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"Se quero fazer um filme sobre como gostava que o mundo fosse, então tem de ter os dois lados, o positivo e o negativo. A tecnologia somos nós, no fundo"
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"Se quero fazer um filme sobre como gostava que o mundo fosse, então tem de ter os dois lados, o positivo e o negativo. A tecnologia somos nós, no fundo"

"Se quero fazer um filme sobre como gostava que o mundo fosse, então tem de ter os dois lados, o positivo e o negativo. A tecnologia somos nós, no fundo"

Eduardo Williams queria "aproximar o mundo". Filmou-o em 360º e fez "O Auge do Humano 3"

É difícil encaixar o cinema do argentino numa definição ou num género. A propósito do novo filme, o realizador falou com o Observador sobre tecnologia, culturas diferentes e do trabalho com Portugal.

Uma câmara 360º, a fazer lembrar os headsets de realidade virtual usados na consolas. Uma espécie de olho que tudo vê e paira entre o Sri Lanka, o Peru e Taiwan, para nos contar a história de um bando de amigos que se encontra e desencontra. Vemos as suas casas (que podem não o ser) e os seus diálogos sobre sonhos e trabalho. Mas vemos tudo isto não com um olhar de espectador sentado à frente de uma grande tela. Vemo-lo com estranheza, somos até capazes de julgar, porque o que está na nossa frente não faz parte de uma “estrutura clássica de cinema”. Porque o Auge Humano 3 de Eduardo Williams, argentino que estreia agora em sala (depois do IndieLisboa) o seu mais recente filme, coprodução com Portugal (e com mais cinco países), é, assume o realizador, uma espécie de “passo seguinte” da sétima arte, quando um filme pode ser um lugar de encontros, entre a fantasia e o realismo.

Eduardo Williams estudou em França, na prestigiada Le Fresnoy — Studio National des Arts Contemporains, onde conheceu o realizador português Ico Costa (vencedor do prémio de melhor longa-metragem no IndieLisboa com O Ouro e o Mundo), que se tornou seu produtor. “Teddy”, como o realizador argentino é apelidado entre os pares e amigos, tem um aspeto franzino, relaxado, de quem não aparenta esconder uma tamanha curiosidade pelo mundo. Estreou El Auge Humano em 2016, realizou outros projetos como Pude ver un puma (2011) e Que caigo? (2013). A rota pelos festivais e os prémios não o impediram de continuar a sentir a tal curiosidade. Nem de continuar a trabalhar com não-atores nos vários países por onde passa temporadas, antes e durante as rodagens. “Valorizo muito a curiosidade quando me ponho a pensar na vida e no tempo. Por isso é que realizo assim. É outra maneira de existir. Entendo-o como trabalho, mas mantenho a curiosidade viva. Os trabalhos que outras pessoas à minha volta faziam eram assassinos dessa curiosidade”, conta em entrevista ao Observador.

Ainda que seja difícil categorizar o seu cinema, há algo que se destaca: o tom esperançoso com que usa a tecnologia para criar um encontro de culturas — ainda que a tecnologia, à medida que o tempo passa, nos vá colocando, cada vez mais, em bolhas digitais. “Se quero fazer um filme sobre como gostava que o mundo fosse, então tem de ter os dois lados, o positivo e o negativo. A tecnologia somos nós, no fundo. Existe essa  ideia sobre a inteligência artificial, por ser tão distante do humano, mas a verdade é que é um produto feito por nós”, diz.

Pode ser complicado atribuir significado a Auge Humano 3 dentro de uma lógica cinematográfica tradicional, porque é suposto cada um de nós construir o seu próprio filme e sentir as marcas da mão humana — na tecnologia, na natureza e nas pessoas. E mesmo depois de Teddy Williams ter passado por Locarno, Toronto ou Cannes, ainda se sente fora da caixa. “Prefiro a sinceridade sobre a história”. Deixemo-lo estar que está bem.

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[trailer do filme “O Auge do Humano 3”:]

O seu filme lembrou-me uma entrevista numa rádio portuguesa sobre um neurologista que trabalha muito com videojogos para encontrar terapias para doenças mentais. O Eduardo não procura tanto uma terapia, mas sim um encontro, entre personagens, culturas e públicos. É uma interpretação acertada?
Sim, pode ser. Claro que não diria que é uma terapia ou uma cura. Era bom, claro. Vejo o meu cinema como um espaço em que as pessoas podem entrar noutro ritmo, um encontro com pessoas com quem não costumamos estar. Antigamente, quando jogava videojogos, via-os como um espaço de escape, mas também de encontro. Outra maneira de ver o mundo que nos rodeia. De ver outras culturas que os espectadores não estão habituados a ver. Usando outro ritmo e pontos de vista diferentes.

