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Não foi só a análise da situação económica, social e política em Portugal que esteve em destaque no Conselho de Estado de 21 de julho. As buscas judiciais realizadas às sedes nacionais do PSD e da JSD, assim como as buscas domiciliárias à casa de Rui Rio e de outros dirigentes social-democratas, foram o segundo grande tema dessa primeira ronda do órgão de aconselhamento do Presidente da Republica (há uma segunda reunião prevista para a próxima terça-feira).
O tema foi abordado, pelo menos, por Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República, o primeiro-ministro António Costa e o conselheiro Luís Marques Mendes. Os socialistas para criticarem a atuação da Justiça e o social-democrata para ser o único a manifestar oposição às propostas apresentadas por Costa.
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E que propostas foram essas? As alterações da lei do financiamento dos partidos políticos com o objetivo de clarificar a legalidade de uma das situações que está sob escrutínio na investigação do Ministério Público ao PSD e, mais importante, a alteração da lei processual penal para equiparar as buscas judiciais aos partidos políticos a um regime semelhante dos escritórios de advogados — regime este que visa proteger o segredo profissional dos advogados.
António Costa explicitou a intenção de proceder a essas alterações — que, aliás, começaram por ser explicitadas publicamente por João Torres, secretário-geral adjunto do PS, em declarações à RTP na altura das buscas que envolveram o PSD (ler mais abaixo).
Ao que o Observador apurou, Costa afirmou no Conselho de Estado que tinha falado dessas propostas com Luís Montenegro, dando a entender, segundo o entendimento de fontes presentes na reunião, que o líder do PSD teria concordado com as mesmas.
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A conversa telefónica entre António Costa e Luís Montenegro aconteceu, confirmou o Observador, a 13 de julho — um dia depois das buscas judiciais no PSD e à casa de Rui Rio. Mas o líder social-democrata não fez nenhum acordo com Costa, garantiram fontes do PSD.
O Observador confrontou António Costa com todos os factos que constam deste artigo, tendo recebido a seguinte resposta: “O primeiro-ministro não revela nem comenta conteúdos das reuniões do Conselho de Estado, nem nada que se relacione com as mesmas“.
Santos Silva deu a deixa e Costa revelou o que queria fazer
O tema do inquérito do Ministério Público ao PSD, aberto com indícios da alegada prática dos crimes de absuso de poder e peculato, começou por ser abordado na reunião do Conselho de Estado por Augusto Santos Silva. O presidente da Assembleia da República afirmou que as buscas de que foram alvo Rui Rio e o PSD eram muito graves e não podiam deixar o poder político indiferente.
Santos Silva já tinha condenado publicamente as buscas, defendendo um “esclarecimento público da parte do Ministério Público porque, manifestamente, além do crime que foi praticado em direto, a violação do segredo de justiça, toda a gente o pôde ver, também os meios usados e os objetivos e as diligências praticadas foram de tal envergadura, que os princípios da necessidade e os princípios da proporcionalidade vêm à mente de qualquer um”.
O presidente da Assembleia da República chegou mesmo a levar o tema à conferência de líderes logo na semana seguinte, mas apenas conseguiu “apoio unânime” para dizer que o Parlamento respeita “escrupulosamente” a independência judicial e a autonomia do Ministério Público, que “não está em questão qualquer matéria de sobrefinanciamento dos partidos políticos”, que “os deputados podem ou não ser membros de partidos políticos, mas todos são eleitos em listas partidárias e as atividades políticas no Parlamento são também partidárias“. Não existiu qualquer alinhamento para um pedido de explicações da Assembleia da República à PGR — o que tinha chegado a ser abordado por Santos Silva em declarações anteriores.
Já na reunião do Conselho de Estado de 21 de julho, quando chegou a sua vez de falar, António Costa seguiu a via que Santos Silva tinha aberto. Sem se pronunciar, naquele momento, sobre o tema central do Conselho de Estado — já tinha feito no debate do Estado da Nação a análise da situação económica, social e política do país no dia anterior, no Parlamento —, António Costa comentou o tema das buscas judiciais a Rio e ao PSD e aproveitou para deixar uma ideia muito concreta.
Revelou aos conselheiros que tinha falado telefonicamente com Luís Montenegro para manifestar-lhe a solidariedade do PS para com o PSD e que tinha a intenção de avançar com as referidas duas iniciativas legislativas.
Marques Mendes foi o único a falar para criticar e Montenegro não fez nenhum acordo com Costa
De todos os conselheiros que falaram a seguir ao primeiro-ministro, Luís Marques Mendes foi o único que abordou o tema da investigação do Ministério Público ao PSD — e só para analisar as alterações defendidas por António Costa pouco antes.
Ao que o Observador apurou, Marques Mendes criticou com palavras duras a possibilidade de o PS e o PSD promoverem uma espécie de acordo corporativo sobre o assunto que tinha sido abordado por Costa. E apelou mesmo ao primeiro-ministro para que reconsiderasse.
Contactado pelo Observador, Luís Marques Mendes recusou-se a prestar qualquer declaração sobre a reunião do Conselho de Estado de 21 de julho, alegando que a mesma é confidencial.
