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"Cheguei à JCP pela lista telefónica". João Ferreira entrevistado no terraço do Observador

João Ferreira diz que ser eurodeputado e vereador não são tarefas para a vida, mas não diz até quando fica. Fala dos limites da Geringonça. Da evolução de Cuba e Coreia. E do populismo no Sporting.

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Chega de casaco mas mal vê o cenário do Observador Summer Sessions, João Ferreira percebe que é melhor tirá-lo e encaixar-se no estilo mais descontraído. Isto ainda que comece logo por avisar que não é daqueles políticos que gosta de modelos “silly season”, nem de falar na sua vida pessoal. Trava a fundo em todas as respostas a perguntas que podem ir pelos seus gostos próprios, preferindo manter a conversa sempre no trilho das questões políticas e na defesa — que sempre consegue incluir nas respostas — dos ideais do seu partido, o PCP. Entrou para a JCP aos 16 anos, procurou a sede na lista telefónica e foi até lá inscrever-se, conta ao Observador nesta entrevista.

Mas não se pense que foi um momento pouco refletido de João Ferreira. Cresceu, como ele diz, com “os clássicos do marxismo-leninismo e vários títulos das edições Avante! à distância da estante”, numa família de esquerda embora não militante ativa do partido. É isso que explica que um biólogo interessado em ecologia vegetal, mais concretamente em espécies exóticas invasoras, se tenha afinal tornado num dos nomes mais importantes do atual PCP. É um dos três eurodeputados do partido no Parlamento Europeu, vive metade da semana no meio de um projeto em que o partido não se revê (e com o qual defende uma rutura por parte de Portugal). É também vereador na Câmara de Lisboa que no dia seguinte a esta entrevista havia de viver um turbilhão provocado pelo partido rival do PCP, o BE (ou seja, só no dia seguinte falou de Robles).

É sempre defensivo nas respostas, mesmo quando não é provocado responde como se de uma provocação ao PCP se tratasse. Evita a todo o custo dizer se vai recandidatar-se ao Parlamento Europeu, embora entenda aquela função como “uma tarefa temporária”. Também se esquiva das perguntas sobre uma “geringonça II”, já que nem reconhece a existência desse conjunto atualmente. No coração (clubisticamente falando) é verde, daqueles que tem andado a sofrer nos últimos meses com o seu Sporting. No resto é vermelho. Até no copo. Como assim? Bom, é ler e ver (no vídeo) este Observador Summer Session que, como todos, começa com a bebida escolhida pelo convidado.

[Veja aqui o best of da entrevista a João Ferreira no terraço do Observador]

“A minha tese era sobre espécies exóticas invasoras. Os paralelismos para a política são múltiplos”

O João Ferreira escolheu um cocktail de frutos silvestres sem álcool. Porquê?
Frutos vermelhos!

Isso, frutos vermelhos. É por serem vermelhos?
É uma orientação do Comité Central, ajuda a manter a firmeza ideológica um sumo de frutos vermelhos por dia [risos]. Já estou a dar matéria de comentário para os colunistas do Observador, está a ver, já vão ter mais com o que perorar sobre o PCP.

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E sem álcool. Também é uma orientação do Comité Central?
Até ao meio-dia, sim.

Ao preparar esta entrevista reparei que existem muitos dados biográficos, académicos e de percurso político, mas não se vê muito o seu lado pessoal. É porque é mesmo assim ou não vê vantagens na exposição desse lado de um político?
Acho que deve ser mesmo assim. Aquilo pelo qual sou reconhecido na minha atividade política implica que se dê a conhecer determinado tipo de características, de percurso, de experiência, mas não outros aspetos da vida pessoal que são menos necessários ou interessantes ou apelativos.

Cocktail de frutos vermelhos? "É uma orientação do Comité Central, ajuda a manter a firmeza ideológica um sumo de frutos vermelhos por dia"

Não é apelativo conhecer mais um político na sua vida comum? É uma pessoa normal.
Sim, considero-me uma pessoa normal, mas não tenho um gosto particular em fugir desse registo mais de atividade política, de intervenção política, profissional também. Não tenho especial gosto em exibir outras facetas da minha vida que não diretamente relacionadas com essa. Não há nenhum impedimento.