O Eduardo costuma trabalhar com atores não profissionais, está aberto ao improviso. Mas, durante a rodagem, intervém muito?
Às vezes, sim. Não intervenho na forma da representação. Tento que estejam relaxados, crio o ambiente em que a relação entre eles seja possível. Em alguns casos, há diálogos escritos, claro, sem grandes alterações. Noutras cenas há improviso, mais liberdade. A maioria está no meio. Gosto de convidar o silêncio para os meus filmes também. Quanto ao movimento, sim, intervenho. De onde e para onde caminham, da sua relação com a câmara. Entre distância e ritmo. Mas falamos, traduzimos em cada idioma dos atores e depois conversamos. Alguns diálogos são estranhos para eles, gosto que não pareçam deles, mas que entendam o que estão a dizer. Porque há textos que vêm de sonhos, são mais abstratos. E há diálogos que eles riscam, porque não entendem e então guardo-os para outros momentos. Apesar dessa intervenção, digo-lhes sempre que tudo o que fazem está bem. Vou depois dando-lhes as frases que são mais importantes para mim. Se alguém stressa muito na rodagem, não dou tantas. É um balanço entre intervenção e não intervenção. É sentir um pouco como nos sentimos juntos.

"Uma das prioridades é estar muito tempo com os atores, mas tudo depende das rodagens. O que limita é a vida de cada pessoa. Porque trabalham, têm ocupações, é difícil terem 100% de disponibilidade. Por vezes, também não é fácil porque, no fundo, juntamo-nos para conversas. Mas é da maneira que trabalho a confiança. A minha e a deles, porque sou tímido quando não conheço alguém."

Viajou pelo Peru ou por Taiwan, culturas completamente diferentes. E há quem não goste de ser “interrompido” por uma câmara de filmar. Que estratégias usa para que estas pessoas façam parte do seu cinema?
Passo um mês e meio em cada país. Há um limite de dinheiro. Por mim, passava mais tempo. Mas não há financiamento para tudo. O tempo vai mudando muito porque depende de como o vou usar. Uma das prioridades é estar muito tempo com os atores, mas tudo depende das rodagens. O que limita é a vida de cada pessoa. Porque trabalham, têm ocupações, é difícil terem 100% de disponibilidade. Por vezes, também não é fácil porque, no fundo, juntamo-nos para conversas. Mas é da maneira que trabalho a confiança. A minha e a deles, porque sou tímido quando não conheço alguém. Assim podem surgir novas ideias e discutimos que filme vamos fazer. É difícil para mim explicar-lhes que filme vou fazer porque a sinopse não é clara nem a história. Explico o que posso vir a querer, mas a dúvida fica sempre. O mais importante é que, quando estamos juntos, entendam o estado de alma, de ânimo, aquilo que me interessa fazer. Era bom conseguir estar mais tempo. Há quem ache que, no Auge Humano 3, peço às pessoas para fazerem a sua vida normal e ponho a gravar. Não é verdade. É tudo bem mais planeado do que parece. Gosto de usar espaços reais porque estão bons e porque nunca intervimos, mesmo que não sejam as casas deles.

Tem mais esperança na tecnologia do que suspeitas? Pode ser poderosa, autoritária, está em quase todas as áreas das nossas vidas. Essa sua esperança é séria ou irónica?
Não estou a brincar, não. Mas, na minha vida, tenho menos esperança na tecnologia. Em cinema também não posso ser totalmente positivo. Mas na vida já temos tantos aspetos complicados que tento ser um pouco mais positivo. É importante estar em ligação com esse lado pior. No final do Auge Humano 3, vemos essa montanha infinita e a câmara cai. Nunca podia ser positivo. Se quero fazer um filme sobre como gostava que o mundo fosse, para isso tem de ter os dois lados. A tecnologia somos nós, no fundo. Existe essa  ideia sobre a inteligência artificial, tão distante do humano, mas a verdade é que é um produto feito por nós. Não está separada. A questão é se tenho esperança na humanidade ou não. Foi por isso que resolvi fazer um filme sobre o lado da humanidade que me dá mais esperança.

Neste filme descobrimos a história de um bando de amigos que se encontra e desencontra. Vemos as suas casas (que podem não o ser) e os seus diálogos sobre sonhos e trabalho

O Eduardo não tem tanta esperança mas o seu cinema sim, é mais isto?
É a parte de mim que tem mais, de facto.

