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Ernesto de Sousa durante as filmagens de "Dom Roberto", o filme que lhe valeu dois prémios na semana da crítica em Cannes
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Ernesto de Sousa durante as filmagens de "Dom Roberto", o filme que lhe valeu dois prémios na semana da crítica em Cannes

Ernesto de Sousa - Facebook

Ernesto de Sousa durante as filmagens de "Dom Roberto", o filme que lhe valeu dois prémios na semana da crítica em Cannes

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Cineasta, fotógrafo e divulgador da vanguarda. Ernesto de Sousa, o homem que só se interessava pelo futuro, nasceu há 100 anos

Figura determinante na cena artística portuguesa do século XX, contribuiu do novo cinema em Portugal. A sua única longa-metragem, "Dom Roberto", conquistou dois prémios em Cannes, em 1963.

Ernesto de Sousa é uma das grandes figuras da cena artística portuguesa do século XX. Conhecido pela sua ligação ao mundo cinematográfico e ao Cinema Novo, foi primeiro fotógrafo e depois artista multidisciplinar, teórico, crítico, professor, divulgador e programador. A sua ligação à vanguarda, ao experimentalismo e ao conceptualismo, fizeram dele uma influência fundamental no período do pós-25 de Abril, altura em que organizou vários eventos artísticos e exposições de grande importância, como a mostra Alternativa Zero, um marco na história da arte portuguesa. Nesta participaram artistas como Helena Almeida, Julião Sarmento, Ângelo de Sousa, Noronha da Costa ou Fernando Calhau, hoje nomes consagrados da arte portuguesa contemporânea.

A criação de pontes entre aquilo que se fazia lá fora e aquilo que se fazia cá dentro é uma das mais fortes vertentes do seu trabalho. “Um ávido promotor de sinergias entre gerações de artistas da primeira e da segunda metade do século XX”, como refere a biografia disponível no site que lhe é dedicado, Ernesto de Sousa foi também “defensor de uma expressão artística experimental e livre”, de que são exemplo muitas das suas obras. Esta defesa de uma arte livre e liberta provocou-lhe vários problemas com as autoridades, tendo sido detido várias vezes pela PIDE, nomeadamente pela promoção do cineclubismo, de que foi um dos principais impulsionadores em Portugal, e por uma entrevista dada a propósito da estreia de “Dom Roberto”, introdutor do Cinema Novo em Portugal juntamente com “Os Verdes Anos”, de Paulo Rocha. Atacado em Portugal, foi galardoado em Cannes pela longa-metragem — recebeu dois prémios na semana da crítica.

Desdobrando-se em múltiplas atividades, “anti-especialista por escolha e vocação”, Ernesto de Sousa destacou-se também no estudo da arte popular, na crítica de arte, no teatro e depois no cinema experimental e outras formas artísticas, como o happening e a performance. Nos vários caminhos criativos que percorreu, defendeu sempre o derrube de fronteiras entre arte e vida. E se Bertolt Brecht, Joseph Beuys, Wolf Vostell ou Almada Negreiros, ao qual dedicou um filme, foram algumas das suas figuras tutelares, também o foram criadores de arte popular, como Rosa Ramalho ou Franklin Vilas-Boas Neto, apontou a Agência Lusa. Artista sem descanso, Isabel Alves, sua mulher, lembrou-o numa entrevista como alguém que nunca olhava para o presente, porque esse não interessava. Ernesto de Sousa era, acima de tudo, um homem do futuro.

Apesar de conhecido pela sua ligação ao cinema, como realizador mas também como promotor, Ernesto de Sousa foi um artista multidisciplinar, com um obra que abrange muitas outras artes

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Com os olhos postos no futuro

José Ernesto de Sousa nasceu a 18 de abril de 1921, em Lisboa, há cem anos. Nos anos 40, frequentou o curso de Ciências Físico-Químicas na Faculdade de Ciências de Lisboa, que não chegou a concluir. Foi durante esse período que começou a desenvolver um maior interesse pela fotografia, cuja produção o acompanhou ao longo de toda a vida. Numa primeira fase, fez levantamentos etnográficos, registos de arte popular e retratos em contexto urbano. Um ano antes de abandonar o curso, em 1946, organizou uma exposição de arte moderna e africana, com obras originais de modernistas portugueses como Amadeo de Souza Cardoso ou José de Almada Negreiros.

