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As lágrimas de Simone e o que elas escondem

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As lágrimas de Simone e o que elas escondem

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Simone Biles e a saúde mental dos atletas. É possível sobreviver à pressão de ser a "melhor de todos os tempos"?

Simone Biles bateu as regras da física e revolucionou a ginástica. Agora, foi-se abaixo mentalmente e admitiu-o em lágrimas. O gesto pode iniciar uma outra revolução: a da saúde mental dos atletas.

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G.O.A.T. A palavra em inglês significa literalmente “cabra” ou “bode”, mas tornou-se um símbolo no desporto que muito poucos têm direito a usar. Sigla para Greatest Of All Times (“O/a melhor de todos os tempos”), já foi aplicada a LeBron James no basquetebol, a Tom Brady no futebol americano e continua a ser disputada no ténis pelo trio Federer-Djokovic-Nadal. Na ginástica artística, contudo, só existe uma G.O.A.T.: é Simone Biles, incontestada. Com 30 medalhas em mundiais e Jogos Olímpicos é, sem margem para dúvidas, a ginasta norte-americana mais medalhada de sempre.

O número de vitórias, aliado ao facto de estar a testar as barreiras do seu próprio desporto, fazem com que Biles seja elogiada unanimemente. E a própria decidiu assumir esse título de G.O.A.T. em 2019, ao passar a usar um fato com um pequeno bode desenhado em cristais. “Toda a gente pode dizer que és boa. Mas quando é a própria pessoa a reconhecê-lo, parece que deixa de ser fixe. E eu quero que os miúdos aprendam que sim, pode-se reconhecer que se é bom ou até que se é ótimo em alguma coisa”, comentou a própria Simone sobre esta decisão.

Com a própria a assumir o favoritismo, os Jogos Olímpicos de Tóquio preparavam-se para ser o local onde Simone Biles ia não apenas continuar a provar que é a Greatest O fAll Times, mas até deixar o mundo de queixo caído ao demonstrar que podia ser ainda melhor — tornando-se a atleta norte-americana mais medalhada de sempre nuns únicos Jogos, caso conquistasse cinco medalhas de ouro neste evento. Nesta terça-feira, contudo, o sonho de atingir esse recorde ficou mais longe. Para surpresa de todos, Biles desistiu da prova por equipas, depois de ter falhado a aterragem num salto. À saída da prova, explicou aos jornalistas que a sua lesão não era física, mas era igualmente grave: “Não confio em mim como confiava antes. Talvez esteja a envelhecer. Há dias em que toda a gente tweeta sobre ti e sentes o peso do mundo. Não somos apenas atletas. Somos pessoas e às vezes temos de dar um passo atrás.” Um dia depois, na véspera da final All Around onde era a grande favorita ao ouro, anunciou que também não iria estar presente e que irá continuar a ser avaliada para perceber se conseguirá participar nas finais de aparelhos.

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Biles respirou fundo
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Correu
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Apoiou-se no aparelho
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Mas falhou a aterragem
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E acabou por cair
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Gymnastics - Artistic - Olympics: Day 4
Agradeceu ao público
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Mas decidiu desistir e foi consolada pela equipa técnica no final
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O passo atrás de Biles foi o de desistir quando tinha a cabeça num turbilhão. O objetivo era o de não forçar e arriscar uma lesão, pondo as cinco provas individuais que se seguem em risco. Ao mesmo tempo, a ginasta que provou ser uma lutadora toda a vida fez aquilo de que só os mais fortes são capazes: admitir quando se está em baixo e se precisa de ajuda. “Sempre que se está numa situação de grande stress, uma pessoa ‘passa-se’. Tenho de focar-me na minha saúde mental e não colocar em perigo a minha saúde e bem estar. É lixado quanto estás a lutar com a tua própria cabeça”, disse, em lágrimas. A equipa técnica apoiou a sua decisão — e toda as atletas norte-americanas terão um dia de “descanso mental” esta quarta-feira antes de voltarem à competição.

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Simone nunca foi uma miúda como as outras — mas queria

Simone Biles nasceu no estado do Ohio, mas hoje vive e treina no Texas. A sua vida foi desde cedo marcada pela adversidade: o pai nunca foi figura presente e a mãe, Shanon Biles, teve problemas com álcool e drogas e acabou por deixar os filhos a cargo do Estado. Todos foram enviados para uma família de acolhimento. Quando Simone tinha cinco anos, ela e a sua irmã Adria foram adotadas pelo avô materno, Ron Biles, e pela sua segunda mulher, Nellie Biles. Desde cedo que Simone os trata por “pai” e “mãe”. E nunca perdeu o contacto com os outros irmãos, um rapaz e uma rapariga, que foram adotados pela sua tia-avó.

