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O Papa Francisco presidiu este domingo a uma missa conclusiva do sínodo dos bispos

Corbis via Getty Images

O Papa Francisco presidiu este domingo a uma missa conclusiva do sínodo dos bispos

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Sínodo dos bispos católicos. Procura de "consenso" resultou em documento vago que "reafirma o status quo"

Reunião magna da cúpula da Igreja Católica terminou com documento caracterizado como pouco ambicioso, que volta agora para os católicos de todo o mundo. Sínodo só acaba em outubro de 2024.

Palavras vagas, poucas propostas e nenhum compromisso nos temas mais quentes. Tudo em nome do “consenso”. Já se sabia que o relatório de síntese que resultou da reunião magna dos bispos católicos que decorreu no Vaticano nas últimas três semanas não traria novidades concretas relativamente à maioria dos assuntos discutidos na assembleia (que tem a sua segunda parte em outubro do próximo ano), mas o documento conhecido este fim de semana terá desiludido grande parte dos que ainda tinham esperança de ver neste documento um primeiro passo para alterações significativas no modo como a Igreja Católica olha para o papel das mulheres, as lógicas de poder e autoridade dentro da instituição, o lugar dos leigos e as pessoas LGBT.

“O relatório final da primeira assembleia geral do sínodo desilude ao limitar-se a reafirmar o status quo da hierarquia”, lê-se num comunicado divulgado pela organização americana New Ways Ministry, que se dedica ao trabalho pastoral com a comunidade LGBT e cuja fundadora, a freira Jeannine Gramick, foi recebida pelo Papa Francisco no Vaticano durante o decurso dos trabalhos do sínodo. “Sem qualquer declaração positiva sobre os assuntos LGBTQ+ no documento, e com apenas duas referências que se limitam a afirmar o que já era conhecido antes do início do sínodo, os católicos de todo o mundo vão ficar muito desapontados.”

No comunicado, a organização lamenta também que o relatório do sínodo se limite a sublinhar que há “novas questões” a surgir em torno deste tema, já que “os responsáveis da Igreja tiveram décadas para aprender sobre os desenvolvimentos científicos e teológicos sobre o género e a sexualidade”.

“O único reconhecimento que a Igreja precisa de desenvolver é uma frase simples que admita que as atuais categorias antropológicas católicas não dão resposta suficiente às novas informações que vão sendo descobertas a partir da experiência e do conhecimento científico”, diz ainda a New Ways Ministry. “Ainda assim, a indefinição com que este reconhecimento é descrito não dá confiança suficiente de que uma mudança esteja no horizonte.”

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Esta edição do sínodo ficou marcada pelas mesas redondas onde os participantes, incluindo mais de 50 mulheres com direito de voto, se sentaram

AFP via Getty Images

A assembleia sinodal que terminou este domingo em Roma tem a sua origem em 2020, quando o Vaticano anunciou que o Papa Francisco pretendia convocar para outubro de 2022 a 16.ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, um órgão colegial que representa os bispos de todo o mundo e que se reúne periodicamente para aconselhar e ajudar o Papa no governo da Igreja. Ao longo dos meses seguintes, rapidamente se percebeu que este seria um sínodo diferente dos anteriores: o tema escolhido foi a própria “sinodalidade”, conceito que se pode traduzir como “caminhar em conjunto” e que é uma das características centrais da própria Igreja.

Duas inovações viriam, depois, a mudar radicalmente a própria lógica do sínodo. Por um lado, o Papa decidiu substituir a ideia de sínodo como uma mera reunião de bispos em Roma por um processo de consulta que envolve todos os fiéis. Por isso, as datas do sínodo foram alteradas. Em vez de uma sessão em outubro de 2022, o Papa convocou um processo de auscultação dos católicos de todo o mundo, que decorreu entre 2021 e 2023 em todas as paróquias, dioceses e movimentos — cujas conclusões serviram para preparar os debates a ocorrer não numa, mas em duas assembleias gerais em Roma, uma em outubro de 2023 e outra em outubro de 2024. Em segundo lugar, Francisco determinou que não seriam apenas os bispos a ter direito a votar na assembleia: pela primeira vez, dezenas de leigos e mulheres puderam participar na assembleia e votar de igual para igual com os bispos.

