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A facada atingiu Bolsonaro, mas só matou Alckmin

Geraldo Alckmin é anestesista e acusam-no de dar sono como político. Quis combater Lula, mas acabou a fazer frente à direita. Sem carisma, tornou-se a maior vítima do efeito-mártir de Bolsonaro.

Geraldo Alckmin nunca fez política para entusiasmar. Aos 65 anos, e depois de uma longa carreira política, o ex-governador de São Paulo já partiu, certamente, para a corrida das eleições presidenciais com a certeza de que não seria ele a arrastar multidões, a inflamar ódios ou a causar paixões. Afinal de contas, sabe que lhe assenta como uma luva a alcunha colocada em 2002 pelo colunista José Simão na Folha de S. Paulo: “Picolé de chuchu”. Ou seja, o gelado mais sensaborão que alguém pode imaginar.

“Não sou um showman. Me apelidaram de picolé de chuchu”, disse Alckmin em fevereiro deste ano, altura em que já tinha anunciado a sua pré-candidatura às eleições de outubro pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), partido centrista do qual é co-fundador. “Quem quiser ver show, vá ver o génio do Tom Cavalcante. Precisamos resolver problemas. O Brasil precisa de construtores, não gladiadores.”

“O discurso de Alckmin, que é muito racional, não condiz com esse momento que a gente tem agora de total emoção."
Luciana Veiga, politóloga da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Embora esta frase talvez pudesse funcionar noutras eras da política brasileira, na do pós-Lava Jato, onde a polarização e a agressividade predominam, Alckmin não tem tido nenhum sucesso com ela. “O discurso de Alckmin, que é muito racional, não condiz com esse momento que a gente tem agora de total emoção”, diz ao Observador a politóloga Luciana Veiga.

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[Que país é este que vai a votos? Veja no vídeo o retrato do Brasil em 3 minutos]

As sondagens demonstram algo inédito desde as eleições de 1994: o PSDB está, muito provavelmente, fora do jogo, acabando desta forma com a dinâmica que o punha na frente contra o Partido dos Trabalhadores (PT). Agora, quem parece apanhar o lugar do PSDB é o Partido Social Liberal (PSL) de Jair Bolsonaro, candidato extremista que ultrapassou Alckmin pela direita. Com apenas 9% dos votos atribuídos pela Datafolha, numa sondagem publicada a 2 de outubro, Alckmin fica atrás de Bolsonaro (32%), Fernando Haddad (21%) e de Ciro Gomes (11%).

Em 2006, Alckmin chegou ao segundo lugar com 41,6% logo na primeira volta. Agora, as sondagens dão-lhe 9% e o quarto lugar (NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images)

NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images

O problema não é só o que Alckmin diz — é também a forma como o diz. Alckmin, que talvez não por acaso é médico anestesista de profissão, fala de forma lenta, pausada, superando cada sílaba à mesma velocidade que um montanhista iniciante escala o Evereste. Talvez também não por acaso, quando escreveu o seu perfil, a revista literária piauí escolheu o título “O Paulista Ge-ral-do”.

A parte do paulista também não é um detalhe. Foi em São Paulo, tanto na cidade como no estado, que Alckmin fez a sua longa carreira política. Nascido no interior, em Pindamonhangaba, foi ali que começou na política, primeiro como vereador e depois como prefeito. E dali foi subindo: foi deputado estadual (1983-1987), subiu a deputado federal (1987-1995), chegou a vice-governador do estado de São Paulo em 1995 e em 2001, por doença e mais tarde morte do número um, Mário Covas, subiu ao cargo de governador.

Ficou no Palácio dos Bandeirantes, a sede do governo regional de São Paulo, até 2006, ano em que quis mudar de morada para o Palácio do Planalto, sede do Governo brasileiro. Mas a tarefa de desalojar Luiz Inácio Lula da Silva, então no fim do seu primeiro mandato, era praticamente impossível. Anos depois, o militante do PSDB e atual Ministro dos Negócios Estrangeiros resumiu essa empreitada da seguinte maneira: “Naquela eleição, nem Jesus Cristo com Roberto Carlos de vice ganharia do Lula”.