"Toda a gente pode dizer que és boa. Mas quando é a própria pessoa a reconhecê-lo, parece que deixa de ser fixe. E eu quero que os miúdos aprendam que sim, pode-se reconhecer que se é bom ou até que se é ótimo em alguma coisa."

Simone não tem grandes memórias dos tempos em que viveu na família de acolhimento, mas partilhou algumas das mais impressionantes no documentário Simone Vs. Herself, atualmente a ser emitido através do Facebook Watch (dois episódios serão lançados já depois dos Jogos Olímpicos e deverão cobrir os acontecimentos destes dias). “Eu e os meus irmãos éramos obcecados por comida, porque tínhamos pouca”, confessou a ginasta. “Lembro-me de ver um gato pela casa. E eu tinha tanta fome. E eles davam comida ao gato e eu pensava ‘Mas onde raio está a minha comida?’ Acho que é por isso que não gosto de gatos”.

Com a família adotiva, encontrou estabilidade. Aos seis anos, numa visita de estudo, experimentou fazer ginástica artística pela primeira vez. Adorou a experiência e pediu à mãe para repetir. Dois anos depois, estava a treinar com Amy Boorman, a mulher que a acompanharia até aos Jogos Olímpicos de 2016. Aos 13 anos, em conjunto com a família e a treinadora, Biles decidiu passar a ter aulas em casa, para se focar na ginástica de elite.

Para uma miúda tão bem disposta e sociável como Simone, a adaptação foi dura, mas o sacrifício foi tomado. A sua boa disposição sempre contrastou com os olhos tristes e sorrisos treinados de outras ginastas da sua idade. “Quando estamos a treinar as nossas rotinas, ela é incrivelmente focada e séria. Mas quando estamos a fazer pausas entre exercícios ou a fazer treino específico, ela é uma tonta completa”, revelou a colega — e também medalhada olímpica — Laurie Hernández, numa entrevista à revista britânica The Gentle Woman. “Ela faz com que toda a gente se escangalhe a rir o tempo todo.”

The 2013 P&G Gymnastics Championships, USA Gymnastics National Championships.

Simone Biles começou a competir a nível de elite aos 13 anos. Nessa mesma altura, passou a ter aulas em casa para se concentrar mais nos treinos

Corbis via Getty Images

A tentação de ser apenas uma “adolescente normal” estava sempre lá. À New Yorker, Boorman recordou quando Biles se encantou com um rapaz em 2015, em pleno treino para os Jogos Olímpicos do Rio, e passava o dia a trocar mensagens com ele no Snapchat. A treinadora falou com o rapaz e disse-lhe: “Acho que és um querido, mas se lixas a cabeça dela eu mato-te. Podes fazê-lo depois dos Olímpicos, mas não antes.”

Atualmente, Simone namora com o jogador de futebol americano Jonathan Owens. O facto de ter uma relação com alguém que não é do meio da ginástica não foi por acaso — foi uma escolha consciente. Biles sempre foi talento puro, um diamante em bruto. Levá-la a superar-se fisicamente ano após ano não era difícil. Mas, à sua volta, todos sempre souberam que o mais difícil era garantir o seu equilíbrio mental e emocional. E, à medida que cresceu, ela própria também começou a procurá-lo.

Como Biles virou a ginástica artística (ainda mais) de pernas para o ar

A prova de que Biles é um portento na ginástica artística está no seu percurso dos últimos anos. Não tem só a ver com a quantidade de medalhas — tem também a ver com a dificuldade das rotinas que apresenta, elevando a dificuldade da ginástica artística para patamares nunca antes vistos.

"Lembro-me de ver um gato pela casa. E eu tinha tanta fome. E eles davam comida ao gato e eu pensava 'Mas onde raio está a minha comida?'"

