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RAQUEL MARTINS/OBSERVADOR

RAQUEL MARTINS/OBSERVADOR

Educação e tecnologia: o "Magalhães", o retrocesso e a inovação

O uso da tecnologia na educação traz algum benefício para os alunos, em termos de melhoria da sua aprendizagem? E como é que Portugal se comporta? Ensaio de Alexandre Homem Cristo.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

Num mundo cada vez mais digital e dependente da internet, tornou-se incontestada a necessidade de preparar os alunos para lidar com a tecnologia – dominando as suas vantagens e controlando os seus riscos. O difícil, como sempre, é descobrir-se como. Ideias não faltam, pois claro – cada vez mais as escolas procuram integrar a tecnologia em sala de aula, por exemplo através de tablets que dispensam os manuais em papel. Tal como não faltam, em Portugal e pelo mundo fora, grandes projectos tecnológicos falhados nas suas ambições ou, quando parcialmente bem sucedidos, disponíveis para sacrificar outros aspectos-chave do sistema educativo – por exemplo, ninguém terá esquecido o fracasso associado à distribuição dos computadores Magalhães, durante o primeiro governo Sócrates (2005-2009). Afinal, apesar do interesse que o tema gera, e que é crescente, não parece ter sido ainda encontrada uma fórmula segura para aliar a educação e a tecnologia garantindo que seja simultaneamente benéfica para a aprendizagem, equitativa do ponto de vista das diferenças sociais e sustentável para as contas públicas (a aquisição e a renovação de equipamento têm custos elevados).

Mesmo sem fórmulas vencedoras para implementar, a passagem do tempo trouxe dados que traçam tendências e permitem fixar diagnósticos sobre como cada país tem lidado com o desafio da introdução da tecnologia na educação. Este ensaio debruça-se sobre esses indicadores, que pintam um cenário negativo sobre Portugal – onde, nos últimos anos, se tem regredido em termos de acesso a tecnologia nas escolas. E, também a partir desses dados e estudos publicados, o ensaio tenta responder a uma questão central: por mais inovador e entusiasmante que seja a tecnologia na educação, há evidências de que a sua introdução traga algum benefício para os alunos, em termos de melhoria da sua aprendizagem? Não há respostas absolutas, a não ser a constatação de que o impacto da tecnologia na educação tem sido uma desilusão. Mas se preferir olhar para o copo meio cheio, a resposta é esta: algumas boas práticas alimentam a expectativa de que, em determinadas circunstâncias, o potencial da tecnologia possa ser melhor explorado.

Em casa e na escola: que acesso têm os alunos à tecnologia?

Hoje em dia, nenhum jovem adolescente abdica do acesso à internet. Mas, obviamente, nem todos os jovens têm o mesmo grau de acesso à internet, a começar pelo serviço contratualizado em sua casa ou pelos dispositivos e computadores necessários para a utilizar. Essas diferenças são visíveis entre países, claro, mas também dentro de cada país – e, sem surpresa, os jovens das famílias socialmente desfavorecidas têm menor acesso à tecnologia, na medida em que têm menos recursos para a adquirir. O papel desempenhado pela escola nesta equação passa inevitavelmente por tentar suprir essa desigualdade, proporcionando condições de acesso a todos os alunos, nomeadamente àqueles que mais precisam da escola para lhes proporcionar acesso.

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Comecemos pelos indicadores sobre acesso à tecnologia em casa. Nos últimos anos, o acesso à internet e a computadores em casa aumentou por todo o mundo, Portugal incluído. Na última grande medição da OCDE (publicada em 2015, mas com dados de 2012), a percentagem de alunos de 15 anos com três ou mais computadores em casa era de 37%, um valor que não destoa face aos restantes países da União Europeia (gráfico 1) – embora muitíssimo distante da realidade dos países nórdicos, onde um amplo acesso à tecnologia é quase universal. De resto, a tendência internacional é para que o início da utilização de computadores e de internet se faça até aos 9 anos de idade (gráfico 2), familiarizando as crianças desde cedo com os instrumentos digitais – mais uma vez, nos países nórdicos esse acesso é antecipado e cerca de metade das crianças até 6 anos já utilizou computador ou internet pelo menos uma vez. Aqui, Portugal surge como um dos países europeus onde essa introdução é mais tardia, sobretudo nos computadores – o que sugere que as famílias portuguesas tendem a adiar (dentro do possível) a aquisição desses equipamentos informáticos para uma fase posterior do percurso escolar. Algo que não impede, contudo, que os jovens portugueses de 15 anos estejam entre os que mais tempo passam ligados à internet ao fim de semana (gráfico 3).