“O acontecimento eclesial mais importante desde o Concílio Vaticano II.” Oito perguntas e respostas sobre um sínodo inédito

Basta olhar para o relatório produzido pela Conferência Episcopal Portuguesa na sequência das consultas aos católicos em Portugal para compreender que, dado o modelo escolhido, os temas colocados em cima da mesa seriam os mais quentes: a discriminação sistemática das mulheres na Igreja, a exclusão da comunidade LGBTQ+, a pouca capacidade de compreender os tempos modernos, a falta de transparência na tomada de decisões, o excessivo foco no poder e autoridade dos membros do clero, a discriminação de amplos segmentos da sociedade com base em questões morais (como os divorciados, por exemplo), a falta de atenção à pobreza e aos mais vulneráveis e, sem surpresa, a crise dos abusos sexuais de menores.

A abertura demonstrada pelo Papa Francisco para que as vozes de todos os fiéis fossem tidas em conta na reunião magna da Igreja Católica — mesmo que essas vozes trouxessem os temas mais quentes, complexos e até embaraçosos para a Igreja — levantou as expectativas em relação ao sínodo, que tem vindo até a ser classificado como “o acontecimento eclesial mais importante desde o Concílio Vaticano II”. O sínodo tem sido objeto de grande atenção mediática e levado a grande especulação em torno de possíveis transformações da Igreja no que toca a um maior acesso das mulheres à autoridade eclesiástica e à possibilidade de bênção de casais do mesmo sexo. Ainda que, em sentido oposto, vários responsáveis eclesiásticos tenham defendido que a grande mudança implementada pelo sínodo será essencialmente uma transformação nos métodos: a partir deste sínodo, todos os católicos, e não apenas os clérigos, devem ser chamados a participar nos processos de tomada de decisão.

Documento sem referências a pessoas LGBTQ+

Ao longo das semanas do sínodo, os participantes foram dando pistas sobre o andamento dos trabalhos, que decorreram à porta fechada, avisando que era necessário moderar as expectativas: desta assembleia sinodal não deveriam esperar-se decisões concretas, mas apenas uma síntese das discussões tidas durante as últimas três semanas, que deve agora regressar às dioceses de todo o mundo para ser novamente objeto de debate entre os católicos. Só em outubro de 2024 haverá uma conclusão formal deste processo sinodal.

Não obstante estes avisos, o documento que resultou desta assembleia foi ainda mais vago do que se esperava, não incluindo qualquer referência à possibilidade de a Igreja vir a abençoar uniões entre pessoas do mesmo sexo e mantendo o posicionamento já conhecido da instituição sobre o papel das mulheres na Igreja. Em vários destes temas, que surgiram em força na discussão entre os quase 400 participantes da assembleia sinodal, o Papa Francisco já teve, no passado, posicionamentos mais fortes: em 2020, Francisco já tinha sido claro na defesa de uniões civis para casais do mesmo sexo; mais recentemente, em resposta a um conjunto de dubia enviadas por cardeais conservadores, deixou a porta aberta à possibilidade de a Igreja encontrar uma forma de abençoar liturgicamente estes casais.

"Por vezes, as categorias antropológicas que elaborámos não são suficientes para captar a complexidade dos elementos que surgem da experiência ou do conhecimento científico e exigem um refinamento e um estudo mais aprofundado."
Relatório de síntese do sínodo

Contudo, agora que o texto de síntese foi publicado, pouco ou nada é dito sobre o assunto. “É provável que o relatório desiluda os progressistas na Igreja, que têm feito campanha em favor de assuntos como a participação das mulheres, o lugar da comunidade LGBTQ na Igreja e o celibato dos padres”, avaliava este domingo o jornal inglês The Telegraph.

Como sublinhou o jornal Crux, os termos “LGBTQ+”, “homossexualidade” e “mesmo sexo” nem sequer surgem no documento. Existe apenas uma referência indireta à questão num parágrafo incluído no segmento “discernimento eclesial e questões em aberto”, em que as questões “relativas à identidade de género e à orientação sexual” são colocadas numa lista de situações “controversas” que inclui também o “fim da vida”, as “situações conjugais difíceis” e até os “problemas éticos ligados à inteligência artificial”, que levantam “questões novas” à Igreja.

37 páginas sem propostas concretas

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Pode ler aqui na íntegra as 37 páginas que compõem o documento de síntese da primeira sessão da XVI assembleia geral do Sínodo dos Bispos, dedicada ao tema da sinodalidade. Esta segunda-feira, o documento ainda só estava disponível em italiano.

“Por vezes, as categorias antropológicas que elaborámos não são suficientes para captar a complexidade dos elementos que surgem da experiência ou do conhecimento científico e exigem um refinamento e um estudo mais aprofundado”, diz o documento. “É importante reservar o tempo necessário para esta reflexão e investir nela as nossas melhores energias, sem ceder a juízos simplistas que prejudicam as pessoas e o Corpo da Igreja. Muitas indicações são já oferecidas pelo magistério e devem ser traduzidas em iniciativas pastorais adequadas.”