Em 2006 Alckmin concorreu contra Lula, que acabou por ser reeleito. “Naquela eleição, nem Cristo com Roberto Carlos de vice ganharia do Lula”, disse um membro do PSDB (ANTONIO SCORZA/AFP/Getty Images)

ANTONIO SCORZA/AFP/Getty Images

À altura, já com o rótulo de “picolé de chuchu”, Alckmin soube rir de si próprio e disse: “Meu mote vai ser: ‘O Brasil vai crescer p’ra chuchu’, ‘Nós vamos ter emprego p’ra chuchu’, ‘Vai ser um governo que é um chuchuzinho’”. No final de contas, Alckmin não conseguiu ir para lá das piadas e acabou por perder na segunda volta, com um resultado ainda mais baixo do que na primeira: de 41,6% passou para 39,2%.

A derrota levou-o a afastar-se temporariamente dos palcos políticos. Depois de tanto ser criticado à boca pequena no próprio partido, por ser um homem pouco cosmopolita e sem conhecimento de línguas estrangeiras — entre os co-fundadores do PSDB, é a José Serra e Fernando Henrique Cardoso, que correram o mundo durante o exílio da ditadura militar, que mais se atribuem essas críticas —, Alckmin partiu para a Universidade de Harvard e ali, entre outras coisas, aprendeu inglês.

Mas foram só cinco meses. Em 2008, voltou a São Paulo, desta vez para disputar as eleições municipais. Perdeu, sem sequer chegar à segunda volta, provando que a sua força ali era no resto do estado (ou seja, no interior) e não na grande cidade. Em 2010, tirou essa ideia a limpo concorrendo de novo ao cargo de governador do estado de São Paulo. Ganhou logo à primeira volta, com 50,6%.

Menos homicídios, uma seca quase fatal e um sequestro salvo por Alckmin

Como governador do estado de São Paulo, cargo ao qual abdicou em abril para concorrer às eleições presidenciais, Geraldo Alckmin teve um grande sucesso, um quase fracasso e uma história inacreditável.

O grande sucesso foi a redução drástica da taxa de homicídios naquele estado. Segundo o Atlas da Violência de 2018, um estudo oficial brasileiro que compila dados sobre crime em todo o país, o número de homicídios no estado de São Paulo caiu 46,7%, entre 2006 e 2016, o ano mais recente com dados completos. Este decréscimo fez de São Paulo o estado com a menor taxa de homicídio do país, fixada nos 9,5 homicídios por cada 100 mil habitantes, em fevereiro de 2018.

O grande fracasso que quase aconteceu foi a crise hídrica, que se arrastou de 2014 até 2016. Perante a ausência prolongada de chuvas, o Sistema Cantareira, que junta as seis barragens que servem São Paulo, esteve à beira do colapso. Receoso de que a adoção de um limite de consumo de água por parte dos cidadãos de todo o estado lhe retirasse votos nas eleições estaduais de 2014, Alckmin não tomou nenhuma medida para menorizar o problema.

“Saiam de são Paulo porque aqui não tem água”, disse o diretor metropolitano da Sabesp. “Aqui não tem água, não vai ter água p’ra banho, p’ra limpeza da casa, quem puder compra garrafa, água mineral. Quem não puder, vai tomar banho na casa da mãe lá em Santos, Ubatuba, Águas de São Pedro, sei lá. Aqui não vai ter.”
Paulo Massato, diretor metropolitano da Sabesp, durante a crise hídrica de São Paulo em 2014

Porém, a situação era grave. Três semanas depois das eleições, foi divulgado o áudio de uma reunião da Sabesp, a empresa pública do estado de São Paulo para a gestão das águas, onde o clima era de pânico. “Saiam de São Paulo porque aqui não tem água”, disse o diretor metropolitano da Sabesp. “Aqui não tem água, não vai ter água p’ra banho, p’ra limpeza da casa, quem puder compra garrafa, água mineral. Quem não puder, vai tomar banho na casa da mãe lá em Santos, Ubatuba, Águas de São Pedro, sei lá. Aqui não vai ter.” Mas acabou por haver. Depois de as barragens terem chegado a ter apenas 5% da sua capacidade preenchida, as chuvas vieram e Alckmin pôde respirar de alívio.

