Renato Sanches e João Moutinho entraram no onze, Bruno Fernandes e William Carvalho saíram. Diogo Dalot estreou-se, João Palhinha mostrou-se em grande nível e Rui Patrício voltou a corresponder, sobretudo com duas defesas decisivas a remates de Pogba e Griezmann. No fim, Portugal empatou com França, foi um dos melhores terceiros classificados da fase de grupos e conseguiu apurar-se para os oitavos de final do Euro 2020, tendo agora encontro marcado com a Bélgica, em Sevilha, no próximo domingo.
Ora, mas então, o que é que melhorou entre o desastre de Munique e o jogo bem conseguido de Budapeste? Em resumo, melhorou o meio-campo, com Renato e Moutinho, e melhorou a defesa, com compensações aos laterais. Mas para eliminar a Bélgica, que venceu os três jogos do grupo e tem nesta altura uma Geração de Ouro que conta com Lukaku, De Bruyne e Eden Hazard, será preciso melhorar ainda mais noutros setores.
O que melhorou
Renato agradou tanto que saiu com uma ovação. Mas podia oferecer ainda mais
A titularidade de Renato Sanches foi uma novidade muito pouco surpreendente. Depois de ter entrado bem tanto contra a Hungria como contra a Alemanha, o médio do Lille era a alternativa clara a um meio-campo que, com Danilo e William, estava a ser passivo e a ter pouca criatividade. E bastaram três minutos disputados para se perceber essa diferença: nessa altura, com as equipas ainda a encaixar e a dinâmica da partida a formar-se, Renato soltou um passe longo, da zona média para o corredor direito, e ofereceu uma variação de jogo que William não havia sido capaz de demonstrar nas duas primeiras jornadas.
O médio de 23 anos acabou a partida com um remate enquadrado, com 93% de eficácia de passe, com três dribles completos em três dribles tentados, com oito recuperações de bola, três desarmes, três faltas sofridas e ainda duas conduções que levaram os lances rumo à baliza de Lloris. Comparativamente a William, Renato mostrou-se muito mais intenso e agressivo — as tais duas características que Fernando Santos disse que escassearam contra a Alemanha –, ganhou inúmeras bolas através da eficácia de posicionamento e mostrou novamente que está num bom momento de forma. A par de Cristiano Ronaldo, que fez os dois golos da Seleção, o jogador formado no Benfica foi mesmo o melhor elemento da equipa e mereceu em toda a linha a ovação que recebeu dos adeptos portugueses quando foi substituído, já nos últimos minutos.
Ainda assim, e num pormenor que torna Renato uma espécie de paradoxo entre o que melhorou e o que ainda tem de melhorar, o lugar em que o médio do Lille atuou não é o que lhe permite explorar a totalidade das suas capacidades. O jovem jogador jogou muitas vezes quase ao lado de Danilo, tombando sempre mais no lado esquerdo, mas as responsabilidades defensivas que tinha para cumprir nunca lhe permitiram realizar as tão características arrancadas que rasgam defesas e criam oportunidades. Se é certo que Renato deu um dinamismo completamente diferente ao meio-campo português ao atuar nesta posição, também é certo que ter Renato em terrenos mais adiantados ou pelo menos com a possibilidade de se aventurar mais nas saídas com bola é ter a garantia de um fator disruptivo que a qualquer momento pode virar o sentido de um jogo.
Moutinho, o mestre dos atalhos que foi o equilíbrio do meio-campo
Embora menos previsível do que a de Renato Sanches, a verdade é que a entrada de João Moutinho no onze inicial também não foi propriamente uma surpresa. O médio do Wolverhampton foi suplente utilizado contra a Hungria e contra a Alemanha, esteve na conferência de imprensa da passada segunda-feira e, pelo meio, foi muito elogiado por Fernando Santos. O selecionador nacional destacou a inteligência de Moutinho, que não pode ser distanciada da experiência, e o jogador exemplificou isso mesmo contra França.
Na conversa informal que teve com os jornalistas portugueses que estão em Budapeste a acompanhar a Seleção, no passado domingo, Fernando Santos explicou que Moutinho continua a conseguir acompanhar adversários mais rápidos, mais novos e mais frescos porque “encontra atalhos”. O médio do Wolverhampton, que jogou mais descaído na direita do meio-campo, já não consegue oferecer a criatividade e a velocidade de outros tempos mas é exímio na hora de temporizar e segurar a bola. Contra a Alemanha, o principal problema da Seleção foi precisamente não ter bola — com Moutinho, a Seleção não só tem bola como desfruta de um equilíbrio superior no setor intermédio que permite controlar a posse durante largos períodos de tempo (ainda que em terrenos longe do último terço). E, tal como aconteceu com Renato Sanches, também não foi preciso esperar mais do que alguns minutos depois do apito inicial para ver Portugal trocar a bola ao longo de vários segundos e mais de 20 passes. Algo que, contra os alemães e em Munique, esteve sempre muito longe de acontecer.
Desta vez, Semedo e Guerreiro tiveram ajuda
Contra a Alemanha, um dos aspetos mais criticados da exibição portuguesa foi a forma como os quatro golos sofridos surgiram praticamente da mesma maneira: com uma bola nas costas do lateral, sem qualquer compensação por parte de outro jogador. Ora, contra França, Fernando Santos procurou solucionar o problema e encontrar alternativas para parar os passes verticais de Pogba e Tolisso e a velocidade de Griezmann e Mbappé. E acabou por ter sucesso.