Noutro segmento, o documento de síntese reflete sobre a necessidade de a Igreja aprender a escutar e acompanhar os mais frágeis. “Colocar Jesus Cristo no centro das nossas vidas exige uma certa abnegação. Nesta perspetiva, escutar exige a disponibilidade de nos descentrarmos para abrirmos espaço para o outro”, lê-se no texto, que destaca a dimensão “cristológica” da escuta, já que obriga os cristãos a adotarem a atitude de Jesus Cristo perante as pessoas que encontrava no seu caminho. O documento elenca, depois, “muitas pessoas e grupos que pedem para ser ouvidos e acompanhados”: os jovens, as vítimas dos abusos “sexuais, espirituais, económicos, institucionais, de poder e de consciência por parte de membros do clero ou de pessoas com cargos eclesiais”, as pessoas “que vivem uma condição de solidão como opção de fidelidade à tradição e ao magistério da Igreja em matéria de matrimónio e de ética sexual”, aquelas “que se sentem marginalizadas ou excluídas da Igreja, devido à sua situação conjugal, identidade e sexualidade”, mas também aquelas que sofrem com a pobreza, a solidão e o abandono, em especial os idosos.

“Na assembleia, percebeu-se um profundo sentimento de amor, misericórdia e compaixão pelas pessoas que são ou que se sentem feridas ou negligenciadas pela Igreja, que desejam um lugar ao qual regressar ‘a casa’, onde se sintam seguras, ouvidas e respeitadas, sem medo de se sentirem julgadas”, diz ainda o documento de síntese. “A escuta é um pré-requisito para caminharmos juntos em busca da vontade de Deus.”

Apesar de não haver uma referência explícita no documento final, era neste grupo de pessoas que se sentem “excluídas da Igreja por causa da sua afetividade e sexualidade” que o documento de trabalho inicial do sínodo colocava, explicitamente, as “pessoas LGBTQ+”.

Agora, e apesar de não incluir uma referência explícita à comunidade LGBTQ+, o documento de síntese reconhece que a escuta de todas estas pessoas “exige um acolhimento incondicional”, para logo depois sublinhar: “Isto não significa abdicar da clareza no apresentar da mensagem de salvação do evangelho, nem legitimar qualquer opinião ou posição. O Senhor Jesus abriu novos horizontes a todos os que escutaram incondicionalmente e nós somos chamados a fazer o mesmo, a partilhar a boa nova com aqueles que encontramos.”

Vaticano. Sínodo dos bispos entra na reta final, mas decisões sobre ordenação de mulheres ou bênção de casais LGBT não serão para já

No campo das propostas, não é possível encontrar nada de concreto. A escuta destas pessoas deve “encontrar lugar na programação pastoral ordinária e na estrutura operacional das comunidades cristãs nos diversos níveis”, lê-se no documento, que recorda também que a Igreja “já conta com numerosas instituições e estruturas que realizam esta preciosa tarefa”.

Não há, também, qualquer proposta concreta relacionada com a possibilidade de serem implementadas mudanças que levem a Igreja, por exemplo, a admitir a legitimidade de relações homossexuais ou sequer a abençoá-las com um rito litúrgico próprio — um dos principais de vários ativistas. Há apenas um apelo ao “discernimento partilhado sobre questões doutrinais, pastorais e éticas controversas, à luz da Palavra de Deus, do ensinamento da Igreja, da reflexão teológica e da valorização da experiência sinodal”. Isto deve ser feito, diz o documento, “através de discussões aprofundadas entre especialistas de diferentes competências e formações (…), dando espaço, quando apropriado, também à voz das pessoas diretamente afetadas pelas controvérsias mencionadas”.

Mais responsabilidades para mulheres (e algumas propostas)

O tema mais quente deste sínodo terá sido, ainda assim, o da presença das mulheres na Igreja Católica. Dos 365 membros com direito de voto, 54 eram mulheres — algo absolutamente inédito na história da Igreja, que pela primeira vez atribuiu direito de voto a leigos num Sínodo dos Bispos. A presença das mulheres nas discussões e votações do sínodo terá aberto um precedente que dificilmente se poderá fechar, embora alguns analistas tenham notado que as mulheres estavam ali, essencialmente, na quota de elementos nomeados diretamente pelo Papa, e não devido a uma alteração substancial no modo de a Igreja se organizar no seu escalão mais elevado.