Não é timidez? É convicção sua que a política não deve ter essa mistura.
Sim, convicção e falta de vontade também. Não morro de vontade de o fazer, na verdade.

Na Feira da Luz, nas autárquicas, foi encontrado por uma educadora do jardim de infância do LNEC que frequentou. Disse que se lembrava de si e que se portava sempre muito bem.
Acho que ela diria isso em qualquer circunstância.

Foi só simpatia, ou era um miúdo que se portava bem?
Foi simpatia, ela percebeu certamente que comigo vinha um batalhão de jornalistas e, à frente, a jornalista do Observador e terá sido certamente por isso que não me quis causar nenhum embaraço.

E havia motivos para embaraço? Portava-se bem ou era rebelde?
Era igual aos outros.

Isso é dizer muito poucochinho…
Não conheço crianças de 3 ou 4 anos que se portem sempre bem..

"A juventude tem por natureza um sentimento de rebeldia e inconformismo que lhe fica muito bem. E eu fiz por não abdicar desse tipo de sentimentos e de forma de vida que lhe está associada"

Mas na juventude, era bem comportado ou era rebelde?
O mesmo. Acho que a juventude tem por natureza um sentimento de rebeldia e inconformismo que lhe fica muito bem. E eu fiz por não abdicar desse tipo de sentimentos e de forma de vida que lhe está associada.

Licenciou-se em Biologia. Doutorou-se em Ecologia.
Não, não acabei o doutoramento ainda. Licenciei-me em Biologia, depois desenvolvi atividade e investigação científica. Fui bolseiro de investigação num conjunto de instituições públicas de investigação, depois iniciei o doutoramento que não concluí e trabalhei em Biologia noutras áreas diversas, desde a consultoria a outras.

Chegou a escolher tema para a tese?
Sim, era sobre ecologia vegetal, sobre espécies exóticas invasoras. O meu trabalho tentava compreender algumas das causas subjacentes ao sucesso das espécies invasoras, particularmente em sistemas costeiros, dunares.

Daí para a política é um salto gigante, não?
Depende da conceção de política que se tenha.

Bom, pode sempre ser útil para paralelismos com as espécie invasoras!
Os paralelismos que se podem fazer são múltiplos [Risos]. E todos interessantes. Mas comecei a intervenção política antes de entrar na faculdade, ainda no ensino secundário, não tenho uma conceção da intervenção política restrita à intervenção mais institucional.

“Tinha os clássicos do marxismo-leninismo à distância da estante”

Em que contexto entrou na JCP? Já tinha esse contexto familiar? Como é que chegou lá?
Não, cheguei pela lista telefónica que na época ainda se usava. Fui à lista telefónica, procurei a sede da JCP, fui e disse que queria ser da JCP. Puxou-me sobretudo… foi aquela idade. É aos 16 anos que começamos a olhar o mundo à nossa volta e a tentar perceber, até pelas disciplinas que vamos tendo, o Mundo à nossa volta. Porque é que existem determinados tipo de problemas que nos cercam, que formas de resolução dos problemas podem existir. Começamos a ter também um primeiro contacto com os sistemas políticos, com as diferentes formas de organização da sociedade, da economia, e isso aproximou-me, apesar de não ter um contexto familiar de membros ativos do partido, tinha um contexto que me proporcionou até o acesso a leituras.

Era um contexto de esquerda?
Sim e proporcionou-me acesso a leituras que ajudaram a fazer este caminho.

E que leituras eram essas, houve alguma em concreto que o inspirasse?
Não particularmente, mas digamos que tinha os clássicos do marxismo-leninismo e vários títulos das edições Avante! à distância da estante e isso também facilitou. A par de outras coisas, também não apenas isto.