Estes primeiros dados têm de ser lidos com a devida prudência e não permitem conclusões definitivas. Por um lado, importa obviamente assegurar que os jovens têm condições de acesso à internet e a computadores em casa – e isso parece estar a acontecer. Por outro lado, importa evitar um certo deslumbramento com a tecnologia e assegurar moderação na sua utilização (na idade e na duração), de modo a que não retire espaço a outras actividades cruciais para o seu desenvolvimento e formação. Por exemplo, os dados da OCDE sugerem a existência de uma relação entre o uso intensivo da internet e problemas de integração na escola ou mesmo desinteresse (medido em atrasos às aulas). Portanto, o fundamental aqui é salientar duas coisas. Primeiro, que a tendência é para o sucessivo aumento do acesso e uso da tecnologia em casa. Segundo, que Portugal está dentro dos padrões internacionais e alinhado com o perfil dos países europeus.

Quando passamos o foco da análise para as escolas, o caso muda de figura – tanto a nível internacional como em Portugal, onde a situação portuguesa se revela particularmente negativa. Na maior parte dos países europeus (e também da OCDE), verificou-se um decréscimo da utilização dos computadores nas escolas. E, em Portugal, esse decréscimo foi particularmente acentuado.

Em média, olhando à diferença de utilização de computadores (desktops) nas escolas para os alunos do 4.º ano (gráfico 4), a taxa portuguesa caiu 15% (valores absolutos) – de 41% em 2011 para 26% em 2016. Houve quem tivesse decréscimos mais significativos no mesmo período (Inglaterra, Irlanda, Itália, entre outros) pelo que esta informação não é, só por si, motivo de alarme. Os problemas começam quando se olham para os outros indicadores mais detalhados e para outras idades. Por exemplo, o decréscimo na utilização de computadores (desktops) nas escolas foi compensado pela utilização crescente de computadores portáteis (laptops ou notebooks)? Em Portugal, não – para os alunos com 15 anos, também aí regrediu (12%) entre 2009 e 2015. O problema é que Portugal é excepção e, no resto do mundo, a utilização desses dispositivos aumentou fortemente nas escolas. Veja-se a Suécia, que aumentou em 42%, e outros países europeus – Finlândia (38%), Grécia (33%), Espanha (24%) e por aí fora.

Ou seja, em Portugal houve mesmo um retrocesso tecnológico nas escolas. Em muitos países, a diminuição no uso de computadores desktop foi colmatada pela substituição de equipamentos laptop. Em Portugal, houve apenas recuo na utilização. É precisamente isso que se constata no índice da OCDE para a inovação tecnológica nas escolas (gráfico 5): Portugal é um dos poucos países que apenas regride, quando, na maior parte dos países se optou por diminuir a utilização de um lado para se aumentar do outro.

Portugal: o retrato de um retrocesso (vertiginoso)

Vale a pena olhar com atenção para o detalhe dos dados comparados, que apresentam um retrocesso importante de Portugal nestes indicadores entre 2011 e 2015/2016, muito mais destacado do que nos restantes países europeus – medidos para os alunos do 4.º ano, uma vez que não foram facultados dados sobre Portugal para o 8.º ano.

