Índice
Índice
Há quem lhe chame “a mulher mais poderosa do Vaticano”. A religiosa francesa Nathalie Becquart, que em 2021 se tornou, por decisão do Papa Francisco, a primeira mulher com direito a votar no Sínodo dos Bispos, é descrita pelo The New York Times como “a freira que está a transformar o papel das mulheres dentro do Vaticano” — e, em 2022, foi incluída pela BBC na lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo.
“Esta nomeação não é sobre mim, mas sobre o facto de o Papa Francisco ter tido este gesto profético de nomear uma mulher para ali”, disse Nathalie Becquart ao Observador, numa entrevista em Viana do Castelo, onde esteve no início de dezembro para participar como oradora convidada numa iniciativa organizada pela diocese católica do Alto Minho.
“Fiquei muito comovida quando fui nomeada, porque recebi tantas mensagens de todo o mundo. Não apenas de pessoas dentro da Igreja, mas também de pessoas de diferentes religiões e de líderes políticos. E não apenas de mulheres”, recordou a religiosa francesa, da congregação francesa La Xavière.
Em fevereiro de 2021, o Papa Francisco anunciou a nomeação de Nathalie Becquart como subsecretária do Sínodo dos Bispos, o organismo colegial que se reúne periodicamente em assembleias gerais para ajudar o Papa no governo da Igreja Católica global. Desde a sua criação por Paulo VI depois do Concílio Vaticano II (recuperando do Cristianismo primitivo o conceito de “sinodalidade”, isto é, de um “caminho em conjunto” nos processos de tomada de decisão dentro da Igreja), o Sínodo dos Bispos tinha sido exclusivamente composto por homens: os seus membros são, por definição, bispos nomeados pelas conferências episcopais de todo o mundo para as representar em cada assembleia geral em Roma. Além de bispos, alguns padres e frades também faziam parte do Sínodo dos Bispos e podiam votar, em representação das ordens religiosas.
Recentemente, porém, o Papa Francisco inverteu esta lógica: convocou um sínodo dedicado ao tema da “sinodalidade”, transformou a reunião num processo alargado no tempo (que inclui consultas nas paróquias, nas dioceses e nos países), convocou todos os fiéis católicos para fazer parte do sínodo e, de modo inédito, abriu o direito de voto no Sínodo dos Bispos às mulheres.
A nomeação de Nathalie Becquart para o cargo de subsecretária do Sínodo foi o primeiro passo: aquele cargo dá direito de voto automático nas assembleias sinodais e tinha sido sempre ocupado por um homem. Mas Francisco foi mais longe e, na altura de escolher os membros da assembleia para esta edição, usou a sua quota para incluir várias mulheres na reunião magna. No total, 54 mulheres puderam votar na assembleia sinodal que se realizou em outubro. O mesmo grupo voltará a Roma em outubro de 2024 para a segunda sessão da assembleia — a divisão da assembleia sinodal em duas foi outra inovação do Papa Francisco, criando espaço para que, durante um ano, as conclusões da primeira sessão possam ser debatidas pelos católicos de todo o mundo.
A escolha da religiosa francesa para aquele cargo foi lida por muitos no quadro de um esforço que tem sido levado a cabo pelo Papa Francisco para colocar mais mulheres nos lugares de decisão dentro da Igreja Católica. A principal marca de assimetria de género na Igreja tem permanecido, porém, inamovível: apesar de não existir unanimidade entre os teólogos sobre o tema, a Igreja continua a recusar a possibilidade da ordenação sacerdotal das mulheres.
A participação das mulheres nos processos de tomada de decisão na estrutura eclesiástica tem sido um dos temas quentes do Sínodo sobre a Sinodalidade: o documento que resultou da assembleia de outubro, embora pouco ambicioso devido à necessidade de consenso entre os participantes, mencionou algumas propostas concretas, incluindo a adaptação do Direito Canónico para permitir o acesso das mulheres e dos leigos no geral a papéis de responsabilidade e de tomada de decisão dentro da Igreja, bem como a inclusão das mulheres nos programas de formação dos seminaristas.
“A palavra do senhor padre ainda tem mais influência do que a de um leigo”
É, contudo, difícil perceber se estas declarações de intenções feitas a partir de Roma estão a ter alguma tradução efetiva nas comunidades católicas concretas.
Constança, Sofia e Tatiana, com idades entre os 17 e os 18 anos, são alunas do Colégio do Minho, escola privada da diocese de Viana do Castelo. Embora só Tatiana se declare católica, as três voluntariaram-se para ajudar na organização das Jornadas de Pastoral da Diocese de Viana do Castelo, evento que incluiu duas intervenções de Nathalie Becquart. Estão à porta do auditório do Centro Pastoral Paulo VI, em Darque, na margem sul do rio Lima, a trabalhar no acolhimento dos cerca de 250 participantes — maioritariamente catequistas, sacerdotes, responsáveis de movimentos católicos e outras pessoas envolvidas na vida das paróquias.