À JCP? "Cheguei pela lista telefónica que na época ainda se usava. Fui, procurei a sede da JCP, fui lá e disse que queria ser da JCP. Puxou-me sobretudo... foi aquela idade. É aos 16 anos que começamos a olhar o mundo à nossa volta"

Porque a sua geração já não é tão politizada como a anterior. Tinha muita gente à volta, amigos, também com essa atividade muito vincada?
No Ensino Superior sim, na Faculdade sim. Eu entrei na faculdade de Ciências em 96 e havia todo um contexto de participação associativa muito forte e de participação política e reivindicativa muito forte. Foi na altura em que, depois da luta contra as propinas em 92, que levou a que o Governo PS de 95 suspendesse a lei das propinas, apareceu a lei das propinas desse mesmo Governo PS, contrariando uma promessa então feita. E há, nessa altura, um recrudescer da luta dos estudantes contra as propinas, mas também contra a qualidade de ensino, pela ação social escolar. Era muito ativo. Já tinha apanhado antes também a luta contra as provas globais, contra os numerus clausus no Ensino Superior, mas é sobretudo na faculdade que esse ambiente é mais intenso e que o meu empenhamento acaba por ser também mais intenso, nas associações académicas, nos órgãos de gestão da faculdade. Eu sou do tempo em que ainda existia paridade nos órgãos de gestão da faculdade, havia uma verdadeira gestão democrática das escolas, em que os estudantes participavam em pé de igualdade com os outros corpos.

Cruzou-se, nessa altura, com pessoas com quem hoje esteja na política?
Cruzei-me com o meu camarada João Pimenta Lopes que é também eurodeputado e foi estudante também na faculdade de ciências. Cruzei-me com o reitor da Universidade de Lisboa, José Barata Moura, que já foi também deputado ao Parlamento Europeu eleito pelo PCP.

E de outros partidos?
Também, no movimento associativo em geral e não particularmente na faculdade de ciências. Nunca tive grande intervenção naquelas reuniões nacionais do movimento associativo, tive uma intervenção prioritariamente focada na faculdade. Mas nesses momentos de encontros, era possível identificar alguns dirigentes associativos…

… que se afirmaram? Lembra-se de alguém?
Olhe, o atual presidente da Câmara de Lisboa.

Fernando Medina?
Sim, foi dirigente da FAP  [Federação Académica do Porto], ele é mais velho do que eu, mas lembro-me de ele ser presidente da FAP quando eu já estava no Ensino Superior.

E que ideia tinha dele na altura, já o criticava?
Digamos que nos cruzámos por pouco tempo. Quando eu entro no Ensino Superior ele era dirigente da FAP e, além de eu não ter presença muito assídua nessas reuniões nacionais, não houve muita ocasião e nos cruzarmos.

"Tinha os clássicos do marxismo-leninismo e vários títulos das edições Avante! à distância da estante e isso também facilitou" a entrada no partido. 

“Ser vereador e eurodeputado não são tarefas para a vida”

É vereador na Câmara de Lisboa, é eurodeputado. Como é que se organiza entre estes dois palcos? Como é que é a sua semana?
Foi uma pergunta que me foi feita abundantemente durante campanha eleitoral, penso que isso é possível em grande medida graças à forma de organização e de trabalho que os eleitos do PCP adotam. É um trabalho que depende da iniciativa individual, do trabalho individual, mas que é inserido num coletivo que dá um suporte extraordinariamente importante a esse trabalho. O nosso trabalho não teme comparações de qualquer espécie. Se vir o trabalho desenvolvido no Parlamento Europeu e o comparar com o de outros eleitos, verá com toda a certeza que, do ponto de vista do empenhamento os eleitos do PCP destacam-se. Se for ver na Câmara de Lisboa, o tipo de iniciativa que tivemos, verá também uma intervenção notável.

Já está a justificar mas eu não estava a falar desse trabalho. Estava a perguntar como organiza a semana.
Já vou à questão pessoal. Para perceber isso é importante perceber a organização partidária que está diariamente no terreno junto das populações e que acaba por potenciar a intervenção dos eleitos.

São quantas horas de avião por semana?
São duas horas e meia em cada viagem — se contarmos agora com os atrasos da TAP a coisa complica-se — faço sempre, pelo menos, duas viagens de avião. Há semanas, não são a regra, em que sou obrigado a fazer mais do que duas viagens por semana de avião. Normalmente, em semanas de sessão plenária, são semanas mais longas, regresso só quinta-feira ao final o dia, em semanas de grupos ou de comissões, podem ser mais curtas, embora às vezes também seja necessário voltar a ir por alguma razão.

