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Reportagem Projetos Inovadores na área da saúde mental em Portugal -- Home 360, um projeto da casa de saúde mental do Telhal, que é uma resposta comunitária especializada para as pessoas com demência e seus cuidadores. 2 de Fevereiro de 2023 Casa de Saúde do Telhal, Sintra TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Laura Fagundes é uma das 306 pessoas apoiadas pelo Home 360, entre cuidadores e pessoas com demência

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Laura Fagundes é uma das 306 pessoas apoiadas pelo Home 360, entre cuidadores e pessoas com demência

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A exigência física e o desgaste psicológico levam os cuidadores à exaustão. Laura encontrou ajuda no Home 360

Mais de 80% dos cuidadores já se sentiram em estado de exaustão emocional. Laura, cuidadora do marido com demência, está entre eles. Mas o programa Home 360 resgatou-a.

“O meu marido era muito forte, sempre nos demos muito bem, conheço-o como ninguém. Mas foi perdendo capacidades. Começou por deixar de ver, corremos os médicos todos, depois deixou de conseguir levantar-se, de tomar banho sozinho, chamava por mim constantemente, não aceitava mais ninguém. É muito difícil psicologicamente, o cuidador vai-se degradando também à medida que as perdas cognitivas dele se vão acentuando. Estava completamente perdida, queria muito ajudar o meu marido, que já não era o mesmo, mas às tantas eu também já não era eu, de tão perdida que estava.”

Laura Fagundes tem 72 anos, menos dois do que Manuel. Vivem numa aldeia da zona de Sintra. Ela foi diretora comercial de uma multinacional, ele inspetor de finanças. Não têm filhos em comum. Tiveram pouco tempo para gozar a reforma, depois de uma intensa vida profissional. Há cerca de três anos, o marido iniciou um processo degenerativo que culminaria num diagnóstico: demência. Ao mesmo tempo, uma pandemia abatia-se sobre o mundo.

Reportagem Projetos Inovadores na área da saúde mental em Portugal -- Home 360, um projeto da casa de saúde mental do Telhal, que é uma resposta comunitária especializada para as pessoas com demência e seus cuidadores. 2 de Fevereiro de 2023 Casa de Saúde do Telhal, Sintra TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Márcia Fonseca, psicóloga e coordenadora do programa Home 360, Ana Rita Cardoso, psicóloga e gestora de contexto, Laura Fagundes, cuidadora, Margarida Cunha e Vanessa Gaio, terapeutas ocupacionais

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Após a reação inicial, Laura iniciou o calvário seguinte. Procurar ajuda para poder manter o marido em casa, aos seus cuidados. “Deparei-me com um labirinto de burocracia, os obstáculos eram imensos. Ou pelo local onde vivia ou pelo IRS, não encontrava respostas. Ainda por cima, estávamos em pandemia. A fase do confinamento foi muito má para ambos, achei que não ia sobreviver, mas tive força suficiente para tirar o meu marido do lar onde esteve por um curto período e começar eu a cuidar dele. Sozinha. Depois da reação inicial de negação, que é horrível, tive a noção clara de que não podia viver do passado, tinha de andar para a frente e habituar-me a ele, nesta sua nova forma.”

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Mas andar para a frente não foi fácil. No caso de Laura, exigia atenção exclusiva, cuidados constantes, disponibilidade permanente.

Os números da exaustão: 83,3% dos cuidadores informais admitem já se ter sentido em burnout, 78,5% concordam que o estado de saúde mental influencia o desempenho como cuidadores e 77,9% reconhecem a necessidade de apoio psicológico. Mas menos de metade alguma vez usufruiu deste apoio, de acordo com um inquérito recente.

“Tenho a sorte de poder suportar o custo de ter alguém comigo para ajudar, mas o meu marido não deixava que se aproximassem dele, só eu. Ele dizia que não precisava de ninguém, só de mim, portanto, passei uma fase em que era eu que tinha de fazer tudo, e eu queria fazer tudo, mas não conseguia. Passa um dia, dois, três, um mês, vários meses, e começamos a entrar numa tristeza sem fim. A exigência física e o desgaste psicológico por que passam os cuidadores levam à exaustão absoluta e eu disse para mim: ‘És forte, mas não tanto como pensavas e tens de procurar ajuda’.”