Há muito que, na Igreja, vem ganhando expressão a reivindicação, por parte de vários grupos, da possibilidade de também as mulheres receberam a ordenação sacerdotal — com o argumento de que só desse modo é possível atingir a verdadeira igualdade de direitos na Igreja. O Papa Francisco tem afastado essa discussão, preferindo centrar-se no combate ao clericalismo, isto é, à ideia ainda presente na Igreja de que o poder e a autoridade cabem exclusivamente ao clero. Para Francisco, mais do que transformar as mulheres em padres, a prioridade é garantir que os lugares de poder não estão reservados aos padres.

No documento de trabalho do sínodo, que resultou dos contributos recolhidos no processo de auscultação dos católicos de todo o mundo, eram deixadas várias pistas para uma reflexão que permitisse “um maior reconhecimento e promoção da dignidade batismal das mulheres”, eventualmente através da criação de “novos ministérios” e do reconhecimento de todos os carismas. Uma das possibilidades mais discutidas tem sido a possibilidade de abertura do diaconado — o primeiro grau do sacramento da ordem — às mulheres. Já por duas vezes o Papa Francisco nomeou comissões para estudarem a realidade do diaconado feminino na história da Igreja.

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O Papa Francisco presidiu à assembleia sinodal no Vaticano

Mondadori Portfolio via Getty Im

Agora, o documento de síntese acaba por manter praticamente tudo o que a Igreja já tinha dito anteriormente sobre o assunto. Lê-se que “é urgente garantir que as mulheres podem participar nos processos de tomada de decisão e assumir papéis de responsabilidade no cuidado pastoral e de ministério” — e que, tal como o Papa Francisco já nomeou várias mulheres para cargos de responsabilidade no Vaticano, é necessário que o mesmo aconteça “noutros níveis da vida da Igreja”.

É também dito que o direito canónico “deve ser adaptado” nesse sentido, embora não seja apresentada qualquer proposta concreta.

Papa Francisco nomeou seis mulheres para o Vaticano. Mas a Igreja continua longe da igualdade de género

“As Igrejas de todo o mundo formularam claramente o pedido de um maior reconhecimento e valorização do contributo das mulheres e de um aumento das responsabilidades pastorais que lhes são confiadas em todas as áreas da vida e da missão da Igreja”, sustenta o documento, que também pede que, na Igreja, deixe de se falar das mulheres “como de uma questão ou um problema”.

Já no que respeita à possibilidade de as mulheres acederem ao diaconado, o documento reconhece que foram expressas “diferentes posições” sobre o assunto. “Alguns acreditam que esta questão é inaceitável, pois está em descontinuidade com a Tradição. Por outro lado, contudo, conceder às mulheres o acesso ao diaconado restauraria uma prática da Igreja primitiva”, lê-se no texto, que procura sintetizar as várias opiniões distintas (incluindo a dos que acham que abrir o diaconado às mulheres seria “expressão de uma perigosa confusão antropológica, aceitando que a Igreja se alinharia com o espírito do tempo”) sem apontar nenhuma direção a não ser propor a continuação do estudo sobre o assunto.

É no capítulo das mulheres que o documento do sínodo apresenta mais propostas concretas, embora não sejam necessariamente novidade no discurso da Igreja — e não haja quaisquer planos concretos para implementar estas ideias.

Além de apelar à continuação da “investigação teológica” sobre o diaconado feminino e à apresentação de resultados já em outubro de 2024, os elementos do sínodo apelam à resolução de casos de “discriminação no emprego e de remuneração injusta dentro da Igreja”, bastante frequentes entre mulheres consagradas, “muitas vezes consideradas mão-de-obra barata”. O texto pede também um maior “acesso das mulheres a programas de formação e estudos teológicos”, bem como a inclusão de mulheres como formadoras nos programas formativos dos padres.

Além disso, também os textos litúrgicos e os documentos da Igreja devem ter mais atenção “ao uso de uma linguagem que considere igualmente homens e mulheres”, incluindo “um conjunto de palavras, imagens e histórias que abordem com maior vitalidade a experiência feminina”. Por fim, o sínodo propõe ainda que as mulheres com formação adequada “possam ser juízas em todos os julgamentos canónicos”.

Critério de redação do documento final foi o “consenso”

O texto final, composto por vinte breves capítulos organizados em três grandes segmentos, acabou por ser aprovado por apenas 346 dos 365 membros do sínodo com direito a voto, numa maratona de votações que durou das 15h30 às 20h30 de sábado. Por exemplo, o bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, que foi um dos padres sinodais, não participou nas votações, já que viajou para Portugal no sábado para estar presente na entrada solene de Américo Aguiar como bispo de Setúbal.