Em 2006, a ginástica artística sofreu uma alteração no seu tipo de pontuação. Ficou para atrás o mítico “10 perfeito” alcançado por Nadia Comaneci em Montréal (1976). Agora, as ginastas recebem duas notas: uma para a execução (que vai até 10) e uma para o grau de dificuldade do gesto técnico executado. Esta última avaliação não tem limite. Ao início, poucos compreenderam que efeito poderia esta mudança ter — “Os adeptos não percebem; 15 em quanto?”, comentou a própria Comaneci com a New Yorker no perfil sobre Biles.

  • Gestos que a tornaram única
    Getty Images
  • A voar na barra
    NOUSHAD THEKKAYIL/EPA
  • Superstars Of Gymnastics
    Nos exercícios de solo
    NurPhoto via Getty Images
  • Ou nas paralelas
    RONALD WITTEK/EPA

Mas eis que apareceu Simone e de repente tudo passou a fazer sentido: as rotinas que a norte-americana fazia eram tão difíceis e incluíam gestos técnicos de dificuldade nunca antes vista que a nota de dificuldade dela passou a destacar-se das restantes. “O código era uma fantasia — um ideal perfeito, mas inatingível”, resumiu à mesma revista Jessica O’Beirne, autora do podcast GymCastic, especializado em ginástica artística. “Depois a Simone nasceu e o código tornou-se realidade.”

Para além disso, aos 16 anos, Simone conseguiu aquilo que muito poucos ginastas se podem gabar de ter feito: criar um movimento novo de dificuldade tal que o próprio gesto técnico ganha o nome do ginasta que o apresentou. Foi assim que, nos Mundiais de 2013, nasceu o primeiro “Biles” (a que se seguiria outro, mais tarde na sua carreira).

Em 2019, Biles apresentou um novo movimento tão complexo na trave que a Federação Internacional de Ginástica decidiu dar-lhe uma nota de dificuldade mais baixa do que toda a gente esperava. O objetivo era o de dissuadir outras ginastas de tentarem replicá-lo, por ser tão perigoso. Esta primavera, Biles tornou-se a primeira ginasta feminina nos EUA a conseguir fazer um “Yurchenko” (gesto que deve o seu nome à atleta Natalia Yurchenko), mas com duas voltas.

É por isto que Simone Biles provocou uma revolução na ginástica artística. Menos focada na elegância ou no sorriso, a norte-americana transformou este desporto numa competição verdadeiramente atlética, onde os limites físicos — e da física — são testados e quebrados recorrentemente por si própria. Simone, no entanto, considera que apenas fez o que lhe competia: tirar vantagem do que a natureza lhe deu — a sua estatura baixa e musculada — e utilizar a força para se destacar. “Temos todas tipos de corpos diferentes e é claro que há elementos que fazemos que são influenciados pelo tipo de corpo que temos”, resumiu em entrevista à Gentle Woman. “Quando se é mais musculada, trabalha-se mais a elegância; quando se é alta e elegante, trabalha-se mais a força.”

Artistic Gymnastics - Rio de Janeiro Olympics 2016
Simone Biles começou a fazer ginástica aos 6 anos
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Gymnastics - Artistic - Olympics: Day 2
Aos 16, já tinha um gesto técnico com o seu próprio nome
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Atualmente, aos 24 anos, pode tornar-se a atleta americana com mais medalhas nuns só Jogos
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A dita elegância sempre foi o ponto mais fraco de Biles. Martha Károlyi, antiga selecionadora norte-americana casada com o famoso Béla Károlyi (ambos acusados de métodos de treino duros e afastados da Federação norte-americana depois de ser tornado público que ambos sabiam do escândalo sexual de Larry Nassar e não o denunciaram), uma vez chamou Simone à atenção por não ter usado um laço no cabelo durante uma prova. Mas qual o valor de um laço no cabelo perante uma mulher que faz um Yurchenko com duas voltas o que só alguns homens conseguem?

“Quando se pensa nas grandes atletas que a antecederam, como Mary Lou Retton ou Nadia Comaneci, geralmente elas moviam-se dentro dos parâmetros do desporto, seguindo as regras — jogando até talvez pelo seguro”, resumiu a jornalista Jemele Hill no documentário sobre Biles. “Acho que ela já deixou o que era seguro para trás há muito tempo.”

Como o caso Nassar fez Simone encontrar “a sua voz”

Em suma, depois de Simone Biles, a ginástica artística nunca mais será a mesma. E a prova disso está no seu papel no famoso caso do médico Larry Nassar, que abusou sexualmente de mais de 500 ginastas e está a cumprir pena de prisão para o resto da vida. O caso ganhou um ímpeto redobrado quando Biles admitiu ter sido também vítima de Nassar.