Certo, segundo fontes contactadas pelo Observador, é que não terá ocorrido qualquer acordo entre António Costa e Luís Montenegro. No entanto, houve o tal telefonema de Costa, na qualidade de secretário-geral do PS, com o objetivo de manifestar uma palavra de solidariedade dos socialistas para com os social-democratas, perante os moldes das buscas feitas no PSD.
Nessa conversa, Montenegro informou António Costa que tinha enviado uma carta para a procuradora-geral da República a contestar a desproporção dos meios utilizados nas buscas judiciais face ao objeto da investigação, ao que o líder socialista terá respondido que compreendia a situação porque era transversal a todos os partidos.
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Durante o telefonema, e tal como transmitiu no Conselho de Estado, António Costa disse a Luís Montenegro que o PS iria avançar com uma clarificação da lei do financiamento dos partidos para tornar evidente a partilha de recursos financeiros entre os grupos parlamentares e as estruturas partidárias.
O secretário-geral do PS terá dito igualmente, confirmou o Observador, que se deveria pensar em equiparar as regras processuais penais das buscas judiciais aos partidos às dos escritórios de advogados.
Montenegro ouviu as ideias de António Costa e apenas se terá pronunciado sobre a clarificação da lei do financiamento dos partidos políticos para dizer que, no seu entender, não era necessária porque a lei já permitia a situação sob escrutínio do Ministério Público. Contudo, o líder do PSD garantiu que avaliaria a matéria quando o PS avançasse com a sua proposta. Uma resposta diplomática para não dizer logo “não”.
Confrontados pelo Observador com estes factos, António Costa e Luís Montenegro não quiseram esclarecer o conteúdo da conversa que tiveram no dia 13 de junho.
João Torres foi o primeiro a falar em equiparar buscas nos partidos às dos escritórios de advogados
Desde o momento em que foi divulgada a realização de buscas judiciais ao PSD e a Rui Rio, vários dirigentes do Partido Socialista manifestaram publicamente o apoio a uma alteração legislativa das normas que regem o financiamento partidário, para clarificar a legalidade de procedimentos que foram seguidos pelo PSD — procedimentos esses que o PS e outros partidos políticos também adotam, tal como o Observador já mostrou.
Um deles foi o secretário-geral adjunto do PS, João Torres, que a 14 de julho disse que o PS iria tomar “a iniciativa para esclarecer de forma absolutamente clara e de forma cabal que essa possibilidade [gestão integrada de recursos entre partidos e grupos parlamentares] é uma possibilidade que resulta da lei de financiamento dos partidos políticos”.
Torres disse mesmo que o partido apresentaria “uma norma na Assembleia da República nesse sentido, que naturalmente não alterará os limites atualmente fixados para a atribuição de subvenções, quer no caso de partidos políticos, quer no caso de grupos parlamentares”, explicou à RTP.
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Nas mesmas declarações, o secretário-geral adjunto do PS fez ainda saber que o partido pretendia promover uma reflexão no Parlamento sobre as regras das buscas nas sedes de partidos políticos, nomeadamente “tomando como exemplo, porventura de forma até análoga, o que acontece quando há buscas em escritórios de advogados”.
“É um debate que eu acho que deve ser promovido, é uma reflexão que deve ser promovida e que o Partido Socialista lançará também, em momento oportuno, no Parlamento”, enfatizou, numa altura em que tinha sido conhecida a carta enviada pelo PSD à PGR com queixas sobre a “grande desproporcionalidade entre os atos realizados ao abrigo do mandado de busca e o objeto da investigação” que envolve funcionários e ex-dirigentes do partido.
PS vai clarificar lei do financiamento, mas ainda reflete sobre regras das buscas aos partidos
No entanto, o PS ainda não sabe como pretende materializar esta sua intenção de discutir o assunto, sendo apenas certa a clarificação de uma norma da lei de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais.
A favor desta intenção, os socialistas argumentam com as queixas que vieram até do Presidente da República a propósito da falta de clareza da utilização de subvenções do grupo parlamentar para remunerar assessores dos partidos.
Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa admitiu a existência de “uma zona cinzenta na lei” e que “não é muito fácil definir as fronteiras entre o grupo parlamentar órgão do partido e o grupo parlamentar órgão do Parlamento”, admitindo a necessidade de “clarificar em termos de funcionamento e de financiamento o que pode ser e o que não pode ser” feito.
Fonte oficial do PS diz agora ao Observador que o partido “mantém a intenção de apresentar uma norma clarificadora da lei de financiamento dos partidos”, quando questionada sobre este assunto. Mas nada adianta sobre a outra alteração que foi aventada pelo líder, no Conselho de Estado, e pelo secretário-geral adjunto, publicamente, sobre a eventual equiparação entre buscas a partidos políticos e a escritórios de advogados.
Segundo apurou o Observador, nesta matéria, os socialistas cingem-se à tal ideia da “reflexão”, dando antes prioridade à alteração da lei que vai avançar quando o Parlamento retomar a atividade.