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Este último foi uma importante figura de referência, tendo Ernesto de Sousa contribuído para a revisão da sua obra, que antecipou muitas das ideias por si defendidas. O cineasta foi responsável pela recuperação dos frisos do Cine San Carlos, que Almada executou durante os anos que viveu em Madrid (entre 1927 e 1932). Nos anos 60, os responsáveis pelo cinema madrileno, que entretanto tinha sido remodelado, mandaram retirá-los e Ernesto de Sousa viajou de propósito até Espanha para resgatá-los. Trouxe-os para Portugal e hoje integram a coleção do Centro de Arte Manuel de Brito, em Oeiras.

Ainda em 1946, fundou o Círculo de Cinema, um dos primeiros cineclubes portugueses. A sede foi invadida pela PIDE um ano depois e Ernesto de Sousa preso. Esta foi uma das várias vezes em que entrou em conflito com as autoridades e as ideias político-culturais da época: artista de espírito aberto e livre, Ernesto de Sousa foi detido várias vezes pela polícia política, algumas delas por causa do cineclubismo. É também deste período que datam as primeiras colaborações como crítico de arte, em jornais e revistas como a Seara Nova ou Mundo Literário, e o início da sua atividade como cineasta.

Ernesto de Sousa viveu em Paris, onde estudou cinema, entre 1949 e 1952. Estas duas fotografias são dessa altura

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Foi por causa do cinema que, no final da década de 1940, decidiu fixar-se temporariamente em Paris, onde viveu até 1952 e onde frequentou vários cursos sobre história do cinema, filmologia e técnicas de som. Os estudos na área da cinema levaram-no às revistas Plano Focal, de que foi chefe de redação, e Imagem, onde trabalhou como redator principal. Na primeira, publicou em 1953 uma entrevista ao artista dadaísta Man Ray.

A sua contribuição para a teoria do cinema não se ficou pelos artigos que publicou em revistas e jornais. Entre meados dos anos 50 e inícios dos anos 60, lançou vários livros sobre o tema, nomeadamente O argumento cinematográfico (1956), A realização cinematográfica (1957) e O que é cinema (1960), sempre com o intuito de divulgar a sétima arte em Portugal e, ao mesmo tempo, defender o Cinema Novo. Foi também durante os primeiros anos da década de 1960, numa altura em que se encontrava comprometido com o neo-realismo após ter rompido com os surrealistas, que realizou “Dom Roberto” (1962), a sua única longa-metragem, baseada num conto de Leão Penedo.

O filme, que contou com a participação de atores como Raul Solnado e Nicolau Breyner, estreou a 30 de maio de 1962 no Cinema Império, em Lisboa, e recebeu dois prémios durante a semana da crítica do Festival de Cannes, no ano seguinte — o Prémio da Jovem Crítica e o Prémio da Associação de Cinema para a Juventude. A longa-metragem marcou a emergência do Cinema Novo em Portugal, juntamente com “Os Verdes Anos”, de Paulo Rocha. Ernesto de Sousa foi preso devido a uma entrevista concedida a propósito do filme, revelou a mulher do artista, Isabel Alves, numa entrevista ao Público em 2012, a propósito de uma exposição em Serralves.

Em 1965, orientou o Curso de Cinema Experimental, no Cineclube do Porto, e entre 1967 e 1970, foi docente do Curso de Formação Artística da Sociedade Nacional de Belas-Artes, em Lisboa, onde lecionou as disciplinas de Técnicas da Comunicação e Estética do Teatro e do Cinema. No final dos anos 60, entrou em contacto com o Fluxus, caracterizado pela mescla de diferentes artes, e as neo-vanguardas europeias, firmando uma forte amizade com algumas das principais figuras do movimento, como o cineasta, poeta e performer francês Robert Filliou e o pintor e escultor alemão Wolf Vostell.

Ernesto de Sousa realizou um filme sobre Almada Negreiros, "Almada, Nome de Guerra", que inclui cenas no ateliê do artista. Almada era uma das suas figuras referenciais

LUSA

Como refere o seu site, “este contacto foi uma influência determinante para a reformulação” que fez da arte “como ‘obra aberta’, experimental e participativa”, de que são exemplo obras como “Nós Não Estamos Algures” (1969), “Almada, Um Nome de Guerra” (1969-1972), e “Luiz Vaz 73” (1975). A ligação ao movimento Fluxos teve também impacto na criação da exposição Alternativa Zero, depois do 25 de Abril, que reuniu importantes nomes da cena artística contemporânea em Portugal. A mostra foi recuperada em 1997, pela Fundação de Serralves, por altura do seu 20.º aniversário.