Inicialmente, conta a própria, estava em negação. Os abusos eram conhecidos e Simone já tinha ouvido histórias de outras colegas — algumas com contornos mais arrepiantes do que o seu próprio caso. Mas, a certa altura, ao ler o testemunho da colega de seleção Maggie Nichols, sentiu o peso do trauma: “Lembro-me de pensar: ‘Eu também tive estes tratamentos. Lembro-me de googlar [a expressão] abuso sexual. Porque eu sabia que havia raparigas que tinham tido situações piores do que as minhas, sabia mesmo. Por isso considerava que não tinha sido abusada, porque não tinha sido ao mesmo nível que elas”, explicou à Vogue, acrescentando que não era a “favorita” do médico.

Larry Nassar. A história do monstro que abusou de centenas de atletas durante mais de 20 anos

Foi então, em janeiro de 2018, que Biles tornou público que também ela tinha sido abusada por Larry Nassar. A decisão demorou a ser tomada porque a ginasta, como em tantos momentos na sua vida, se debateu com a dimensão emocional, como explicou na mesma entrevista: “Não é que eu achasse que comigo era tudo perfeito, mas sentia que a América queria que eu fosse perfeita. Porque quando uma miúda ganha nos Olímpicos, torna-se na ‘namoradinha da América’. E como pode uma coisa destas acontecer à ‘namoradinha da América’? Sentia que estava a desiludir os outros.”

Larry Nassar foi condenado por abuso sexual de cerca de 500 atletas, a maioria adolescentes. Simone Biles foi uma delas

AFP/Getty Images

Dizer em público que também ela foi abusada por Nassar foi, contudo, um ponto de viragem no percurso emocional de Biles. “Encontrei a minha voz. Se consigo ser corajosa o suficiente para falar e se isso ajudar outras sobreviventes e levar outras a falar, então é a coisa certa”, disse.

A partir desse momento, Simone passou a usar a sua voz pública muito mais vezes. Quando uma operação de hacking revelou que Simone tomava uma substância proibida pela Agência Mundial Anti-Doping, Simone explicou que lhe era concedida uma exceção na medicação porque tem Transtorno de Défice de Atenção e Hiperatividade e aproveitou para perguntar “Qual é o problema?” e tirar o estigma à doença. No verão de 2020, quando a morte de George Floyd reabriu a discussão sobre a violência policial contra os negros nos EUA, Biles aproveitou para exigir “justiça para a comunidade negra”: “Quantas vezes é que coisas destas aconteceram antes de termos telemóveis?”, questionou.

"Porque quando uma miúda ganha nos Olímpicos, torna-se na 'namoradinha da América'. E como pode uma coisa destas acontecer à 'namoradinha da América'? Sentia que estava a desiludir os outros."

A atleta descobriu que ser a G.O.A.T. é também ter impacto de cada vez que fala. A Sports Illustrated enumera os casos: depois de denunciar os abusos dos Karólyis, a Federação de Ginástica norte-americana cancelou os contratos com o casal. Quando Biles criticou a presidente da Federação, Kerry Perry, contribuiu para que esta fosse despedida. E quando a ginasta mostrou desagrado com a postura da substituta (Mary Bono criticou a Nike por patrocinar Colin Kaepernick, o jogador que popularizou o gesto de ajoelhar contra o racismo ao início de uma partida de futebol), a própria demitiu-se quatro dias depois.

Esta é a Simone Biles que, quando fala, faz tremer o mundo da ginástica norte-americana. Um poder muito grande mas que, segundo a própria, é exercido com muito controlo. “Sinto que quando estiver fora da ginástica poderei ser uma voz mais ativa”, comenta numa conversa com a ex-colega Aly Raisman, gravada em Simone vs. Herself. Diz, abertamente, que teme ser “castigada” de alguma forma pela Federação se aumentar o tom das críticas.

O adiamento dos Jogos por causa da Covid e a pressão — sempre a pressão

No meio deste turbilhão, chegou outro ainda maior chamado Covid-19. E, com ele, o confinamento que obrigou atletas de todo o mundo a fazerem uma pausa nos treinos. Mais tarde, Simone retomou o trabalho, mas com medo de que os Jogos de Tóquio já não acontecessem. “Se cancelarem os Olímpicos, desisto. Já não consigo fazer mais isto”, desabafa no seu documentário a certa altura. Com 23 anos, Simone sabia que as suas hipóteses de continuar a fazer História no seu desporto estavam a acabar.