É uma semana cansativa?
São sempre semanas cansativas e é não só por isso mas também por isso que quer a tarefa de ser vereador na CML quer a de ser deputado no Parlamento Europeu não são tarefas para a vida. São tarefas temporárias, como todas as do mesmo tipo.

E está a chegar ao fim do prazo em alguma delas? Nomeadamente no cargo de eurodpeutado…
O mandato termina em 2019 e, nessa medida, estou a chegar ao fim.

E tem interesse em renová-lo ou é para chegar ao fim e ficar por aí? Tem isso decidido?
Em 2019 inicia-se um novo mandato.

Consigo a cabeça de lista do PCP?
É uma resposta que não posso dar porque não foi decidido ainda como será.

Verdade, mas é só o PCP que decide? O João Ferreira também há-de ter uma palavra a dizer aí nessa decisão.
Com certeza que sim. O PCP decide normalmente dessa forma coletiva e eu conto ter uma palavra.

Não estou a perguntar pelo coletivo do PCP, mas pela vontade de João Ferreira?
Sobre a minha vontade, o que posso dizer é que, pese embora a exigência, eu gostei do trabalho que fiz nestes dois anos e acho que respondi de uma forma positiva e que dei um contributo a um trabalho e a uma intervenção coletiva que se destacam. Não é minha vontade que estas tarefas sejam para a vida, por isso elas terão de ter um fim algum dia. Se eu lhe dissesse que o fim era agora estava a responder à pergunta que me fez e isso não posso fazer porque isso pressupõe uma decisão que ainda não foi tomada.

"Quer a tarefa de ser vereador na CML quer ser deputado no Parlamento Europeu não são tarefas para a vida. São tarefas temporárias, como todas as do mesmo tipo"

“Pode ter-se criado um sentimento ilusório de que agora as coisas se resolveriam sem mais luta social”

Depois das Europeias há logo legislativas. Havia a possibilidade de ser candidato a deputado na Assembleia da República, coisa que ainda não fez. Gostava de ter essa experiência?
Não está entre as motivações cimeiras neste momento.

Não sei se leu a entrevista de Miguel Tiago, ao Expresso, que sai do Parlamento e sai com alguma mágoa. Acha que não é dali que vem a mudança, parece desiludido com isso. Concorda com ele?
Eu estou de acordo com ele no sentido em que a transformação social pela qual lutamos não passa exclusivamente por ali, nisso estamos inteiramente de acordo. Diria até que no atual contexto não passa sobretudo por ali. Não tenho da intervenção política uma conceção restritiva, referia-me a isso. Não restringimos a intervenção política à esfera institucional.

É mais difícil no atual contexto porquê? Por causa desta maioria?
Não tem a ver com a atual solução política particularmente. Num contexto mais amplo, a experiência destes últimos anos demonstra isso, o papel determinante que teve e ainda tem a luta de massas, a luta da populações e dos trabalhadores. Nenhum de nós carrega ilusões a respeito dos limites das instituições de representação política.

Ele também fala na delicadeza em que o PCP foi colocado com a atual solução de Governo. É mais sensível este momento?
A atual solução política vai ao encontro do que estava a dizer e do que disse Miguel Tiago. Eventualmente em 2015 e 2016, o desenhar desta solução política criou talvez um sentimento de alívio, porque se tinha afastado um Governo contra o qual se lutou durante anos, mas pode ter criado, nalguns sectores, um sentimento ilusório de que agora as coisas se resolveriam e não seria mais necessário esse empenhamento, essa mobilização e luta social. Se há coisa que estes anos demonstram é que nós não conseguimos nada de braços cruzados à espera das decisões que são tomadas na Assembleia da República. A luta é imprescindível a luta das populações das várias classes e camadas de trabalhadores. O que tem sido feito na Assembleia da República a maior parte das vezes, ainda que não por inteiro, é dar correspondência prática a essa luta. Mas não é aquele intervenção por si, não é aquilo que transforma.

É preciso fazer um balanço sobre os pontos positivos e negativos da geringonça? Já fez esta reflexão?
Essa reflexão é permanente, começou no desenhar desta solução política. O PCP tem um estilo próprio de funcionamento caracterizado por uma ampla discussão que serve para apurar uma orientação coletiva que depois vincula todos.

