A ministra da Saúde teve alta hospitalar a meio da tarde deste sábado, quase 24 horas depois de ter dado entrada no Hospital de São Francisco Xavier. Ana Paula Martins esteve envolvida num acidente de carro quando regressava de um evento em Coimbra e, apesar de não ter sofrido ferimentos graves, precisou de receber cuidados médicos, tal como aconteceu com outras duas pessoas que seguiam a bordo: o motorista e uma assessora da ministra.
Mas o caso suscitou várias dúvidas. Primeiro, porque as primeiras informações davam conta de que a corporação de bombeiros de Torres Vedras tinha sido acionada depois de um alerta para um acidente na A8 — e não encontrou qualquer sinal de carros acidentados naquela via ou de haver vítimas ao longo da auto-estrada. Segundo, porque, tendo sofrido ferimentos, a ministra só seria assistida cerca de 45 quilómetros mais à frente, já em Lisboa, precisamente no Hospital de São Francisco Xavier.
Rapidamente, o caso saltou para as redes sociais e as teses começaram a circular: o que explica que não houvesse sinal do acidente (nem da ministra) na A8? Por que razão a ministra não esperou — nem sequer solicitou, garantiam alguns — assistência médica no local? E o que aconteceu com o carro do ministério em que seguia a comitiva?
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Entre informações contraditórias, equívocos e esclarecimentos posteriores, o caso inundou as redes sociais. O que se sabe e o que ainda falta explicar sobre o acidente que envolveu Ana Paula Martins? Um comunicado divulgado pelo Ministério da Saúde avança alguns dados novos.
Acidente foi na A10. Alerta referiu a A8 “por lapso”
Ainda na sexta-feira, o Correio da Manhã avançava que a ministra da Saúde tinha estado envolvida num acidente de carro e que tinha dado entrada no Hospital de São Francisco Xavier. Segundo o diário, o acidente teria ocorrido na A8, na zona de Torres Vedras.
À Rádio Observador, o comandante dos Bombeiros daquela corporação, Hugo Jorge, contou ter recebido um alerta de acidente na A8 (que liga Leiria a Lisboa) “pelas 19h38, através do Centro de Orientação de Doentes Urgentes de Lisboa”. Na sequência desse alerta, foram enviadas para o terreno duas ambulâncias, um carro para desencarceramento de vítimas e um carro de comando. Mas, depois de percorrerem aquela estrada, não encontraram qualquer indício de acidentes por ali.
“Fizemos a A8 no sentido norte-sul, de Torres [Vedras] até à saída para Sobral de Monte Agraço, e não avistámos qualquer tipo de acidente”, refere Hugo Jorge. “Recebemos o alerta para despiste de veículo ligeiro e, de pronto”, foram acionados os meios de socorro. “Fizemos esse percurso todo da A8 e não avistámos qualquer tipo de acidente”, acrescenta.
Mas essa não foi a única referência à A8. À Lusa, o comandante sub-regional do oeste, Carlos Silva, relatou que aquela auto-estrada tinha sido varrida entre as zonas da Caldas da Rainha, Torres Vedras e Malveira. Mais uma vez, sem que qualquer acidente tivesse sido detetado.
Os meios dos bombeiros foram mobilizados por um alerta do Centro de Orientação de Doentes Urgentes. Sabe-se agora, depois de ter sido divulgado o comunicado pelo Ministério da Saúde, que o equívoco teve origem numa chamada feita por um elemento do gabinete da secretária de Estado da Gestão da Saúde.
“Entre o momento do acidente e a chegada da viatura da Secretária de Estado da Gestão da Saúde”, que viajava com algum atraso em relação ao carro de Ana Paula Martins, um membro do gabinete da secretária de Estado acionou o INEM. Ora, esclarece o comunicado, “por lapso, nesse contacto com o INEM foi referida a A8 e não a A10 como o local do acidente”.
O que causou o acidente?
Logo na noite de sexta-feira, uma fonte do Ministério da Saúde referia que o despiste do carro da ministra se tinha devido às condições atmosféricas no local. De facto, esta sexta-feira, algumas zonas do país foram atingidas por fortes chuvas.
Telegraficamente — e sem fazer referências, por exemplo, à velocidade a que o carro seguia no momento em que o condutor perdeu o controlo do mesmo —, o comunicado diz que o acidente aconteceu “na sequência das condições meteorológicas desfavoráveis que se verificaram”.
O jornal Público escreveu ainda na noite de sexta-feira que o acidente tinha acontecido quando a ministra regressava a Lisboa depois de ter estado em Coimbra para participar na cerimónia de assinatura de protocolos para a construção de centros de saúde com recursos a fundos do Plano de Recuperação e Resiliência.
Ministra fraturou o braço, mas não esperou por ambulância
Horas depois de Ana Paula Martins ter dado entrado no hospital, o diretor do serviço de urgência do S. Francisco Xavier dava mais detalhes sobre a situação da ministra e dos outros dois ocupantes do carro.
Ana Paula Martins deu entrada nas urgências do hospital por volta das 20h30, juntamente com o motorista e a assessora, todos com “ferimentos ligeiros” sofridos no acidente. “Foram observados, realizaram terapêutica e exames complementares de diagnóstico que não revelaram alterações significativas”, avançou José Furtado. Ainda assim, o diretor de serviço avançava que “alguns dos pacientes” tinham sofrido “fraturas”, sem especificar quem nem de que tipo.