Foi então que Laura, nas pesquisas diárias que fazia online, encontrou o Home 360. “Pensei: ‘Era exatamente isto de que precisava’.”

“O cuidador também precisa de ser cuidado”

Um recente inquérito nacional realizado pelo Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais confirma que 83,3% admite ter-se sentido em estado de burnout/exaustão emocional em algum momento, 78,5% concorda que o estado de saúde mental influencia o seu desempenho enquanto cuidadores e 77,9% reconhece a necessidade de apoio psicológico. Mas menos de metade dos 1.183 cuidadores inquiridos procuraram e usufruíram deste apoio.

De acordo com psicóloga Ana Carina Valente, professora no ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, e responsável por este estudo, os resultados “demonstram que os cuidadores informais apresentam níveis elevados de sofrimento psicológico, baixos níveis de bem-estar e sintomatologia depressiva e ansiosa, contribuindo, em muitos casos, para o surgimento de psicopatologias”.

Reportagem Projetos Inovadores na área da saúde mental em Portugal -- Home 360, um projeto da casa de saúde mental do Telhal, que é uma resposta comunitária especializada para as pessoas com demência e seus cuidadores. 2 de Fevereiro de 2023 Casa de Saúde do Telhal, Sintra TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Queria ajudar o meu marido, que já não era o mesmo, mas eu também já não era eu, de tão perdida que estava”, diz Laura Fagundes

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Foi para diminuir estes níveis de sofrimento dos cuidadores de pessoas com demência e, assim, ajudar a mantê-las em casa, com qualidade de vida, o maior tempo possível, evitando hospitalizações e institucionalizações precoces, que surgiu, em dezembro de 2020, o projeto Home 360. Totalmente gratuito para os seus beneficiários (pessoas com demência e seus cuidadores moradores nos concelhos de Sintra e Oeiras, cujas câmaras municipais são parceiras e investidores sociais), foi cofinanciado por fundos comunitários e é gerido pelo Instituto São João de Deus, uma IPSS que presta serviços de saúde mental, assistência, reabilitação e reinserção social

“O Home 360 nasce de uma candidatura a uma linha específica (de Inovação Social) e tem a ver com uma aposta, já com alguns anos, do Instituto São João de Deus, nas demências como área de intervenção”, explica Márcia Fonseca, coordenadora do projeto. “Está assente numa metodologia de gestor de contexto e o que o projeto pretende é apoiar pessoas com demência e os seus cuidadores, na gestão da doença e o impacto da mesma nas suas vidas.”

“Há uma sobrecarga dos cuidadores das pessoas com demência. Recebem um diagnóstico e depois ficam perdidas no sistema, sem saber o que fazer”, diz a psicóloga Márcia Fonseca. “Queremos aliviar esta sobrecarga, dando apoio emocional, capacitando e orientando-os para os recursos da comunidade"

“Percebemos é que há uma enorme sobrecarga dos cuidadores das pessoas com demência, que, muitas vezes, recebem um diagnóstico e depois ficam completamente perdidas no sistema, sem saber o que fazer nem o que representa aquilo. Portanto, o gestor de contexto tem como objetivo aliviar esta sobrecarga, não só dando apoio emocional e capacitando o cuidador e a pessoa com demência, mas também orientando-os para os recursos da comunidade a que podem aceder e articulando com estes.”

Com uma equipa com uma psicóloga, duas terapeutas ocupacionais e duas consultoras – uma assistente social e uma psiquiatra com especialidade em geriatria –, a ação do Home 360 passa pelo apoio psicológico e emocional, capacitação e psicoeducação dos cuidadores, pela adaptação ambiental e habitacional e pela intervenção cognitiva, motora e sensorial junto da pessoa com demência.

Depois de meses a sentir que se afundava, com o marido que já não era a mesma pessoa com quem viveu toda a vida, mas de quem queria ser ela a cuidar, Laura encontrou no Home 360 uma boia de salvação.