Por fim, a história inacreditável. Ao contrário das outras duas, que aconteceram na segunda e atual passagem de Alckmin pelo governo estadual de São Paulo, esta aconteceu na sua primeira passagem pelo Palácio dos Bandeirantes, em 2001. Sílvio Santos, a mega-celebridade, apresentador e dono da cadeia televisiva SBT, foi sequestrado em casa juntamente com a sua família. Quando as autoridades entraram em contacto com o sequestrador, Fernando Dutra Pinto, este fez uma exigência para libertar Sílvio e a sua família: o governador Alckmin teria de ir lá, para garantir a integridade física do atacante.

Em 2001, o apresentador e dono da SBT, foi sequestrado em casa. Alckmin foi chamado ao local para resolver a situação e ninguém acabou ferido (MAURICIO LIMA/AFP/Getty Images)

MAURICIO LIMA/AFP/Getty Images

Alckmin foi. Quando lá chegou, contou mais tarde, disse de frente para o sequestrador e perante toda a família do dono da SBT: “Estou aqui. Estou presente”. Foi quanto bastou para o sequestro chegar a um fim. 15 minutos depois de Alckmin ter entrado pela porta de casa, Fernando Dutra Pinto saiu porta fora e entregou-se às autoridades.

Sanado o incidente, Alckmin conseguiu aquilo que só os mais perspicazes e capacitados políticos do centro conseguem nos seus melhores dias: agradou aos dois lados. Afinal, além do esperado agradecimento por parte do sequestrado, também o sequestrador elogiou Alckmin — tanto que lhe pediu para testemunhar em seu favor em tribunal.

A facada atingiu Bolsonaro, mas quem morreu foi Alckmin

Geraldo Alckmin não partiu para estas eleições com a vida facilitada. Além do PT, o PSDB foi o partido que mais desgaste sofreu com a operação Lava Jato. Com mais de 30 mil milhões de reais (6,3 mil milhões de euros, no câmbio atual) a irem das mãos de empresas públicas e privadas para os bolsos de vários políticos, também o PSDB viu a sua sigla ser manchada pelo pior escândalo de corrupção da história do Brasil.

A mancha alastra-se até à coligação montada pelo PSDB de Alckmin com outros oito partidos. No total daquelas forças políticas, há 41 políticos investigados pela Lava Jato.

O ex-governador de São Paulo nunca chegou a ser arguido, mas o seu nome não está ainda assim livre de suspeitas no processo. Em 2017, um delator que cooperou com a justiça explicou que, numa folha de pagamentos a políticos da construtora Odebrecht, o indivíduo que surgia designado como “Santo” era, na verdade, Alckmin.

No início de setembro, o Ministério Público pediu a suspensão dos direitos políticos de Alckmin, acusando-o de receber 7,8 milhões de reais da Odebrecht em 2014 (MAURO PIMENTEL/AFP/Getty Images)

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A acusação era a de que o antigo governador teria recebido 7,8 milhões de reais (aproximadamente 2,5 milhões de euros à altura) para financiar a sua campanha eleitoral de 2014. Alckmin e a sua equipa sempre negaram essa acusação, sustentando que esse nome de código era de outra pessoa. A explicação, no entanto, não chegou para convencer o Ministério Público que, a 5 de setembro deste ano, pediu a suspensão dos direitos políticos de Alckmin por improbidade administrativa.

Se 5 de setembro foi um dia mau para a campanha de Alckmin, pior ainda foi o dia seguinte. A 6 de setembro, o candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, foi esfaqueado. Até aí, era com o militar na reserva que Alckmin combatia pelos votos do eleitorado de centro e da direita — mas, a partir daí, tudo ficou mais difícil.