"O desenhar desta solução política pode ter criado, nalguns sectores, um sentimento ilusório de que agora as coisas se resolveriam e não seria mais necessário esse empenhamento, essa mobilização e luta social"

Sobre a reedição da “geringonça” já houve discussão coletiva?
Fala na reedição de algo que eu não reconheço sequer.

Esta solução governativa, com estas posições conjuntas bilaterais, no caso do PCP, com o PS.
Temos uma solução política que é caracterizada pelo Governo PS em minoria, foi sempre assim que a caracterizámos e agora não é diferente.

Não há nenhuma sondagem que dê maioria ao PS, a hipótese de se repetir daqui a um ano o resultado de 2015 não é de descartar.
Não é de descartar, embora ache que o mais importante dizer é que o PCP tem um projeto próprio para o país. Numa situação em que estão à vista não apenas as vantagens e o que de positivo foi possível retirar desta solução política e em que estão à vista as suas limitações — nalguns casos, as enormes limitações –, é fundamental que fique claro o projeto alternativo que o PCP tem para o país. É um projeto que permite não só levar mais longe o que de positivo nós retirámos desta situação política, mas também responder a muitos dos problemas a que esta solução política não tem respondido e se revela incapaz de responder.

“É necessário contrariar essa ideia de que há aqui um Governo PS com o apoio do PCP”

O facto de esta solução ter sido incapaz de responder a alguns problemas faz com que o PCP a queira repetir ou concluíram que é finita a solução?
Vamos para esta batalha com a firme intenção de projetar na batalha o projeto alternativo que o PCP tem para o país. Seria diminuir esse projeto estar desde já a aventar conjunturas que não passem pela vitória deste projeto.

Mas quando partidos que têm votos suficientes para formarem Governo, o PS e o PSD, têm esse discurso, pode ser compreensível. Agora, o PCP nunca ganhou eleições.
De facto há três partidos em Portugal que ao longo do regime democrático têm assumido responsabilidades governativas, constatar isso é óbvio, mas já não é óbvio que estamos condenados a que nos anos que hão de de vir seja obrigatoriamente assim.

Nos últimos três anos não foi.
Não foi, é um facto iniludível. Mas a experiência destes 40 anos, o que foi possível colher dessa experiência, deve predispor a população em geral para a necessidade de encontrar outras soluções também de Governo.

"Contesto a ideia que o Governo do PS é apoiado pelo PCP. É apoiado em tudo o que de positivo resulta da ação governativa"

Já vi que não é um adepto desta solução, pelo menos da repetição.
Acho que é necessário fugir a esse leque restrito de apenas três forças que nos últimos 40 anos têm assumido responsabilidades de Governo de forma rotativa.

Não estou a falar dessas três forças, mas das quatro de agora.
Sim, mas neste momento há uma força que está no Governo.

Mas apoiada — e num apoio fundamental para este Governo se manter …
[Interrompe]… apoiada em tudo aquilo que de positivo resultou da ação governativa do PS. Só estou a contestar a ideia de que o Governo do PS é apoiado pelo PCP. É apoiado em tudo o que de positivo resulta da ação governativo.

É difícil dizerem claramente: não queremos que a geringonça seja reeditada?
Tínhamos começado há pouco tempo esta legislatura e foi necessário descapitalizar mais um banco. Despejar mais alguns milhões de recursos públicos num banco privado. Quem é que deu o apoio ao PS? Há poucos dias votou-se uma alteração à legislação laboral contra a qual o PCP esteve. Quem deu a mão ao PS para a aprovar? É necessário contrariar essa ideia de que há aqui um Governo PS com o apoio do PCP. O PCP apoiou os Orçamentos do Estado.

Porque os considerou positivos?
Bom, no Orçamento do Estado não é possível fazer essa distinção. E assumimos em qualquer dos casos que, fazendo um balanço globalmente positivo, esses orçamentos transportavam consigo também alguns aspetos negativos. Mas o balanço era globalmente positivo, porque melhorava um conjunto de aspetos.