Reportagem Projetos Inovadores na área da saúde mental em Portugal -- Home 360, um projeto da casa de saúde mental do Telhal, que é uma resposta comunitária especializada para as pessoas com demência e seus cuidadores. 2 de Fevereiro de 2023 Casa de Saúde do Telhal, Sintra TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A equipa da Home 360 (Márcia Fonseca, Margarida Cunha, Vanessa Gaio e Ana Rita Cardoso) acompanhou até hoje 306 beneficiários, dos quais 157 cuidadores informais e 149 pessoas com demência

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Este projeto deu-me uma coisa muito importante: devolveu-me a autoestima”, diz Laura. “Ajudou-me a perceber a doença do meu marido e deu-me força para manter a minha decisão de ficar com ele em casa porque me fez acreditar que eu era capaz de tratar dele. O cuidador também precisa de ser cuidado e a Vanessa, a Margarida [terapeutas ocupacionais] e a Ana Rita [psicóloga] deram-me força, ajudaram-me a cuidar dele de uma forma mais saudável para mim, apoiando na integração da empregada nos cuidados, para eu ter algum descanso. Já não prescindo do apoio delas. Quando me ligavam ou diziam que estavam ao portão, davam-me uma alma nova.” Agora, Laura já consegue tirar algum tempo para ir às compras ou devolver os telefonemas dos familiares e amigos que se mantiveram presentes.

Um projeto, uma aplicação e o futuro

De dezembro de 2020 a dezembro de 2022, o Home 360 fez 4.885 intervenções, tendo acompanhado até hoje 306 beneficiários, dos quais 157 cuidadores informais e 149 pessoas com demência (porque há pessoas que têm mais do que um cuidador).

Os beneficiários chegam maioritariamente referenciados pelas equipas de saúde mental dos hospitais que servem os concelhos de Sintra e Oeiras (o Hospital Fernando da Fonseca e o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental), mas também por via das paróquias, das juntas de freguesia ou do próprio cuidador, como no caso de Laura Fagundes.

“As pessoas preenchem a ficha de inscrição e são contactadas pelos técnicos, que fazem uma primeira entrevista e marcam uma visita para fazer o levantamento inicial do contexto e estabelecer um plano individual para aquelas pessoas – cuidador ou cuidadores e pessoa com demência. É importante dar nota de que o objetivo é capacitar e não prestar um apoio permanente. Só assim podemos ajudar mais famílias.”

“O meu marido dizia que não precisava de ninguém, só de mim. Era eu que tinha de fazer tudo. Eu queria, mas não conseguia. Passa um dia, dois, três, um mês, vários meses, e entramos numa tristeza sem fim. Disse para mim: ‘És forte, mas não como pensavas e tens de procurar ajuda’.”
Laura Fagundes, cuidadora

De acordo com a coordenadora do Home 360, 100% das pessoas acompanhadas melhoraram a rede de apoio social. Mais: “58% melhoraram a qualidade de vida — o que, se pensarmos que se trata de um diagnóstico de patologia degenerativa, são resultados interessantes — e 50% dos cuidadores informais diminuíram a sobrecarga, o que também consideramos um valor bastante positivo”.

Para alargar o apoio aos cuidadores, o Home 360 lançou recentemente uma aplicação com informação científica sobre demências numa linguagem acessível.

Ajuda no bolso e na palma da mão

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A app Home 360 inclui informação científica, estratégias para os cuidados do dia a dia de uma pessoa com demência, com pequenos vídeos, uma área para fazer registos, uma espécie de agenda ou bloco de notas do cuidador e, ainda, uma área de diálogo com a equipa técnica através da qual é possível fazer perguntas e esclarecer dúvidas

“Depois de um ano e meio no terreno, percebemos esta grande necessidade de informação clara, precisa e adaptada para os familiares e cuidadores e nasceu assim esta app”, diz Márcia Fonseca. “Qualquer pessoa pode aceder, mas a parte das perguntas e respostas por enquanto é só para beneficiários do Home 360. Queremos alargar a todos os utilizadores, mas só se verificarmos que há capacidade, porque não queremos ser uma não resposta. Queremos ser uma resposta efetiva e de proximidade.”

Até junho deste ano, data de conclusão do projeto de acordo com o financiamento obtido, as psicólogas Márcia Fonseca e Ana Rita Cardoso e as terapeutas ocupacionais Vanessa Gaio e Margarida Cunha continuarão no terreno. Depois se verá.

“O grande desafio será perceber quais as condições para continuar. Os parceiros percebem a importância, os resultados são positivos, estamos agora no processo de perceber que acertos o projeto terá de sofrer para ser sustentável”, diz Márcia Fonseca.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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