Em conversa com o Observador, admitem que não acompanharam o andamento do Sínodo dos Bispos (aliás, os próprios documentos do sínodo reconhecem a dificuldade em chegar à generalidade dos católicos) e que nem conhecem muito bem a freira francesa que ali vai discursar. Apesar de estudarem numa escola católica e de até se voluntariarem para ajudar em algumas iniciativas, sentem-se afastadas da Igreja — e a desigualdade entre homens e mulheres é uma das razões que apontam.
“A Igreja manteve-se muito num registo do antigamente, apesar de ter havido algumas mudanças”, reconhece Tatiana, de 18 anos. “Por exemplo, as mulheres, a nível de Igreja, só podem ser freiras. Há, em parte, uma desvalorização do sexo feminino, o que acaba por não chamar tantas pessoas, mais ligadas à atualidade, a quererem seguir a fé. Não é bem igual para toda a gente. Se calhar isso também pode ser um dos fatores que fazem com que a Igreja não chegue a tantas pessoas como antes.”
Sofia, de 17 anos, concorda com a colega: “Acho que a Igreja Católica é uma instituição ainda muito arcaica. Não sou católica, mas por causa disso também. É uma das razões. Não me identifico. Não sinto que a Igreja seja atualizada, não mudou conforme os tempos foram mudando.”
A Igreja, acrescenta Tatiana, “não é muito inclusiva”. “Não vai muito de acordo com aquilo que acho que é correto”, destaca, sublinhando que “as mulheres fazem muito trabalho na Igreja, mas é aquele trabalho mais de bastidores, menos importante, e os homens é que têm a posição de destaque”.
Para Nathalie Becquart, é justamente aí que reside um dos maiores problemas que impedem uma verdadeira igualdade de género dentro da Igreja: na falta de visibilidade das muitas mulheres que hoje já têm cargos de liderança na estrutura eclesiástica. “Ainda temos na nossa mentalidade esta imagem da Igreja como uma pirâmide, com o Papa, os bispos, os padres. Mas se pensarmos na Igreja, em primeiro lugar, como povo de Deus — e essa é a visão sinodal —, a Igreja são todos os batizados”, defende a religiosa francesa, falando ao Observador numa sala da casa de retiros da diocese de Viana do Castelo onde ficou instalada durante a sua passagem por Portugal. “Se mudarmos a nossa forma de olhar para a Igreja, entre todas as pessoas, temos muitas mulheres, muitas delas muito ativas. As jovens mulheres precisam de ver que também há mulheres envolvidas na missão da Igreja.”
Maria Luís Cambão, médica de 28 anos, é uma delas. Faz parte da equipa da pastoral juvenil da diocese de Viana do Castelo — uma equipa coordenada por uma mulher e composta, maioritariamente, por mulheres.
“Em todas as paróquias há muita participação das mulheres e vê-se isso nos secretariados da diocese”, conta Maria ao Observador. “No nosso, a coordenadora é uma mulher e é ela que tem o poder de decisão, é ela a representante da equipa nas reuniões com o bispo e com os outros secretariados.” A jovem, que fez parte da equipa que preparou a participação da diocese minhota na Jornada Mundial da Juventude de Lisboa, acredita que a sua voz é ouvida — mas reconhece que ainda não foi transposta a barreira do clericalismo.
Aí, defende a jovem médica, não se trata de um problema de desigualdade que visa apenas as mulheres, mas de uma deficiente interpretação da autoridade do clero que coloca os leigos em segundo plano na Igreja. “Há muitos leigos chamados a ser ouvidos, a participar e a dar opinião. Mas ainda sinto que, depois, na decisão final, o peso da opinião não é o mesmo vindo de um leigo ou vindo de um padre. Muitas vezes em reuniões de conselhos em que toda a gente é chamada a opinar — até mesmo em questões práticas, de como organizar isto ou aquilo —, e há a perceção de que toda a gente fala, toda a gente opina, mas há ali umas opiniões que prevalecem em relação às outras. A palavra do senhor padre ainda tem mais influência do que a de um leigo. Acho que isso ainda acontece.”
Sínodo arrisca só chegar a quem já está dentro das estruturas eclesiásticas
Terá sido para combater a ideia de que a palavra de um padre vale mais do que a de um leigo — e, como consequência, do que a de uma mulher — que o Papa Francisco convocou uma edição do Sínodo dos Bispos com diferenças bastante visíveis em relação às anteriores. Se, noutros anos, as assembleias gerais decorriam num auditório clássico com a hierarquia bem definida (cardeais na primeira fila, seguidos de arcebispos, bispos, padres, religiosos e finalmente os leigos nas últimas filas), desta vez a imagem foi bem diferente: todos os membros da assembleia sinodal ficaram distribuídos em pequenos grupos linguísticos, sentados em mesas redondas que juntavam bispos, cardeais, leigos, homens e mulheres, sem qualquer distinção. O próprio Papa Francisco ficou numa dessas mesas redondas.
Além da simbologia das mesas, a principal novidade do Sínodo sobre a Sinodalidade foi a alteração substancial do processo: em vez de se limitar a uma reunião de bispos em Roma durante três semanas, passou a ser um processo de três anos, desenvolvido por etapas nas paróquias e dioceses de todo o mundo. As conclusões dessas discussões locais serviram para preparar o documento de trabalho que esteve nas mãos de todos os membros da assembleia sinodal em outubro. O próprio tema do sínodo foi um desafio: “Por uma Igreja sinodal.” Isto é, por uma Igreja com processos de decisão participados por todos e menos centrados no clero.