"Foi possível, com esta solução política, iniciarmos um caminho de reposição, defesa e conquista de direitos. Só isso não é coisa pouca"

Porque não dizem que se querem que a solução governava se repita?
Essa avaliação nem sequer é feita nesses termos. Desta solução resultaram vantagens óbvias que não quero minorizar. Até 2015, a sucessão de governo teve uma particularidade, cada Governo que vinha levava sempre mais longe a obra do anterior de ataque a direitos consagrados na Constituição. No fim de cada Governo atávamos sempre pior do que no anterior. O caminho era sempre o mesmo. Foi possível, com esta solução política, iniciarmos um caminho de reposição, defesa e conquista de direitos. Só isso não é coisa pouca.

Se a solução se mantiver não podem chegar onde não chegaram desta vez?
Depende, com esta relação de forças que permitiria, se o PS quisesse, alterar alguns aspetos da legislação laboral, por exemplo… mas o PS não quis fazer.

O PCP não tem peso suficiente na solução para operar algumas mudanças sozinho…
[Interrompe]… o PCP revelou-se decisivo nestes anos.

Mas olhemos para a parte do copo meio vazio.
Mas antes o meio cheio. O PCP mostrou ser uma força decisiva, desde logo, no abrir caminho a esta solução política. Na noite das eleições a iniciativa do PCP foi determinante para a existência desta solução e acho que alguns sectores da sociedade mais comprometidos com o que tínhamos sentiram isso. Não é à toa que nos últimos anos sentimos o recrudescer de ataques fortíssimos ao PCP. Agora, o PCP pode ter um papel ainda mais decisivo e determinante.

Há um objetivo? Uma fasquia?
Sim, reforçar a influência social e política e eleitoral do PCP.

Qual tem de ser a expressão do PCP para conseguir operar a mudança?
Não medimos assim, porque a mudança não depende só da relação de forças dos partidos na Assembleia da República. Depende também da mobilização social que exista. Mas o PCP luta sempre por uma relação de forças na Assembleia da República mais favorável, para responder a problemas do país que hoje não encontram resposta. O PCP reforçou-se nas últimas eleições para a Assembleia da República. Acho que não pode ser desligado disso o abrir caminho a esta solução política, mas não chega. É necessário mais.

Mas nas autárquicas foi traumática a perda de 10 câmaras depois da novidade dessa solução governativa.
Constituíram um resultado negativo, com certeza que sim.

Não leu aquilo como: se calhar os nossos eleitores não estão satisfeitos com este nosso papel na atual solução política?
Eu acho que a leitura das autárquicas não pode ser simplista. Pesam muito fatores e pesam, antes de mais, 308 realidades que são as realidades de cada um dos concelhos.

Não lhe estou a perguntar se foi única leitura, mas se também pesou nas vossas considerações.
Pesou muita coisa e há aspetos da situação política nacional que também pesam. Se digo que pesa tudo, isso também pesa. Não pesa só isso, não sei se pesa isso de forma determinante, alguma coisa pesará. Talvez  nessa parcela do que pesou naquele resultado tenha resultado uma insuficiente perceção do papel do PCP e da importância da intervenção do PCP ao nível nacional.

"Foi possível, com esta solução política, iniciarmos um caminho de reposição, defesa e conquista de direitos. Só isso não é coisa pouca"

O facto de estar lá no Parlamento Europeu torna-o mais otimista em relação ao projeto europeu do que os seus camaradas de partido?
Houve na história vários projetos sobre integração na Europa, a União Europeia não foi o primeiro e estou convencido que não vai ser o último. Revemo-nos no que de melhor tem a história e a tradição de luta na Europa, lutamos por um projeto de cooperação entre estados e povos que ajude ao desenvolvimento entre todos, aproxime os povos. Mas o projeto de cooperação que defendemos não só não é este como está nos antípodas do que é a União Europeia.

Daí a minha pergunta.
Torna-me otimista quanto à possibilidade de construir este outro projeto de cooperação entre estados. Agora não tenho ilusões sobre o facto de isso não ser feito com os fundamentos que hoje tem o processo de integração.