(RAYSA LEITE/AFP/Getty Images)

RAYSA LEITE/AFP/Getty Images

Durante a campanha, Alckmin procurou passar a imagem de político experiente, dotado de racionalidade e capaz de chegar a entendimentos, ao mesmo tempo que tentou associar Bolsonaro à imagem de um homem impulsivo e agressivo. Recorrendo a uma comparação frequente, associava Bolsonaro a Donald Trump. Mas, com isso, pode ter-se tornado ele próprio em Jeb Bush, o ex-governador da Flórida que, apanhado de surpresa no meio do seu sono, foi ultrapassado pela direita pelo agora Presidente dos EUA.

O resultado da facada, somado à desistência de Lula e a passagem de Fernando Haddad a número um do PT, dois dias depois, foi claro: Alckmin ficou em quarto lugar, Haddad disparou até perto dos 20% e Bolsonaro ficou isolado em primeiro, quase nos 30%. A partir daqui, a primeira volta das eleições parece ser só uma mera formalidade e já todos olham para a segunda.

“Do ponto de vista da saúde, quem sofreu mais com a facada foi Bolsonaro, claro. Mas quem morreu verdadeiramente com ela foi o Alckmin, porque as suas chances de ir para o segundo turno desaparecem por completo”, ajuíza Guilherme Simões Reis, politólogo e professor na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

A única esperança que Alckmin pode ter é na televisão. Por ter o maior número de partidos a apoiá-lo (um total de nove) nestas eleições, o ex-governador de São Paulo teve direito a dois blocos diários de tempo de antena, cada um com 5 minutos e 32 segundos cada, aos quais acrescem 434 anúncios de curta duração ao longo da campanha. Em franca desvantagem, neste capítulo, estará o seu principal adversário nesta primeira volta. Jair Bolsonaro, que só tem o PSL a apoiá-lo, teve direito a apenas dois blocos diários, com 8 segundos cada, e a 11 anúncios curtos ao longo da campanha eleitoral.

“Do ponto de vista da saúde, quem sofreu mais com a facada foi Bolsonaro, claro. Mas quem morreu verdadeiramente com ela foi o Alckmin, porque as suas chances de ir para o segundo turno desaparecem por completo."
Guilherme Simões Reis politólogo e professor na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Ciente de que este é o seu único trunfo, Alckmin apostou forte nele. Entre os vários anúncios que levou à televisão, a equipa do ex-governador de São Paulo pôs no ar um vídeo de um minuto com uma mensagem muito clara para aqueles que pensam votar em Bolsonaro.

Nele, uma bala surge do lado esquerdo do ecrã, atingindo invariavelmente objetos com palavras escritas em cima deles: um copo de leite a dizer “desemprego”, um jarro de água com “falta de saneamento” escrito por cima; um conjunto de livros cujas lombadas soletram a palavra “analfabetismo”; um saco de sangue onde se lê “filas na saúde”; e um melão com a palavra “fome” escrita em letras garrafais. A cena repete-se para cada um desses objetos: a bala surge da esquerda, rebenta tudo pelo caminho e segue o seu trajeto para a direita. Até que, por fim, vemos uma criança. A bala aproxima-se da sua cabeça, enquanto esta pisca os olhos. Aí, mesmo antes de a menina ser atingida, o projétil desaparece e lê-se no rasto que deixou: “Não é na bala que se resolve”.

O anúncio deu que falar, mas sem que tivesse surtido os efeitos desejados por Alckmin. Isto porque, no Brasil como na maior parte do resto do mundo, a televisão está a perder audiência para as plataformas digitais. Ali, nas ondas da Internet e por oposição às das televisões, é que cada vez mais eleitores consomem materiais de campanha.

Ciente dessa mudança, a campanha de Alckmin colocou aquele vídeo também no YouTube. Mas se qualquer um pode barafustar o que quiser com a televisão, a partir do sofá, sem que por isso seja ouvido, na Internet o caso muda de figura. E logo com quem: no topo dos comentários, aparece o utilizador “Jair Bolsonaro é 17”, a página oficial de campanha do candidato do PSL, que, no boletim eletrónico de voto, aparecerá como o número 17. O seu comentário, mesmo a jogar fora de casa, recebeu mais de meio milhar de likes: “Será na bala, sim, e o calibre é 17”.

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