No final do texto, há um capítulo final com o título “Para prosseguir o caminho”, no qual os membros do sínodo pedem aos católicos que participem no debate até à segunda sessão, agendada para outubro de 2024. Essa discussão deverá centrar-se neste documento de 37 páginas, que também se debruça sobre tópicos como a autoridade na Igreja, o celibato dos padres, a atenção aos pobres e aos migrantes, o drama das alterações climáticas, entre vários outros assuntos, sobre os quais também não são apresentadas propostas substanciais, mas apenas pistas de reflexão.

"O discernimento eclesial, que se baseia na escuta mútua para compreender para onde o Espírito conduz a Igreja, baseia-se no critério do CONSENSO. Na sociedade civil, genericamente, funcionam duas dinâmicas: ou a decisão de um ou de uns poucos; ou a da maioria. A assembleia também votou, mas em busca do consenso mais amplo e convicto."
Cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo dos Bispos

“O clericalismo, o chauvinismo e o uso inadequado da autoridade continuam a desfigurar o rosto da Igreja e a prejudicar a comunhão”, lê-se no relatório. “É necessária uma profunda conversão espiritual como base para qualquer mudança estrutural.”

O sínodo ficou também marcado pela imagem das mesas redondas: ao contrário de outras sessões, realizadas num auditório convencional, esta assembleia ocorreu num enorme salão com os participantes dispostos em mesas redondas, em pequenos grupos que misturavam cardeais, bispos, padres, freiras e leigos, organizados por grupos linguísticos. Essa transformação da própria organização espacial do sínodo foi uma das traduções do próprio modelo sinodal, em que todos tiveram voz de igual para igual.

O cardeal luxemburguês Jean-Claude Hollerich, que foi o relator-geral do sínodo, admitiu numa conferência de imprensa este fim de semana que, no início do processo, “alguns bispos não estavam contentes”, mas que isso mudou com o andamento dos trabalhos.

Nessa mesma conferência de imprensa, o cardeal maltês Mario Grech, secretário-geral do Sínodo dos Bispos, explicou que o que consta do relatório de síntese são “os temas que surgiram na assembleia sobre os quais houve um verdadeiro consenso”. Na versão escrita da sua intervenção no encontro com os jornalistas, disponibilizada no site do Vaticano, são usadas letras maiúsculas para a palavra “consenso” na seguinte declaração: “O discernimento eclesial, que se baseia na escuta mútua para compreender para onde o Espírito conduz a Igreja, baseia-se no critério do CONSENSO. Na sociedade civil, genericamente, funcionam duas dinâmicas: ou a decisão de um ou de uns poucos; ou a da maioria. A assembleia também votou, mas em busca do consenso mais amplo e convicto.”

A intervenção de Grech aponta no sentido de o texto final, vago e sem propostas concretas, ter sido o mínimo denominador comum encontrado entre uma assembleia dividida. “Vale a pena explicar este princípio [do consenso], para que não seja compreendido com uma chave sociológica e confundido com os sistemas que regulam a opinião pública”, explicou o cardeal. “Na história da Igreja, especialmente na Igreja antiga, as decisões eram geralmente tomadas por consenso. A palavra latina conspiratio, usada pelos Padres da Igreja, capta bem esta dinâmica: a convergência de todos numa posição, em virtude da ação do Espírito que move os corações à adesão, é o critério e a medida da infalibilidade in credendo [na fé] do santo povo de Deus.”

Ou seja: a totalidade dos fiéis nunca se engana na fé, mesmo quando não encontra as palavras para o explicar. Esta “extraordinária conspiratio dos pastores e dos fiéis”, explicou Grech, está na base dos dogmas definidos pelos papas. “Numa Igreja sinodal, fundada na escuta mútua, este princípio pode ser aplicado aos processos de tomada de decisão.”

Se há temas em que os cristãos expressam um “profundo acordo”, há outros em que “há divergências, dissidências, a ponto de poderem gerar tensões e até produzir divisões e cismas”, reconheceu Grech. “Isto significa que a questão precisa de mais tempo, escuta e estudo, mais aprofundamento a nível da teoria e da prática, uma análise profunda. Numa palavra: discernimento. Decisões precipitadas, declarações tendenciosas, conclusões não partilhadas são o oposto da sinodalidade, porque acabam por abrandar o ‘caminhar juntos’ do Povo de Deus.”

 
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