Porém, não parece que o objetivo tenha sido verdadeiramente cumprido. Basta olhar para a síntese produzida pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) no final do processo de consultas e discussões nas paróquias, movimentos e dioceses de Portugal. “Na sua maioria, o alcance da escuta sinodal ficou restringida à realidade diocesana, em parte devido a uma débil estratégia de divulgação, enfraquecida pela incapacidade de simplificar a explicação sobre a relevância e a dinâmica da consulta sinodal”, admitem os bispos portugueses no documento.
“As comunidades que tiveram pouca ou nenhuma informação sobre o sínodo, e que não estavam enquadradas nas realidades eclesiais, apesar de serem compostas por cristãos, não se organizaram espontaneamente”, diz ainda o documento da CEP. “Ficou em falta uma divulgação cuidada a nível nacional, que facilitasse a convocatória daqueles que não frequentam o espaço eclesial e que não estão por dentro da dinâmica paroquial. (…) Por esta razão, a escuta valeu-se dos grupos já com algum caminho percorrido dentro da paróquia, surgindo o sacerdote como uma importante figura, não só na constituição das equipas, por conhecer melhor a sua comunidade, mas também na divulgação do processo.”
Ou seja: uma grande parte do processo sinodal ficou limitado àqueles que já frequentam os círculos eclesiásticos.
Questionada pelo Observador, Nathalie Becquart admite que a dificuldade em chegar à generalidade dos fiéis, sobretudo aos que estão menos envolvidos na vida quotidiana das paróquias e movimentos, foi “um dos desafios” do sínodo. “Sublinhámos isso, como o Papa Francisco tem pedido. Precisamos de ouvir toda a gente, especialmente os pobres, aqueles que estão nas margens, nas periferias. É verdade que, em alguns países, em alguns lugares, não é fácil. O desafio é não organizarmos uma consulta sinodal apenas com as organizações católicas existentes, só com as pessoas que já estão muito envolvidas com a paróquia. Mas podemos fazer também algumas consultas, por exemplo, com a Cáritas, que alcança muitas pessoas diversas, muitos pobres. Temos de encorajar esta escuta alargada e tentar ser uma Igreja mais aberta e inclusiva.”
Nathalie Becquart, uma das principais responsáveis do Vaticano pela organização deste processo global inédito, reconhece que é necessário ser “proativo” para ouvir toda a gente. A religiosa francesa, que nos últimos dois anos tem viajado por todo o mundo para acompanhar as diferentes fases de implementação do processo sinodal, refere o exemplo de uma diocese nos Estados Unidos e a conversa que teve recentemente com o respetivo bispo: “Para chegar àqueles que deixaram a frequência da igreja, eles organizaram entrevistas cara-a-cara e, de uma forma muito proativa, foram ouvi-los. E o bispo disse-me que foi muito interessante, porque ouviram coisas que normalmente não ouviriam daqueles que já estão na Igreja. Percebemos que eles também têm algo a dizer à Igreja. Porque o Espírito Santo não trabalha apenas através dos batizados ou daqueles que vão à igreja todos os domingos. Mas também através de muitas pessoas de boa vontade. É por isso que estas consultas têm sido feitas em vários países. É também para ouvir pessoas de outras religiões, pessoas que possam ter sido batizadas, mas que já não pratiquem.”
O processo sinodal trouxe para o centro do debate alguns dos temas com os quais a Igreja Católica tem tido mais dificuldade em conviver pacificamente, especialmente a débil participação das mulheres na vida da Igreja, a discriminação das pessoas LGBTQ ou o grande foco no poder e autoridade dos membros do clero. Se, por um lado, os muitos documentos produzidos no contexto deste sínodo têm contribuído para deixar por escrito algumas (tímidas) declarações de intenções sobre temas quentes, Nathalie Becquart defende que “o maior fruto deste Sínodo é, na verdade, a metodologia sinodal”.
Mais do que servir para implementar reformas na doutrina, o sínodo deverá servir para fazer surgir na Igreja Católica uma nova forma de decidir. Algumas propostas concretas, como a de que todas as paróquias tenham um conselho pastoral de que devem fazer parte leigos, apontam no sentido de uma inversão nas lógicas habituais de decisão. “Só descobrimos o que é a sinodalidade quando a experimentamos”, defende Nathalie Becquart. “Mesmo muitos cardeais e bispos que já estiveram em muitos sínodos dizem que este é um grande passo, uma grande aprendizagem”, acrescenta, destacando que não é possível voltar atrás no que toca aos métodos de diálogo e decisão na Igreja.