Mas acha que este projeto está perto do fim ou a fazer esse caminho?
Não quero emitir essas sentenças que correm sempre o risco de apanhar com a realidade. Às vezes as coisas, mesmo quando estão num estertor final, revelam sempre alguma capacidade de se prolongar mais do que é antecipável. Agora, o que é evidente para mim é que a União Europeia demonstra hoje estar esgotada do ponto de vista de possibilidade de resposta a problemas dos povos. Mais, ela própria é hoje causa de muitos dos problemas que estamos a enfrentar. Ao contrário do que se quer fazer crer, este não é um problema conjuntural que resulte de ausência de líderes de dimensão europeia, o problema é estrutural, tem a ver com os próprios fundamentos do processo que, como o PCP sempre o caracterizou, no seu desenvolvimento nos conduziu ao que temos. À desigualdade, às divergências, a assimetrias crescentes entre estados, mas também ao aumento das desigualdades dentro de cada Estado. E a uma muito inquietante para um projeto que invoca tantas vezes os valores da paz: a corrida armamentista.

Claramente não está a ser convertido,
Nunca acalentei ilusões. Mas a União Europeia não foi o primeiro projeto de integração na Europa e não vai ser o último. Isto nunca significou do PCP uma postura isolacionista ou nacionalista. Estamos nos antípodas disso. É o desenvolvimento deste processo que está a criar condições na Europa para chegarmos a soluções desse tipo.

“Dizer que o PCP sempre teve simpatia por Cuba e Coreia do Norte comporta algum veneno…”

Países sempre olhados com simpatia pelo PCP, como Coreia do Norte e Cuba, estão a mostrar sinais de alguma mudança. Como é que um comunista em Portugal está olhar para isso?
Em primeiro lugar, estamos a falar de situações de construção do socialismo no mundo, essas são duas experiência e cada uma com características próprias. E de cada uma se pode fazer uma avaliação própria e particular. Arrumar a questão dizendo que o PCP sempre teve simpatia…

E teve. É mentira?
Comporta algum veneno que é típico e habitual.

Mas é mentira? Sendo que o veneno é uma expressão sua.
É típico na abordagem a este tipo de questões. O PCP faz uma avaliação própria das diferentes experiências de construção do socialismo em curso no mundo, não são iguais. E dela retira aspetos que incorpora na sua própria reflexão sobre a evolução do socialismo e da atualidade e futuro do ideal socialista. Agora, o PCP sempre teve — é aí que digo que a afirmação feita pode comportar uma certa deturpação da posição o PCP — sempre tivemos uma conceção própria da sociedade socialista a aplicar no nosso país. O PCP nunca copiou, nunca admitiu importar modelos que são isso mesmo, modelos determinados por inúmeras circunstâncias de construção o socialismo em outros países.

Eu estou a falar do caso de Cuba, onde a mudança é mais visível. Há uma discussão sobre a Constituição cubana neste momento e e retirada da palavra “comunismo”.
Já la vou é um caso muito interessante. Mas acho que é importante deixar claro que o PCP aprende com todas as experiências de construção do socialismo. Mas tem o seu próprio projeto, o seu próprio programa. É desde sempre uma acusação feita ao PCP a de querer importar este ou aquele modelo, de querer aplicar este ou aquele modelo, que foi algo que o PCP sempre rejeitou. O que não quer dizer que olhemos com interesse para as várias experiências passadas e presentes e não aprendamos com elas.

Mas falemos de Cuba.
O que está a acontecer em Cuba, e que seguimos com grande interesse, é inseparável da própria história da revolução cubana. As transformações que estão em curso são, de resto admitidas pelos próprios cubanos, como fazendo parte de um processo revolucionário. Parte da sua revolução. Nessa revolução pesa de uma forma incontornável a situação extremamente difícil que Cuba teve de encontrar fruto de um bloqueio a que não está sujeito nenhum outro país do mundo. Não há nenhum outro país do mundo que tenha de enfrentar a dureza de um bloqueio económico com as características do que foi imposto a Cuba e que foi agravado em anos recentes. A atual administração norte americana agravou, do ponto de vista prático, um bloqueio económico  a que Cuba está sujeita há décadas.

Que foi desagravado nos anos anteriores  à atual administração.
Todo o conjunto de respostas que Cuba foi encontrando e a revolução cubana foi encontrando — onde incluo estas que estão a ser desenhadas — têm sempre esta preocupação, defender a revolução, defender um acervo de conquistas que não encontram paralelo, a verdade é esta.