A RTP refere que foi mesmo a ministra da Saúde quem sofreu uma fratura no antebraço, o que, explica o hospital, justificou o período mais longo até que tivesse alta hospitalar. No comunicado do Ministério da Saúde, e referindo-se a todos os que seguiam no carro acidentado, pode ler-se que “os três [ministra, assessora e motorista] entraram nas urgências do Hospital São Francisco Xavier, onde foram observados pela equipa de trauma e foram registados como qualquer paciente vítima de acidente de viação”. Depois, “foi-lhes atribuída pulseira amarela e na mesma sala onde os três membros do gabinete foram observados pelos profissionais de saúde encontravam-se, igualmente, outros pacientes.”
Uma das dúvidas do acidente prendia-se com a decisão de Ana Paula Martins e restante comitiva terem seguido para Lisboa, apesar de todos terem sofrido ferimentos no acidente.
O comunicado do Ministério da Saúde refere que, depois de ter sido acionado o INEM — no tal contacto em que foi referida a A8 como local do mesmo —, “esse alerta foi, depois, anulado, uma vez que se considerou que ninguém apresentava ferimentos que justificassem o recurso a meios de emergência médica”.
Por essa razão, Ana Paula Martins e a sua assessora “foram transportadas para o Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, porque”, justifica o Ministério da Saúde, “é a unidade com urgência polivalente mais próxima do acidente e é, também, o hospital da área de residência da senhora ministra”.
O que aconteceu ao carro da ministra?
Segundo a RTP, o carro de Ana Paula Martins foi apanhado num lençol de água que levou o motorista a perder o controlo na condução. No fundo, sofreu aquilo que se designa por aquaplaning, como o próprio Presidente da República referiu publicamente: os pneus atravessam uma zona de maior concentração de água na estrada, perdem tração ao solo, situação em que existe um risco mais elevado de perda de controlo. Foi o que aconteceu, segundo o comunicado.
O carro terá depois embatido no separador lateral da estrada, realizando vários piões antes de acabar imobilizado no meio da estrada. O motorista conseguiu ainda encostar o carro à berma.
A partir daí, e já após a chegada da secretária de Estado da Gestão da Saúde, a ministra da Saúde prosseguiu viagem para Lisboa no carro de Cristina Vaz Tomé. O motorista de Ana Paula Martins, que no acidente terá embatido com alguma violência com a cabeça, ficou para trás.
“O motorista ficou junto da viatura acidentada até a mesma ser rebocada e, depois, foi, também, transportado até ao hospital para observação”, refere o comunicado do Ministério. O motorista acabou por ter alta já na manhã deste sábado.
Dados errados e conspiração: o que se disse nas redes?
Não demorou até que nas redes sociais começassem a surgir reações à notícia do acidente que envolveu Ana Paula Martins. Ainda antes de o Ministério da Saúde ter divulgado um comunicado com alguns detalhes, a ex-eurodeputada e ex-candidata presidencial Ana Gomes foi uma das utilizadoras do X (antigo Twitter) a lançar suspeitas sobre os contornos do caso.
“Não foi encontrado pelos bombeiros o acidente na A8 que envolveu a ministra da Saúde… Estranho. Mesmo muito estranho. Expliquem lá porquê?”, escreveu a socialista, numa publicação que suscitou várias reações.
Não foi encontrado pelos bombeiros o acidente na A8 que envolveu a ministra da Saúde …
Estranho. Mesmo muito estranho. Expliquem lá porquê?— Ana Gomes (@AnaMartinsGomes) June 8, 2024
Não me lixem. A ministra tem um acidente, vai para o hospital, mas as autoridades não encontraram o acidente. Foi ocultado. Porquê?
O que se passou? https://t.co/meRK4rKQRE— José António Fundo ????????????????????️????✊????⬅️ (@jafundo) June 8, 2024
O comunicado da tutela referia um “lapso” de um membro do gabinete da secretária de Estado da Gestão da Saúde, que se referiu à A8 — e não à A10 — quando acionou os meios de socorro. Naquela zona, as duas auto-estradas correm quase em paralelo, com as localidades de Sobral de Monte Agraço e Arruda dos Vinhos no meio de ambas, como se pode ver na imagem seguinte.
Naquele ponto concreto, as duas vias rápidas distam menos de 14 quilómetros entre si. Apesar desses dados, utilizados nas redes sociais admitiam que a confusão na referência seria mais do que um simples “lapso”.
Qual o motivo pq começaram por mentir, dizendo que o acidente foi na A8 se afinal foi na A10?
— SUL_Liber ???????? ???? ???????? ???? (@Gava__J) June 8, 2024
Houve também quem tivesse acrescentado contexto ao acidente que, de acordo com as informações oficiais, simplesmente não aconteceu.
A militância PSD embrutece as mentes.
Uma senhora enfermeira que até chegou à ministra faz andar os bombeiros pela A8 e depois pela A10 por não fazer o que todo o cidadão em caso de acidente deve fazer, contactar o 112. Não o fez porquê? Tem alguma coisa a esconder?— José Dias (@neocuriosidade) June 8, 2024
Um utilizador chega a dizer que a ministra foi assistida — subentende-se que ainda no local do acidente — por uma “enfermeira” e que teria sido essa pessoa a acionar os meios de socorro para a A8. Outro dado errado: refere-se que o 112 não foi acionado, como aconteceria numa situação normal.
Mas não terá sido prestada qualquer assistência por qualquer enfermeira — o acidente acontece, a secretária de Estado da Gestão da Saúde aparece, a ministra segue viagem no carro de Cristina Vaz Tomé e só é assistida já em Lisboa. Além disso, o INEM foi acionado por um membro do gabinete da secretária de Estado, na tal chamada em que se mencionou a A8 e não a A10 como local do acidente.
Artigo atualizado às 22h44 de dia 8 de junho, com a retificação de que o carro não galgou o separador lateral daquele troço, mas embateu nos rails de proteção laterais da A10.