“Não é só o conteúdo. O estilo da Igreja também evangeliza”
Apesar dos apelos para que os novos métodos do Sínodo dos Bispos sejam transpostos para a pequena escala e para a realidade das paróquias, a intervenção de Nathalie Becquart em Viana do Castelo seguiu uma lógica muito mais tradicional: uma oradora em palco a falar para uma assembleia de 250 pessoas com o auxílio de um clássico PowerPoint. A religiosa francesa procurou introduzir um pequeno exemplo do mecanismo de “diálogo no Espírito” usado no Sínodo dos Bispos: um minuto em silêncio para cada um dos participantes pensar na sua relação pessoal com Jesus Cristo, seguido de dois minutos para partilhar o seu pensamento com o colega do lado.
Aos muitos leigos e sacerdotes da diocese minhota que participaram no evento, Nathalie Becquart destacou algumas ideias sobre a edição atual do Sínodo dos Bispos. Sublinhou que, mais do que para escrever documentos ou implementar reformas, este sínodo “serve para fazer germinar sonhos” e defendeu que “cada um pode restaurar a Igreja na sua paróquia”, devendo para isso perguntar-se: “Como é que esta experiência do Sínodo se traduz na minha comunidade?”
Reforçando que o Sínodo dos Bispos pretende contribuir para “aprofundar a compreensão da Igreja” enquanto “instrumento da união de Deus com a humanidade”, Nathalie Becquart assinalou que a “experiência sinodal” deve ajudar todos os católicos a lembrar uma ideia central: “A Igreja não está toda em mim.” É preciso, defendeu a religiosa francesa, “confrontar-se com os outros”, porque a “riqueza da Igreja está na diversidade” e na capacidade de “reconhecer os dons e os carismas nos outros”.
Se a intervenção de Nathalie Becquart não fugiu aos moldes mais tradicionais, a maior expressão de “sinodalidade” do evento foi uma iniciativa da própria diocese de Viana do Castelo, que organizou o encontro: através de um código QR nas suas credenciais, todos os participantes podiam submeter anonimamente as suas perguntas aos oradores, o que permitiu uma maior e mais transparente participação na conferência — a tal liberdade de intervenção que o Papa Francisco procurou proteger ao assegurar a realização das discussões sinodais à porta fechada.
Uma boa parte das perguntas submetidas pelos participantes através daquele sistema foram sobre os dois temas mais quentes do sínodo: a relação da Igreja com as pessoas LGBTQ e com as mulheres. “Como é visto pela Igreja um batizado que vive em união de facto com outro batizado do mesmo sexo?”, perguntou um participante. As respostas de Nathalie Becquart e do outro orador — o padre italiano Rossano Sala, que foi secretário especial do sínodo sobre os jovens, em 2018 — foram pouco esclarecedoras: há “visões muito diferentes em todo o mundo”, defendeu Nathalie Becquart, destacando que “em África muitos bispos veem o assunto como uma ideologia que os países ocidentais impõem”, enquanto no Ocidente há leis que protegem a comunidade LGBTQ. “Não se pode marginalizar ninguém”, sublinhou, enquanto Rossano Sala defendeu que usar a doutrina com “dureza” e “para julgar” é “trair o evangelho”.
“Como foi a sua experiência sinodal como mulher? As mulheres sentiram uma experiência de participação?”, perguntou outro participante anónimo a Nathalie Becquart. Em resposta, a religiosa francesa garantiu que “todas as mulheres tiveram oportunidade de participação” na assembleia do sínodo, mas destacou que “mesmo entre as mulheres há dissonâncias” sobre o caminho a seguir no que toca a uma maior participação feminina na vida da Igreja.
“Para alguns bispos, foi uma novidade o diálogo e o discernimento com a presença de jovens e mulheres, mas foi muito positivo”, assegurou Nathalie Becquart. A própria presença das mulheres nestes contexto de decisão é já um passo significativo, defendeu a religiosa: “Não é só o conteúdo. O estilo da Igreja também evangeliza.” Também questionada pelo público em Viana sobre as expectativas concretas de transformação da Igreja na sequência do sínodo, nomeadamente no que diz respeito a uma maior participação feminina nos processos de tomada de decisão, Nathalie Becquart destacou que “o sínodo não procura dar resposta às questões, mas sim criar uma nova forma de caminhar juntos”.
“O importante é ter mais mulheres nos processos de tomada de decisão”
Desde a sua nomeação como subsecretária do Sínodo dos Bispos, Nathalie Becquart tornou-se, no contexto da Igreja Católica, um símbolo da luta das mulheres por uma igual participação nos mecanismos de decisão e liderança. Aos 54 anos de idade, Becquart já tem um longo percurso nas estruturas eclesiásticas — e na liderança no feminino. No início da década de 1990, quando se licenciou em empreendedorismo na Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris (HEC Paris), tornou-se na primeira mulher presidente do clube de vela (e é velejadora até hoje).
Entrou na congregação La Xavière (de inspiração inaciana) em 1995 e desde essa altura que se dedica ao trabalho com a juventude católica. Chegou a trabalhar em marketing e, ao longo de vários anos, coordenou programas de juventude nos escuteiros católicos franceses e em universidades até ser nomeada, em 2008, diretora do gabinete nacional para evangelização da juventude e as vocações na Conferência Episcopal Francesa, cargo que ocupou durante dez anos. Saltou para a popularidade global em 2021, com a nomeação para subsecretária do Sínodo, mas antes já tinha sido convidada pelo Papa para ser consultora do Secretariado-Geral do Sínodo.