Cuba? "Inserindo-se esta alteração constitucional num processo revolucionário, é claramente afirmado que o marxismo-leninismo é um principio orientador deste processo revolucionário. Isso não foi abandonado"

Portanto, vê a mudança com naturalidade e não com tristeza?
São os próprios cubanos que dizem que faz parte do processo. A leitura que tem sido feita do processo constitucional em curso é um bocadinho incompleta a esse respeito.

Para quê então esta mudança, então, na Constituição?
O objetivo de construção  uma sociedade socialista, o papel do partido comunista nesse processo tudo isso é dado como adquirido. Aliás, inserindo-se esta alteração constitucional num processo revolucionário, é claramente afirmado que o marxismo-leninismo é um principio orientador deste processo revolucionário. Isso não foi abandonado. Acho que se está a fazer uma leitura incompleta e parcial das questões me cima da mesa. Há questões que até têm vindo a ser faladas a não foram abertas de forma abrupta, como o reconhecimento do papel do mercado, conservando o Estado e o povo a propriedade social dos principais meios de produção. É aberto o caminho para a existência de outras formas de propriedade em moldes que a nossa Constituição ou próprio o programa do PCP também reconhece. O horizonte para uma sociedade comunista como configuramos no nosso programa ainda não se perdeu, nem os cubanos, nem outros povos que lutam por esse objetivo. É um sonho milenar da humanidade que nunca foi concretizado mas como outros sonhos quero crer que um dia verá a luz do dia.

"Há aspetos da situação que se viveu no Sporting nos últimos anos, meses até mais que me preocupam para lá do futebol. A emergência de determinado tipo de populismos, de determinadas formas autoritárias de exercício do poder, devem-nos suscitar preocupações"

“A emergência de populismos no Sporting preocupa-me para lá do futebol”

Estava a olhar para a sua bebida e para os frutos vermelhos. São vermelhos não são verdes como o seu clube do coração, o Sporting? Sofre muito?
Compreensivelmente, não é?

Estamos a falar de resultados desportivos ou dos últimos meses?
Estamos a falar em geral. Como perceberá, não vi o Sporting ser campeão muitas vezes. No futebol, noutras modalidades sim.

Foi o quê, duas três?
Ehh… sim…três

Memória deve ter de duas…
Memória mais viva, de duas. Agora, particularmente também com os últimos meses isso, também não posso dizer o contrário.

Mas sofre mesmo? É daqueles adeptos fervorosos? Vai ao estádio?
Há coisas mais importantes na vida do que o futebol, sou capaz de reconhecer isso com grande facilidade

"Há aspetos da situação que se viveu no Sporting nos últimos anos, meses até mais que me preocupam para lá do futebol. A emergência de determinado tipo de populismos, de determinadas formas autoritárias de exercício do poder, devem-nos suscitar preocupações"

Costuma ir a jogos?
De vez em quando.

Tem lugar?
Não tenho lugar cativo, mas de vez em quando gosto de ir.

É sócio?
Já fui mas agora não sou.

Então não vai participar neste processo de decisão sobre o novo presidente…
Sim, diria felizmente.

Porquê felizmente?
Não me sentiria particularmente motivado para intervir no atual contexto.

Porque, há muitos candidatos?
Sim, há aspetos da situação que se viveu no Sporting nos últimos anos, meses até mais — também aconteceu de forma geral no futebol, mas particularmente no Sporting — que me preocupam para lá do futebol. A emergência de determinado tipo de populismos, de determinadas formas autoritárias de exercício do poder, devem-nos suscitar preocupações. A mim suscitam-me como sportinguista, mas bastantes mais para lá do Sporting e do futebol.

Acha que pode estar aí o início de uma coisa melhor e pior?
Há sinais preocupantes de fenómenos a que assistimos noutros contextos.

E na política há alguma coisa a fazer para evitar isso?
Tem de haver. Há quem tenha essa vontade. Historicamente esse tipo de regimes têm uma função. Vieram, em determinadas circunstâncias, assegurar de uma forma autoritária e ditatorial a manutenção de uma determinada ordem social.

Pergunta da praxe do Summer Sessions: para onde e com quem nunca iria de férias?
Respondo-lhe assim: imaginava-me a ir de férias em vários sítios e com muita gente também.

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