Primeiro, olhe-se à dimensão do retrocesso. Diminuiu de forma significativa a percentagem de alunos do 4.º ano que usa tecnologia para exercícios durante as aulas de ciência – de 51% em 2011, passou a 24% em 2015 (gráfico 6). Trata-se de uma diminuição sem paralelo nos restantes países da OCDE, na maioria dos quais, aliás, os índices de utilização aumentaram nesse período. Em valores absolutos, o retrocesso de Portugal é, de longe, o mais acentuado entre países europeus. Não surpreende, portanto, que tenha igualmente caído de forma brusca a percentagem de alunos que recorrem, nas aulas de ciência, ao computador para pesquisar informação – de 69% em 2011 para 51% em 2015. Olhando à matemática, os alunos portugueses aumentaram apenas levemente o seu recurso aos computadores para descobrir informação nova (de 41% para 45%), muito menos do que a esmagadora maioria dos países da OCDE (gráfico 7).

Em leitura, o cenário é similar. A percentagem de alunos portugueses a recorrer a tecnologia para escrever/ler textos nas aulas passou de 59% (2011) para 44% (2016) – que, novamente, é a descida mais acentuada em valores absolutos entre os países da OCDE e em contracorrente, uma vez que a maioria dos países aumenta os seus indicadores (gráfico 6). Aliás, nessa área, Portugal foi dos pouquíssimos países onde caiu a percentagem de alunos que utilizam os computadores para procurar informação (por exemplo, significado de palavras ou de conceitos encontrados na leitura).

O computador Magalhães não serviu como recurso de inovação pedagógica. Houve avarias frequentes nos computadores, falta de assistência técnica, falta de internet de banda larga nas salas de aula. Não houve planificação para a integração da tecnologia nas actividades lectivas existentes e no correspondente currículo. E não houve formação para os professores.

Será motivo para dramatizar? Sim e não. No relatório “Measuring Innovation in Education” (2019), de onde estes dados foram retirados, foi assim que a OCDE apresentou a informação – numa perspectiva temporal, observando principalmente a evolução entre 2007 (para os países com dados), 2011 e 2016. Ora, se essa perspectiva realça um vertiginoso retrocesso do caso português, a situação actual (dados de 2015/2016) nem sempre é assim tão negativa. Por exemplo, olhando aos vários países da OCDE nesse período, constata-se que Portugal ocupa uma posição confortável no caso dos alunos com 15 anos de idade (gráfico 9). Contudo, a situação no 1.º ciclo é bastante pior, colocando o país na cauda da Europa – como se constata na parca oferta de computadores ou tablets para as aulas nas várias áreas disciplinares (leitura, matemática, ciência) (gráfico 8).

A conclusão perante estes dados é, portanto, que tudo depende da perspectiva. Por um lado, deve ser visto com preocupação que Portugal tenha conhecido um retrocesso tão rápido e acentuado desde 2011, no que à utilização da tecnologia em sala de aula diz respeito. Por outro lado, nem todos os ciclos sofrem dos mesmos problemas, sendo de maior preocupação o 1.º ciclo do ensino básico – e não tanto ao nível do 3.º ciclo e secundário. Para os alunos do 4.º ano, Portugal está mesmo na cauda da Europa. Como veremos de seguida, este retrocesso é consequência do fim do programa de distribuição dos computadores Magalhães e de um forte desinvestimento que, se não for contrariado, poderá fazer afundar Portugal (ainda mais) nas comparações internacionais.

Portugal: o que explica o retrocesso nos indicadores? Algum enviesamento estatístico e muito desinvestimento

Quando os indicadores revelam oscilações bruscas nos dados, de tal modo destoadas dos restantes países, é necessária a reflexão sobre o que o poderá justificar – incluindo a dúvida sobre se se estará a medir bem o fenómeno em causa. Felizmente, há respostas para essa reflexão. Infelizmente, não são nada agradáveis.

O primeiro ponto a abordar é simples, mas problemático: a degradação dos indicadores de Portugal reflecte um enviesamento prévio dos dados. Os dados de 2016 comparam com informação referente a 2011, e essa informação foi inflacionada com os computadores Magalhães, que contaram para os estudos da OCDE como equipamento das escolas e não, como efectivamente foram, como computadores dos alunos. Assim, Portugal passou de ter indicadores elevados a nível internacional para uma posição baixa em 2015/2016, quando os alunos já haviam transitado de ciclo (levando consigo os computadores Magalhães). Ou seja, ao contabilizar os Magalhães como equipamento tecnológico da escola, a OCDE apontou Portugal como bom exemplo de apetrechamento tecnológico das escolas – situação que, já então, era fictícia, porque o equipamento não era das escolas. Ora, à medida que o tempo passou, essa ficção manifestou-se nos dados estatísticos. Dito de forma simples e directa: a situação portuguesa não piorou assim tanto, o ponto de partida (que era alegadamente bastante bom) é que havia sido particularmente inflacionado.