Mas Tóquio não foi cancelado, apenas adiado. E esse ano extra afetou e muito a saúde mental de Simone. A primeira vez que falou a sério na possibilidade de desistir foi a 24 de março de 2020, quando o Comité Olímpico confirmou que os Jogos seriam adiados para 2021. Estava no balneário do seu ginásio, como contou à Sports Illustrated. Desfez-se em lágrimas: “Não sei se consigo fazer isto durante mais um ano”, disse ao irmão Ron pelo telefone.

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No entanto, tal foi apenas um desabafo. Simone continuou a treinar e a treinar, incessantemente. O tempo extra até lhe deu mais hipóteses de aperfeiçoar o seu Yurchenko com duas voltas. Mas, como foi desabafando no documentário que fizeram sobre si, a pressão foi fazendo mossa: “Se tivesse de esperar mais um ano teria definitivamente mais problemas na minha saúde mental”, confessou para a câmara. O facto de saber que os seus pais não podiam viajar para Tóquio consigo e assistir às suas provas na bancada, como sempre fizeram, também pesava. “Não me sinto tão no topo do mundo como me sentia no ano passado”, confessou.

Todos os atletas sabem o que é a pressão e como lidar com ela. A pandemia, contudo, trouxe desafios extra. E para Simone, a pressão é a triplicar. “A expectativa em relação a ela não é apenas a de que ganhe. É a de que ganhe e mostre algo novo”, resumiu a jornalista Jemele Hyll. Cecile Landi, uma das atuais treinadoras de Biles, apontou em Simone vs. Herself que o maior problema da ginasta não tem a ver com saltos e aparelhos, força ou elegância: “Ela é quase imparável. Aquilo que a trava é a parte mental.”

"Se tivesse de esperar mais um ano teria definitivamente mais problemas na minha saúde mental (...) Não me sinto tanto no topo do mundo como me sentia no ano passado."

Foi exatamente a isso que assistimos esta terça-feira. Depois de não aterrar bem num exercício, Simone foi-se abaixo. Era exatamente o seu maior medo, como ela já tinha dito: “Hoje em dia, tenho mais medo do que as pessoas vão dizer se eu fizer uma asneira do que se eu fizer tudo bem”. Perante esse cenário, a que somou uma estreia com erros, mas ainda assim perfeita, não conseguiu controlar os nervos e abandonou a competição de equipas.

De seguida, explicou a decisão à BBC, a chorar. Disse que não queria fazer “algo estúpido e acabar lesionada” — minando por completo a possibilidade de obter mais medalhas. “Sinto que o facto de muitos atletas terem falado [sobre saúde mental] ajudou. É tão gigante, são os Jogos Olímpicos. Não queremos sair daqui numa maca”, sublinhou. Disse que queria focar-se na sua saúde mental e que não importa apenas proteger o corpo, mas também a mente. “Não é apenas fazer o que o mundo quer que nós façamos”, acrescentou.

Com os holofotes todos colocados em si, Simone Biles usou a sua nova voz para se juntar ao coro de atletas que têm falado da questão da saúde mental no desporto, como fez recentemente Naomi Osaka (“Os atletas são humanos”, relembrou a japonesa, eleita a estrela deste Jogos mas que também já foi eleita do torneio de ténis). Ninguém sabe como Simone estará quando reaparecer nos eventos desta quinta-feira — ou se irá sequer aparecer. Pode falhar de novo, pode brilhar como antes ou até mais. O seu corpo é uma máquina, perfeitamente oleada. Mas não funciona se a cabeça não estiver no lugar.

Simone faz parte de uma nova geração de atletas que se questiona sobre por que faz desporto de alta competição, com que objetivo e para quem. Como disse numa entrevista recente, tudo se resume à pressão que as expectativas dos outros colocam sobre si própria: “Não faz sentido. Eu costumo dizer ‘Mas quem é que faz este desporto, são vocês ou sou eu?’. Simone Biles já é a G.O.A.T. da ginástica. Talvez tenha chegado a um momento da vida em que sente que já não necessita de o voltar a provar a ninguém.

Artigo atualizado às 8h24 do dia 28 de julho com a informação de que Simone Biles também desistiu da final All Around dos Jogos Olímpicos 

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