Quando se tornou na primeira mulher a poder votar num Sínodo dos Bispos, Nathalie Becquart passou a ser considerada por muitos “a mulher mais poderosa do Vaticano”. Sabia que estava a entrar num mundo de homens, como reconheceu em entrevista ao Observador. Mas também sabia que já havia “algumas mulheres em cargos de liderança no Vaticano”, designadamente como consultoras em organismos económicos. Admitindo que “a hierarquia” eclesiástica ainda é integralmente masculina, Nathalie Becquart diz que, ao longo dos dez anos que trabalhou com os bispos franceses, viu “alguma evolução no Vaticano”, onde ia frequentemente para reuniões.
“Vi as coisas mudarem e continuam a mudar. É um processo”, destaca a religiosa. “Nesta altura, penso que 22 das pessoas que trabalham na Cúria Romana são mulheres. Já não é apenas um mundo de homens.” De acordo com a página do Vaticano, a Cúria Romana — o governo geral da Igreja Católica a nível global — conta com 55 organismos diferentes, incluindo largas dezenas de pessoas nas suas estruturas de topo.
Becquart diz ter sido “bem recebida” pelos bispos e cardeais na sequência da sua nomeação. “Não são apenas as mulheres que estão a apelar a uma maior participação das mulheres na Igreja ou mais mulheres em cargos de liderança. São também cada vez mais homens, incluindo padres, bispos e o próprio Papa, que o diz regularmente”, destaca a freira, que admite que a sua própria nomeação, que descreve como “um gesto profético” do Papa, “deu e continua a dar uma grande alegria e uma grande esperança a muitas pessoas”.
“Quando penso sobre mim própria e sobre este cargo, [concluo que] não é sobre mim. É através de mim. Sinto-me muito ligada a muitas mulheres que já estão em posições de liderança de muitas formas, a nível local e em conferências episcopais, e também a muitas mulheres que abriram o caminho antes de mim. Se estou aqui hoje também é devido, por exemplo, ao facto de o Papa Paulo VI ter tido esta novidade profética de chamar mulheres como auditoras na fase final do Concílio Vaticano II [1962-1965]. É um processo na história”, considera.
Apesar de procurar relativizar a questão concreta do direito de voto no Sínodo (já que, diz, o objetivo do sínodo é “alcançar um consenso e o voto vem no final do processo”), Nathalie Becquart admite que, “na nossa sociedade, é um grande símbolo”.
“O que é verdade é que, de várias formas, já há várias mulheres em cargos de liderança na Igreja, mas não há muitas que o sejam de modo visível”, afirma a freira ao Observador. “Vejo isso especialmente com as novas gerações. No nosso mundo em mudança, em que há um apelo muito forte, não apenas na Igreja, mas na sociedade, para ter maior igualdade de género. Vemos isso em todos os campos. Na política, na economia, em diferentes organizações: somos sempre melhores quando temos homens e mulheres juntos na liderança do que se forem só homens ou só mulheres. Há um apelo forte a isso. A Igreja está a andar nesse sentido.”
A centralidade do clero na vida da Igreja contemporânea é uma das principais razões pelas quais as mulheres que já assumem um trabalho importante na vida da Igreja são ofuscadas pelos homens. “De certo modo, é normal que no centro da nossa vida eclesial tenhamos a eucaristia, os sacramentos, a liturgia. De certa forma, a liturgia é o primeiro lugar de visibilidade”, assume Nathalie Becquart. Contudo, lembra a freira, “desde o Concílio Vaticano II, há um apelo à participação de todos; não é só o padre a celebrar, são todos os fiéis que celebram em conjunto”.
O que é certo, defende Nathalie Becquart, é que em “diferentes contextos” e “diferentes igrejas locais” já há “cada vez mais mulheres” em cargos de topo. “Por exemplo, em Portugal têm uma mulher como reitora da Universidade Católica”, destaca, referindo-se a Isabel Capeloa Gil, nomeada em 2016. “É um cargo muito importante e é parte da Igreja. Há 20 anos, não tínhamos nenhuma mulher como reitora de uma universidade católica. Em França, hoje, pela segunda vez, temos uma mulher como presidente da Cáritas. É uma organização da Igreja muito importante, ela fala pelos bispos. De diferentes formas, temos cada vez mais mulheres em papéis mais visíveis. Mas é verdade que isso tem de ser potenciado. Há um apelo para isso. E o Papa Francisco repete-o todos os dias.”
A religiosa reconhece que as mulheres têm tido, historicamente, um papel de destaque no contexto da Igreja Católica, sendo responsáveis por muito do trabalho concreto que é feito pela instituição, da catequese à organização pastoral das paróquias. Falta dar destaque a esse trabalho, defende Nathalie Becquart. “O que é muito importante — e o Sínodo está a sublinhar isso, bem como o Papa Francisco — é ter cada vez mais mulheres nos processos de tomada de decisão, na liderança”, destaca, frisando, por exemplo, que “há cada vez mais mulheres teólogas”, sendo ainda necessário refletir melhor “sobre o modo como se descobre e se chama as mulheres a contribuir”.
