que determinou a recusa do recurso apresentado por Sócrates, na terça-feira, e aí é destrinçada exaustivamente a estratégia de defesa de Sócrates.

De acordo com o i, os dois juízes desembargadores do Tribunal da Relação manifestam dificuldade em entender a amizade entre Sócrates e Santos Silva. “Diríamos, amizade sim, porque não? Mas tanto assim, também não! E amizade assim, por que razão? O arguido Carlos é um empresário, um homem de negócios. Até pode ser uma pessoa altruísta. Mas é empresário, vive de e para o dinheiro, para o reproduzir, multiplicar e ter lucros”, lê-se.

Mais à frente, escreve o matutino, sempre a citar o acórdão:

“Qualquer cidadão normal ficaria estupefacto perante o deslumbre de tanto dinheiro dito ’emprestado’ mas afinal sem intenção de retorno. Um verdadeiro milagre de altruísmo pelo amigo!”

Nesta passagem está sobretudo em causa o facto de Sócrates nunca ter pago a Santos Silva os montantes que este alegadamente lhe emprestava. E aqui põe em causa as motivações do empresário.

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“O certo é que, seguramente, não deveria ter muito gosto ou interesse em correr riscos de investimento elevados, mesmo que por amizade, ainda por cima envolvendo uma pessoa como o arguido José Sócrates, que, a ser verdade não ter outro património, então seria um potencial insolvente”

Ora, se Sócrates era um “potencial insolvente” e não era amizade o que levava Carlos Santos Silva a emprestar dinheiro ao ex-primeiro-ministro, ficam justificadas, no ponto de vista da Relação, as suspeitas sobre práticas ilegais. “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”, escrevem os juízes desembargadores Agostinho Torres e João Carola.

Perigo de fuga a curto prazo não, mas…

No acórdão, a Relação defende a tese de que o juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, atuou de acordo com a lei quando determinou a prisão preventiva a José Sócrates, em novembro passado. Segundo o i, que cita o documento, é “completamente descabida” a ideia de que os direitos do ex-governante foram violados, dado que, em novembro, Sócrates foi imediatamente confrontado pelo juiz com as suspeitas que o Ministério Público tinha sobre si.

E as motivações alegadas por Carlos Alexandre para essa medida de coação também colhem apoio junto da Relação. “A colocação do arguido em liberdade poria em sério risco a investigação”, concluem os redatores do acórdão, concordando que havia um perigo real de Sócrates poder perturbar o decorrer do processo, como aliás já havia feito quando escondeu um computador na casa de uma vizinha.

Quando Carlos Alexandre aplicou a prisão preventiva a Sócrates, foram invocados os argumentos de perigo de perturbação da investigação e de perigo de fuga. Apenas este perigo de fuga é que carece de mais fundamentação, alega a Relação, que no entanto admite que tal pudesse acontecer, ainda que não imediatamente.

“Ao arguido são conhecidas e públicas excelentes relações políticas em África e, sobretudo, no Brasil e Venezuela”, escrevem os desembargadores, lembrando que Sócrates tem “manifesta capacidade intelectual e de relacionamentos multifacetados”, pelo que não lhe seria difícil fugir para o estrangeiro, caso quisesse.