Nas décadas de 1970 e 1980, organizou cursos, conferências e exposições sobre cinema experimental, vídeo-arte, performance e happening e colaborou com várias publicações internacionais, procurando, mais uma vez, promover o contacto entre o meio artístico português e as neo-vanguardas internacionais. Participou também com o seu trabalho em diversas mostras expositivas, como Portuguese Video Art (1981) ou Atitudes Litorais (1984). Foram-lhe dedicadas duas exposições retrospetivas, Itinerários (1987), organizada pela Secretaria de Estado da Cultura e comissariada por José Porfírio, Leonel Moura e Fernando Pernes, e Revolution My Body (1998), já depois da sua morte, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Esta última teve como comissários Helena de Freitas e Miguel Wandschneider.

Ernesto de Sousa foi ainda por três vezes comissário da representação portuguesa na Bienal de Veneza, onde participou em 1980 com uma obra coletiva com Ana Hatherly, João Vieira, Ernesto de Melo e Castro e António Sena. Incansável, a sua viúva, Isabel Alves, descreveu-o em 2012 como “um artista em frenesim permanente”, que “nunca estava no presente”, mas “no futuro”. “O presente já não lhe interessava, estava feito.” Morreu a 6 de outubro de 1988, aos 67 anos.

Ernesto de Sousa com o ator Raul Solnado nas filmagens de "Dom Roberto", em 1961. "Dom Roberto" foi a única longa-metragem realizada pelo artista

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Celebrar Ernesto de Sousa

No ano em que se assinala o centenário do nascimento do artista, não são muitas as iniciativas em torno da sua figura e obra. Uma das poucas arrancou nesta quinta-feira, na Appleton Associação Cultural, em Lisboa. A partir desse dia, até 22 de abril, será apresentado um ciclo que começa com exposição Revolution My Body no. 2, um trabalho de 1976 que consiste na projeção de um filme em Super8 e que convida à intervenção do público sobre três folhas de papel/ecrã. A mostra, que estará aberta este domingo, dia do centenário de Ernesto de Sousa, poderá ser visitada até 22 de abril.

O ciclo, de entrada gratuita, inclui também dois concertos de Rafael Toral e Pedro Sousa, nos dias 16 e 22 de abril, respetivamente, e a primeira apresentação pública da totalidade dos carimbos de Ernesto de Sousa, “uma presença constante na sua prática artística, curatorial, bem como a mail art que trocava com artistas em todo o mundo”, apontou a Appleton na informação disponibilizada. Os carimbos estarão em exposição entre 8 e 22 de abril.

A 2 de junho, será realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, também em Lisboa, um colóquio dedicado ao cineasta. Organizado pela Biblioteca de Arte da Gulbenkian e os Arquivos da Fundação e pelo Instituto de História da Arte da NOVA/FCSH, a iniciativa tem como propósito “reunir um painel de especialistas para discutir e partilhar os estudos mais recentes sobre o trabalho do artista e sobre a sua importância no contexto da arte contemporânea nacional”, referiu a Gulbenkian. O programa ainda não foi divulgado. Este é o segundo colóquio na Gulbenkian dedicado a Ernesto de Sousa, que organizou um outro em 2007.

No mesmo dia, será ainda exibido “Luiz Vaz 73”, uma obra de mixed-media inspirada em Os Lusíadas, de Camões, que junta dispositivos de Ernesto de Sousa com música eletrónica de Jorge Peixinho. A peça foi apresentada pela primeira vez no Festival Internacional de Mixed-Media em Gante, na Bélgica, em janeiro de 1975, tendo sido mostrada várias vezes depois disso. A 2 de junho, será exibida no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, que a recentemente adquiriu, com a colaboração do Serviço de Música. Segundo a Agência Lusa, a nova recriação irá enquadrar-se na exposição Histórias de uma Coleção. Arte Moderna e Contemporânea da Fundação Gulbenkian, que estará patente na galeria principal.

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