“Arranjar os altares, pôr as flores, era tudo por conta das mulheres”
A história de Madalena Delgado, 72 anos, ilustra de modo eloquente uma vida inteira dedicada à Igreja Católica. Natural de Viana do Castelo, Madalena nasceu numa família cristã que cedo a educou para a fé católica. Na infância, seguiu o caminho habitual da época: andou na catequese, fez a profissão de fé e tornou-se catequista. Foi das poucas da sua geração que continuou a estudar: seguiu para o liceu e rapidamente começou a detetar uma “distância” entre si e as outras jovens catequistas.
“Não me identificava muito com aquela forma de fazer catequese, que era ensinar Pai-Nossos e Avé-Marias”, conta ao Observador num dos intervalos do evento que trouxe a irmã Nathalie Becquart a Viana do Castelo. “Então, abandonei.”
No liceu, a sua vida espiritual intensificou-se. Um padre e professor de moral “bastante empenhado” ajudou-a a integrar-se gradualmente nas atividades que a Igreja propunha aos mais jovens, incluindo a “pré-JEC” (a Juventude Estudantil Católica destinava-se apenas a maiores de 16 anos).
No início da década de 1970, uma conjugação de fatores foi determinante para a vida de Madalena Delgado, que entretanto entrara para o magistério primário com o objetivo de se tornar professora. No último ano do curso, participou num retiro espiritual organizado pelo professor de moral para as alunas do magistério. Já era a segunda vez que o fazia, mas naquele ano foram desafiadas a fazer “alguma coisa na paróquia” onde viviam.
Madalena vivia, então, na Meadela, mesmo às portas de Viana do Castelo — e sabia que iria trabalhar ali. “Era a segunda melhor aluna da turma, portanto à partida escolhia a escola para onde ia. Calculava que ia ficar aqui nos arredores”, conta. O retiro foi em fevereiro de 1970 — e Madalena ia começar a trabalhar em outubro. “Tínhamos emprego garantido naquela altura.”
Juntamente com três colegas de curso que também viviam na Meadela, Madalena desafiou o pároco a criar um grupo de jovens. Tiveram sorte: o padre tinha acabado de chegar à paróquia e queria dinamizar a comunidade. Qualquer ideia era bem-vinda. Com os irmãos e os amigos, as quatro colegas fundaram o grupo de jovens. A primeira reunião foi na sacristia da igreja paroquial, porque não havia mais infraestruturas; só quando foi construída uma nova residência paroquial os jovens puderam ficar com partes da estrutura antiga.
Madalena, então com com 19 anos de idade, era uma das líderes do grupo, que organizava férias de verão, atividades de artes plásticas para as crianças e peças de teatro. “Durante vários anos, fizemos peças de teatros anuais. Dedicávamos as férias a ensaiar, fazíamos os cenários e as roupas”, conta, recordando os tempos áureos de um grupo que chegou a ter mais de 30 elementos. Havia, contudo, uma grande dificuldade: “As raparigas não podiam sair sozinhas. Em 1970, as raparigas não saíam sozinhas de casa à noite.”
Só quando Madalena e os dois irmãos rapazes, que também pertenciam ao grupo, saíam e passavam pelas casas das várias jovens do grupo é que os pais das raparigas as deixavam sair para irem aos ensaios. “Todos os dias, percorríamos alguns pontos da freguesia para as ir apanhar. Os pais delas só deixavam porque eu ia com os meus irmãos. Tínhamos os rapazes de suporte.” O grupo de jovens criado por iniciativa daquelas quatro alunas daria origem, mais tarde, a uma associação cultural — a ACEP (Associação Cultural e de Educação Popular), que ainda hoje existe.
Quando o grupo se transformou em associação cultural, a já professora primária Madalena deixou de fazer parte, mas manteve-se sempre intimamente ligada à vida da paróquia da Meadela. Reformada há cerca de 20 anos, hoje pertence “a quase tudo na paróquia”, como admite ao Observador. Ao longo das décadas, desdobrou-se em atividades eclesiásticas, desde o trabalho informal na caridade à mais formal pertença a órgãos de decisão. Catequista desde 1971, é hoje responsável pela catequese familiar da paróquia. Durante 40 anos, pertenceu ao secretariado paroquial da catequese, serviu um mandato no conselho diocesano de Viana do Castelo, canta no coro e fotocopia semanalmente a folha informativa da paróquia.
Durante muitos anos, quando a paróquia não tinha ainda um funcionário contratado, era Madalena quem fazia “os assentos de batismo, de casamento e de óbito”, ou seja, “tudo o que era da secretaria”. Além de tudo isto, ainda faz parte da direção do centro social paroquial desde o início, é ministra extraordinária da comunhão — e, mais importante ainda, integra o conselho pastoral da paróquia da Meadela. Trata-se de um organismo que apoia o pároco na gestão pastoral da sua paróquia e que é agora recomendado pelo sínodo para todas as paróquias do mundo, devendo ser composto por leigos, incluindo mulheres, que tenham uma palavra a dizer sobre o modo como são desenvolvidas as atividades paroquiais. “Tudo o que há, faço tudo”, sintetiza.