Sem bola, Portugal defendia com uma linha de cinco, já que Bernardo realizou uma partida de enorme sacrifício e recuava sempre ao longo do corredor para permitir que Nélson Semedo fosse quase um terceiro central a jogar mais por dentro (como no penálti-não penálti de Mbappé). Do outro lado, Diogo Jota também descia para apoiar Raphael Guerreiro — mas as principais atenções estavam centradas à direita, onde Mbappé estava. Apesar de a Seleção ter permitido duas investidas que deram frutos, no lance da grande penalidade de Semedo sobre Mbappé e no segundo golo de Benzema, a verdade é que a estratégia do selecionador nacional resultou e complicou a tarefa francesa. O que acaba por levantar a questão: o que teria acontecido em Munique, contra a Alemanha, se Bernardo e Jota tivessem descido desta forma para apoiar as laterais da defesa?
Rui Patrício aparece sempre que é preciso
Sem ser efetivamente uma melhoria, porque Rui Patrício não esteve mal contra a Alemanha, a verdade é que o guarda-redes voltou a mostrar que se eleva sempre que assim é necessário. O guardião do Wolverhampton brilhou ao defender um grande remate de Pogba, de fora de área, e no mesmo lance ainda parou a recarga de Griezmann, segurando assim o empate para a Seleção Nacional. Patrício fez uma exibição muito positiva contra França, depois de uma tarde tranquila com a Hungria e outra bastante inglória com a Alemanha, e deixou novamente bastante claro que a baliza portuguesa está em boas mãos.
O que ainda há para melhorar
Ligação entre o meio-campo e o ataque
Portugal marcou duas vezes de grande penalidade e a verdade é que, à exceção de dois cabeceamentos mais perigosos de Cristiano Ronaldo, não criou mais oportunidades de golo. A Seleção continua a ter muitas dificuldades na hora de ligar o meio-campo ao ataque e raramente consegue desenhar jogadas completas, com princípio, meio e fim, preferindo sempre atacar em transição rápida ou de forma mais direta. Bernardo, Jota e Ronaldo estão pouco envolvidos com o resto da equipa e precisam de recuar para ir buscar jogo, sem que existam ligações diretas entre os setores.
O problema foi amenizado contra a França devido às entradas de Renato e Moutinho mas a verdade é que, apesar de estar claramente a ressentir-se de uma temporada esgotante ao serviço do Manchester United, dificilmente Bruno Fernandes voltará a ficar no banco de suplentes. Uma das principais características do médio é precisamente a capacidade de ligação entre o meio-campo e o ataque e sem Bruno, independentemente das bolas que tem perdido e dos dribles que tem falhado, perde qualidade na hora de construir.
Neste capítulo específico, Fernando Santos poderá ter saído do jogo contra França com uma boa dor de cabeça. João Palhinha, que ainda não tinha disputado qualquer minuto no Europeu, entrou bem, recuperou várias bolas e demonstrou uma confiança acima da média. O jogador do Sporting fez uma época muito positiva ao serviço dos leões e parece estar ainda a desfrutar de um claro pico de forma que lhe permite ter certezas do que faz e como faz. Tendo em conta as fragilidades de William, as limitações físicas de Moutinho e a necessidade de jogar com Renato mais à frente, Palhinha poderá ser a solução para atuar mais perto de Danilo e ser um elemento que tanto cumpre defensivamente como oferece critério e verticalidade na hora de soltar o ataque.
Uma equipa formatada para o estritamente necessário
É certo que o apuramento estava praticamente alcançado, que o calor estava intenso, que a partida tinha sido cansativa e que o próprio adversário já não estava a procurar propriamente nada. Mas o último quarto de hora da Seleção Nacional, em que a equipa não se preocupou em atacar ou procurar a vitória e limitou-se a trocar a bola à espera do apito final, demonstra uma certa passividade. Até porque não vencer a França e terminar assim no terceiro lugar do Grupo F, significou cair para o lado mais difícil do esquema: se eliminar a Bélgica, a equipa portuguesa poderá depois encontrar Itália nos quartos de final e cruzar com França ou Espanha nas meias-finais.
Portugal continua a ter uma filosofia resultadista e pragmática e só procura, normalmente, o estritamente necessário. Contra a Bélgica, que venceu os três jogos do respetivo grupo, a Seleção Nacional terá de mudar o chip e ativar o modo eliminatórias. Afinal, uma distração ou um período menos conseguido podem resultar num desvantagem impossível de contornar.
É preciso limitar De Bruyne e não dar espaço a Lukaku
Contra a Bélgica, Portugal poderá adotar uma estratégia de marcação ao homem e preocupar-se principalmente com Kevin De Bruyne, no meio-campo. Todo o jogo da seleção de Robert Martínez passa pelo médio do Manchester City e anulá-lo, logo à partida, é mais do que meio caminho andado para travar a dinâmica ofensiva dos belgas. E é por isso que o espanhol que comanda a Bélgica já experimentou momentos em que coloca De Bruyne como um falso 9 (algo ensaiado por Pep Guardiola no Manchester City) para desviar Lukaku mais para a direita e tirar referências de marcação aos centrais contrários, o que seria um problema extra para Guerreiro.
Por outro lado, a Seleção Nacional terá de estar particularmente atenta às investidas na profundidade e aos passes verticais à procura das arrancadas de Lukaku. O avançado do Inter Milão está num momento de forma positivo, que se estendeu desde o Inter Milão até à seleção, e já leva três golos neste Europeu. Deixar Lukaku com demasiada liberdade, principalmente nas costas da defesa e com espaço para correr, será a um erro ao qual Portugal terá de escapar. Jogue de forma mais posicional ou a cair na direita, é um perigo à solta.