Acredita que o cinema pode aproximar países ricos e países pobres ou, assim que a cortina fecha, quem tem mais, como o bloco europeu ou o americano, não vão querer muito saber sobre personagens que vêm de outros continentes?
Na realidade, faço filmes com a maioria e não com as minorias. Parecem minorias porque as vemos menos em cinema. Mas são a maioria do mundo. Ou seja, é algo normal para mim. Vejo essa questão, por isso, ao contrário. O mundo que mostro é a maioria. Se aproxima ou não, depende, porque a ideia não é mostrar quão mal uns vivem para que outros tenham pena. Interessa-me mostrar todos os temas que estão por dentro dessas personagens. Não ter uma situação económica boa parece que nos impede de falar de outros tópicos da vida. O cinema por vezes faz isso, só dá espaço a países mais ricos para falar dessas questões. E isso afasta quem tem menos. Claro que quem está melhor, fala sobre o que quiser mais facilmente. Sei que sou fantasioso, mas também sou concreto. Não estamos a ocultar nada. Falamos da fantasia de pensamento. Agora, gostava de criar relações. Gostava de aproximar todo o mundo. Os meus filmes têm sido mostrados em alguns festivais, mas também mostrei o Auge Humano 3 no Sri Lanka ou no Peru. Portanto, tenho vários tipos de encontros. Não quero é que essa relação seja feita através da tristeza mas sim pela diversidade de conexões.

Há críticas que dizem que o Eduardo está um passo à frente no que diz respeito ao cinema. E que gosta de trabalhar com imagens não cinematográficas. Admite que procura quebrar barreiras e estruturas clássicas? Foi sempre um objetivo?
No início há a pergunta: para que vais fazer cinema? E porquê? Que sentido tem meter-me nisto se não o sei fazer? Bom, tinha e tenho o meu ponto de vista misturado com o de outras pessoas, metendo improviso pelo meio. Por isso é que vou para países que não conheço. Procuro uma certa originalidade. Gosto de ter bem presente o uso das ferramentas, de como contar a história. Por vezes não tinha resposta para essa pergunta e confiava na minha intuição. Pensava que, se não saísse da norma, tudo iria correr mal. Nunca penso se vou fazer um filme bom ou mau. Prefiro sentir que fiz o que tinha de fazer. Pensar com quem vou comunicar. Daí surgiu uma experiência de usar diferentes câmaras, contactar com diferentes idiomas. A seguir à intuição, vejo o que se passa e tento arranjar um modelo. Gosto dos detalhes, das coisas pequenas que me chamam a atenção e que não carregam uma ideia sobre o mundo.

"Sou muito eclético. Quando há comparações com os meus filmes, não gosto. Não consigo escolher um estilo ou género"

É um ser humano curioso, sobretudo. Como criança também era assim?
Não sei, suponho que sim. Valorizo muito a curiosidade quando me ponho a pensar na vida e no tempo. Por isso é que realizo assim. É outra maneira de existir. Entendo-o como trabalho, mas mantenho a curiosidade viva. Os trabalhos que outras pessoas à minha volta faziam eram assassinos dessa curiosidade. Depende sempre do que se gosta, mas passar tantas horas a trabalhar só um tema não era para mim. Quero sobreviver economicamente e manter esse espírito vivo. Também jogava videojogos, ficava a olhar para as formigas, fazia imensas perguntas aos meus pais. Quero sempre fazer uma pergunta mais, ir mais além. Dar um passo para o próximo pensamento. Assim que comecei a viajar por causa do cinema também fico a pensar mais. Dá-me mais vontade de manter de despertar a curiosidade.

E que cinema o influencia hoje? Tem relação com o que faz? Ou é muito diferente?
Sou muito eclético. Quando há comparações com os meus filmes, não gosto. Não consigo escolher um estilo ou género. Voltando à curiosidade, não gosto que me digam o que está bem e mal, o que se deve ou não fazer. Sobre as formas estabelecidas de fazer. Há muito cinema experimental e de autor que segue essa tendência mais clássica. Prefiro a sinceridade sobre a história.

"No início há a pergunta: para que vais fazer cinema? E porquê? Que sentido tem meter-me nisto se não o sei fazer? Bom, tinha e tenho o meu ponto de vista misturado com o de outras pessoas, metendo improviso pelo meio. Por isso é que vou para países que não conheço. Procuro uma certa originalidade"

Porquê trabalhar com Portugal?
Conhecei o realizador Ico Costa na escola francesa em 2012. Durante um tempo, o Ico quis produzir o meu filme e aceitei. Pareceu-me muito bem. Não escolhi o país, foi o primeiro fundo a que consegui aceder. O difícil é encontrar o primeiro, na verdade. Quando há um é mais fácil aos outros confiarem no cinema que fazemos. Não tenho uma análise concreta sobre o que faz o Instituto de Cinema e Audiovisual. Até porque os meus outros filmes nunca tiveram esse apoio. O Auge do Humano 3 foi o primeiro que teve tantas coproduções. O ICA foi suficientemente aberto para aceitar este projeto. Ter outros filmes é importante, também.

Trabalhou com equipa portuguesa?
Sim, sim. No Sri Lanka e no Peru. Em som e produção. A pós-produção também foi feita em Portugal. Foram vários departamentos. Preciso de passar mais tempo no país.

Descobrir histórias por contar?
Oxalá que sim.

 
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