Madalena é uma das muitas mulheres que, em Portugal e noutros países, dedicam quase todo o seu tempo a trabalhar em prol de uma Igreja Católica que, como destaca Nathalie Becquart, ainda não lhes dá uma verdadeira visibilidade nem as inclui de igual para igual nos órgãos de decisão. A expressão mais evidente desta assimetria é a recusa da Igreja Católica em permitir a ordenação sacerdotal de mulheres, reservando para os homens os ministérios ordenados — que continuam a ocupar os principais cargos de poder e autoridade dentro da Igreja.
Para Madalena Delgado, contudo, a questão coloca-se de modo inverso: quebrando a lógica de reservar os cargos de poder para os ministros ordenados, a questão da ordenação feminina pode até deixar de se colocar. “Durante alguns anos, fui um bocado apologista de que não dessem grandes papéis à mulher, porque achava que os homens se demitiam da sua função”, comenta Madalena. “Por exemplo: a visita pascal, que é feita por leigos na Meadela desde 1983. Os grupos eram grandes, o mordomo da cruz era um homem, o que ia a substituir o padre era um homem. Mas achava que não devíamos pôr logo mulheres. Devíamos forçar os homens. Porque como havia muitas mulheres na igreja, então elas que vão e eles ficam sossegadinhos da vida no café a ver passar a banda.”
Numa Igreja em que uma parte muito significativa do trabalho já é feito por mulheres, reforçar a presença feminina poderia significar apenas mais trabalho para elas.
Durante décadas, lembra Madalena, eram as mulheres que garantiam o funcionamento da igreja. “Arranjar os altares, pôr as flores, não sei quê, era tudo por conta das mulheres. Os homens iam à missa e faziam parte do Conselho Económico”, recorda. “Só depois é que se abriu às mulheres.”
“O Papa está a desconectar a liderança da ordenação”
Constança, Sofia e Tatiana respondem em coro à pergunta sobre se faria sentido que a Igreja admitisse a ordenação sacerdotal de mulheres: “Sim!” E respondem igualmente em coro à segunda pergunta, sobre se acreditam que isso possa acontecer em breve: “Não…”
No que diz respeito à participação das mulheres na Igreja, a questão da ordenação sacerdotal é provavelmente a mais controversa de todas. Em dois mil anos, a instituição sempre reservou para os homens a ordenação sacerdotal, com o argumento de que Jesus Cristo só escolheu homens para integrarem o grupo dos 12 discípulos — e que, tendo em conta que Jesus foi um revolucionário que não hesitou em romper com as lógicas socioculturais do seu tempo, também poderia ter escolhido romper com a lógica da dominação masculina, incluindo mulheres no grupo de seguidores a quem mandou que repetissem os seus gestos em sua memória. Se não o fez, defende a tradição da Igreja, então é porque a escolha de se limitar a homens teria uma substância teológica que faz com que a ordenação sacerdotal exclusivamente de homens faria parte da revelação divina e não poderia, por isso, ser alterada por decisão humana.
Esta tem também sido a posição irredutível da Igreja Católica nos últimos anos. O próprio Papa Francisco, que tem repetido múltiplos apelos a uma maior participação das mulheres nos processos de decisão na Igreja (e até já pediu que fosse estudada a possibilidade de ordenação diaconal de mulheres), reiterou em 2016 que a ordenação sacerdotal de mulheres era simplesmente impossível.
A impossibilidade de admitir a ordenação sacerdotal de mulheres é frequentemente apontada como uma inevitabilidade teológica, apesar de não haver propriamente uma unanimidade teológica em torno do assunto. Basta, a título de exemplo, recordar o posicionamento do alemão Karl Rahner, um dos maiores teólogos do século XX, que defendeu não haver razões teológicas para excluir as mulheres da ordenação sacerdotal — já que a escolha de Jesus de 12 homens não pode ser lida sem ter em conta o contexto concreto da época, em que criar comunidades lideradas por mulheres não faria sentido. Não é necessariamente na sua condição masculina, defendeu Rahner, que os sacerdotes contemporâneos representam Cristo.
Ainda assim, não há qualquer indicação de que os próximos anos ou décadas possam trazer novidades no que toca à possibilidade de admitir a ordenação sacerdotal de mulheres. Na assembleia sinodal de outubro, foi apenas mencionada a possibilidade de estudar a ordenação diaconal de mulheres — algo que é atirado para um futuro incerto.
A prioridade do Papa Francisco tem sido outra: a de assegurar que as mulheres, independentemente do sacramento da ordem, têm lugar na mesa das decisões.
Nathalie Becquart, uma das mulheres mais poderosas do Vaticano, reconhece mérito nessa linha de pensamento. “O Papa Francisco está a abrir um caminho interessante com o que está a fazer no Vaticano, que é desconectar a liderança da ordenação”, diz ao Observador. “Ele já nomeou um homem leigo como prefeito do Dicastério para a Comunicação e disse que também podia ser uma mulher.”
