O Monte Belo tardava em chegar. O grupo de curiosos que se havia inscrito em mais uma iniciativa da Ciência Viva começava a juntar-se. O rebocador, qual formiga que ajuda a atracar barcos com mais de 200 metros, chegaria entretanto, pilotado por Manuel Botas. “Ando há 40 anos nesta vida. Comecei aos 14”, contou ao Observador, com uma voz rouca, vivida. O encanto já não é o mesmo de outros tempos. “Nunca fiz mais nada. Já fui mais feliz. Nota-se muito a crise…”
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Colete: check. Capacete: check. Estava na hora. Manuel Botas, o homem do leme, manejava o Monte Belo como se estivesse num parque a estacionar o carro. Parecia fácil. Os motores faziam-se sentir por baixo dos nossos pés, qual mustang pronto para galgar as águas do Tejo. Afinal, falamos de um pequeno barco com mais de 1000 cavalos, que puxa, empurra e trava valentes cargueiros com 5000 contentores, por exemplo. O passeio costuma durar uma hora e meia, com direito a piscar o olho à Praça do Comércio, mas desta vez não seria assim. Este rebocador seria necessário para uma mudança de cais em Santo Apolónia. A viagem teria a duração de 45 minutos.
No grupo de dez aventureiros inscritos estavam três crianças, graúdos e um senhor na terceira idade, porventura aquele a quem mais os olhos brilhavam. “Tenho muita curiosidade em perceber como tudo isto funciona. Quando me disseram que havia uma vaga, decidi em duas horas… timba!”, disse Tiago Rocha, num jeito sereno-entusiasmado. Apenas um garoto na casa dos 16 anos rivalizou com este senhor, no que toca ao interesse e perguntas colocadas aos protagonistas.
Esta era uma iniciativa da Ciência Viva, a agência nacional para a cultura científica e tecnológica, que entre 15 de julho e 15 de setembro organizou e organizará diversos passeios científicos, observações astronómicas, visitas a obras de engenheira, castelos e faróis, por todo o país, sempre acompanhados por especialistas da área. As participações nas ações são gratuitas, sendo que uma ou outra exigem inscrição, tal como esta a bordo de um rebocador.
“Esta é a 19.ª edição, começámos em 1996. Isto é um movimento social, que vive da generosidade das comunidades científicas”, explicou Rosália Vargas, a presidente da Ciência Viva. E continuou: “Há ações que precisam de inscrição e há listas de espera, então já nos acusaram de que isto é só para os amigos; depois, uma vez disseram-nos ‘tirem o nosso faroleiro da vossa página’, tal foi a loucura.” O entusiasmo e a curiosidade eram genuínos. Esta ação num rebocador esgotou e foi apenas mais uma entre 1600 ações agendadas por todo o país. “Vá de férias com a ciência, é este o nosso lema”, disse.
O comandante Eduardo Santos começou por dar as boas-vindas antes da aventura. “Para nós é um prazer. Fazemos isto também com as escolas, pois as pessoas não têm contacto com isto. É importante perceber que existem atividades diferentes e que isto até pode ser uma carreira”, começou por dizer. E rematou, em tom de lamento: “Dizemos que somos uma nação marítima, mas, na prática, não é bem assim.”
O Monte Belo não iria ajudar a atracar o barco com mais de 200 metros de que nos aproximávamos — já lá estava um freguês. Nota: o cargueiro visto a poucos metros é uma enormidade. “Como é que este pequeno barco conseguirá puxar aquilo?”, terão questionado alguns. Mas consegue, e neste caso usaria apenas metade da capacidade de tração, que é 40 toneladas. “Há reboques de todas as dimensões. Quase que podem andar debaixo de água…”, explicou o comandante Eduardo Santos.
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Et voilà! Era tempo de observar a formiguinha a travar o tal cargueiro com mais de 200 metros. Se não o fizesse, o gigante precisaria de cinco quilómetros para parar por si só. Os visitantes entraram no reino de Manuel Botas, o homem que conduzia o Monte Belo. “Deixe-se ficar a sul”, ouvia-se no rádio. A comunicação entre o piloto e os rebocadores que ajudam na manobra é feita em português. O rebocador ajuda a dar a volta, a travar e a juntar o navio ao cais, o que por vezes faz com o nariz (proa), para que os cabos sejam lançados.
É curioso olhar para o GPS. Ali, num ecrã que mais parece um jogo dos antigos Spectrum (lembra-se?!), era possível observar os canais de circulação, as rotas e todos os navios nas imediações. Bastava colocar o cursor em cima da embarcação e logo se sabia tudo sobre a mesma: nome, coordenadas e velocidade. “Antes do GPS, recorríamos à vista ou radar… lá fora tinha de ser pelas estrelas e sol”, explicava o comandante Santos, satisfazendo a curiosidade do jovem que rivalizou com Tiago Rocha, o tal senhor a quem brilhavam os olhos.
O regresso fez-se a alta velocidade. Às 16h30 havia serviço em Santa Apolónia. “Antes faziam-se dez viagens destas em trabalho”, contou Manuel Botas. “Agora tanto podemos fazer oito como uma… quatro é um dia bom.” Chegados ao ponto de partida, junto à ponte móvel da Rocha Conde d´Óbidos, em Alcântara, houve quem quisesse visitar a casa das máquinas. O homem que anda nesta vida há 40 anos não hesitou: “Não podem ir à casa das máquinas! Está muito quente.” Sim, senhor.
Os olhos não saíam do bloco de notas e do homem do leme, que começou a ganhar o gosto por contar a sua história. Já só estávamos nós na embarcação. Quando tentávamos saber mais, tudo… Fomos apressados a sair do barco. Não havia volta a dar: o Monte Belo tinha um trabalho agendado. Subimos umas escadas a correr, ao estilo Indiana Jones em apuros, e chegámos a terra firme. O rebocador consegue travar quase tudo, menos os ponteiros do relógio…