Para a religiosa francesa, o combate ao clericalismo é prioritário e poderá contribuir decisivamente para o objetivo central: uma “participação maior das mulheres nos processos de tomada de decisão”. Se cada vez mais cargos de decisão puderem ser ocupados por leigos, em vez de exclusivamente por sacerdotes, mais oportunidades se vão abrir para colocar mulheres em posições de liderança.
“Temos muitas mulheres a trabalhar, mas quem aparece a comunicar não são elas”
Maria Luís Cambão, médica de 28 anos que integra a equipa da pastoral juvenil da diocese de Viana do Castelo, diz não ver qualquer obstáculo à ordenação sacerdotal de mulheres. “Em termos de opinião pessoal, para mim era perfeitamente viável termos mulheres a ser ordenadas”, conta ao Observador, admitindo que não vê como um “problema” a ausência de mulheres ordenadas devido à cultura em que cresceu. “Todos nós crescemos habituados a ver a figura do padre como um homem. Mas não me chocaria que passássemos a ter mulheres a assumir esse papel, da mesma forma que não me chocaria um padre poder ter uma família. Poder casar e continuar a ser padre. Acho que se calhar é para aí que temos de caminhar.”
Hoje médica num centro de saúde perto da cidade de Viana, Maria cresceu numa família cristã, fez a catequese, a primeira comunhão e o crisma como a generalidade dos jovens da sua idade. No décimo ano de catequese, durante a preparação para o crisma, aceitou o desafio de integrar um novo grupo de jovens fundado na sua paróquia — um grupo a que ainda hoje se mantém ligada.
Durante os estudos de Medicina na Universidade do Minho, em Braga, nunca deixou a ligação à paróquia. “Já fazia parte do grupo de jovens e tínhamos encontros semanais. Vinha sempre a casa ao fim de semana; a nossa reunião do grupo era à sexta-feira à noite porque, tal como eu, a maior parte dos elementos do grupo já estavam na universidade. Era a hora a que conseguíamos estar todos”, recorda.
Mas só muito recentemente assumiu um papel mais ativo na estrutura da Igreja, concretamente quando foi convidada para fazer parte do comité organizador diocesano da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa — a equipa que coordenou a participação da diocese de Viana na JMJ. “Com o final da JMJ, a equipa da pastoral juvenil mudou e a atual coordenadora convidou-me para fazer parte da equipa”, conta a jovem ao Observador.
Na equipa, composta quase exclusivamente por leigos e coordenada por uma mulher, Maria está empenhada numa “caminhada até ao jubileu da diocese” (em 2027 a diocese de Viana do Castelo comemora 50 anos de existência), com projetos de juventude que vão replicar o modelo de preparação da JMJ.
Também durante a sua história pessoal, Maria testemunhou o grande peso das mulheres no trabalho desenvolvido na Igreja Católica. “Se eu olhar para trás, para o meu percurso, as minhas catequistas foram quase sempre mulheres em todos os anos. A ensaiadora do coro juvenil onde eu participava era uma mulher, a pessoa que mais auxilia o meu pároco é uma mulher. Para mim, a presença da mulher numa paróquia não é uma coisa estranha, porque eu cresci a ver isto”, conta.
Trata-se, porém, de um trabalho que passa muitas vezes despercebido. “Muitas vezes, nós temos muitas mulheres a trabalhar por trás e depois quem vai transmitir a mensagem, quem vai aparecer a comunicar, não são essas mulheres”, relata. “Em termos de catequese, por exemplo, eu sei que se calhar a pessoa responsável pela catequese na minha paróquia é uma mulher, que se calhar grande parte da organização da catequese vem de uma mulher. Mas depois quem vai comunicar aos país, ao resto da paróquia, como é que as coisas vão funcionar, como é que não vão, não é ela que vai falar: é o padre.”
A excessiva centralidade da Igreja no papel do padre acaba também por ter um efeito de sobrecarga do próprio padre — atribuindo-lhe funções que nem sequer estão especialmente relacionadas com a sua formação e as suas capacidades. “O padre acaba por assumir o cargo do centro de dia, do grupo de escuteiros… É o representante de tudo. Se calhar não faz assim tanto sentido, mesmo por uma questão de divisão de tarefas. Não tem de assumir ele a responsabilidade de tudo. Temos de começar mais a trabalhar como equipa do que ter propriamente uma pessoa que tem de ser responsável por tudo”, defende Maria Luís.
Para a jovem, é preciso chegar-se a um ponto em que uma mulher poderá “ocupar o lugar que o padre ocuparia” nos processos de decisão. “Temos de ver o papel do padre como sendo um elemento de uma equipa em que todos trabalhamos de igual forma. Se calhar, a posição dele numa celebração é para nos ajudar e orientar no momento da oração. E não tanto para ser o líder ou o chefe de uma comunidade”, destaca.
“Queremos caminhar para lá, mas ainda não estamos lá”, acrescenta Maria. “Isto parte também de nós, de um caminho que tem de ser feito dentro da Igreja. Nós, mais jovens, se calhar temos muito esta mentalidade. Já pensamos de forma diferente, mas acredito que padres mais velhos que toda a vida deles viveram com aquelas ideias pré-concebidas, que seja muito mais difícil para eles agora encarar ou ver a construção de uma Igreja diferente.”