Claro que isso não explica tudo. Houve, para além da questão metodológica na recolha dos dados, um real desinvestimento no equipamento tecnológico das escolas no período em análise. Desde logo, o governo PSD-CDS (2011-2015) interrompeu os programas do Plano Tecnológico da Educação, entre os quais do e-escolinha, que consistia na distribuição de computadores Magalhães. Mais até: o governo PSD-CDS extinguiu a Fundação para as Comunicações Móveis, que estava responsável por várias iniciativas do plano tecnológico, indicando que essa deixara de ser uma prioridade política na educação – e, como veremos mais à frente, havia alguma justificação para isso, pois os resultados conhecidos não eram positivos. Mesmo com o actual governo, a situação manteve-se, na medida em que também se mantiveram muitos constrangimentos orçamentais: desde pelo menos 2004 que as verbas executadas nesta área não eram tão baixas (gráfico 10). E, inevitavelmente, a quebra do investimento na área tecnológica das escolas durante estes anos impediu a aquisição de novos dispositivos, a substituição de equipamento obsoleto, a manutenção dos computadores avariados e a garantia de boas condições de acesso às redes e à internet.

Este relato não pode constituir surpresa. É o bê-á-bá do investimento em tecnologia que, sendo um sector constantemente em rápida evolução, obriga a actualização de equipamento e à manutenção do existente – e isso não tem sido feito. E de tal modo não tem sido feito que, já este ano, os directores escolares o assinalaram, em reacção à publicação dos dados da OCDE. “Temos reclamado que façam chegar as novas tecnologias às escolas, com tablets e computadores que possam substituir aqueles que existem e estão obsoletos”, afirmou Filinto Lima, da ANDAEP. Do lado do governo, a resposta é que, “no quadro dos recursos disponíveis, o Ministério da Educação está a investir na rede de internet das escolas e na aquisição de computadores para uso partilhado”. Tradução: não há dinheiro.

Ora, para avaliar as políticas públicas de educação, mais do que aceitar o desinvestimento como uma fatalidade, há que lançar uma pergunta: o governo fez bem em extinguir o Plano Tecnológico da Educação? A pergunta tem uma armadilha, pois quando se discutem medidas governativas surgem sempre opiniões (partidárias) para todos os gostos. Portanto, a abordagem mais segura é olhar para os resultados: sabendo que se tratava de um programa caro (cerca de 400 milhões de euros no total), que impacto teve esse programa, nomeadamente o e-escolinha (computadores Magalhães), que foi elevado a bandeira política do primeiro governo Sócrates (2005-2009)? A resposta tem duas partes. Primeiro, não houve uma real medição do seu impacto – evidenciando tratar-se de um projecto sobretudo político. Segundo, os poucos estudos que procuraram avaliar os seus efeitos nos alunos (geralmente em pequenas escalas) concluíram que a iniciativa foi mal sucedida.

Comece-se pelo início da história. Quando foi lançado, o programa de distribuição de computadores Magalhães para alunos do 1.º ciclo, o âmbito não foi assumidamente educativo, mas sim social. O que estava essencialmente em causa era o acesso à tecnologia, numa fase em que ainda muitas famílias (sobretudo as mais desfavorecidas) não tinham equipamentos modernos para aceder à internet. Isso rapidamente se alterou. No ciclo seguinte, a agulha virou e converteu-se o programa num projecto educativo, que visava melhoria da aprendizagem e desempenhos, através do recurso aos computadores. Perceber estas duas fases conceptuais é crucial para, aos olhos de hoje, avaliar a eventual necessidade de manter em funcionamento este programa.

Do ponto de vista do acesso ao equipamento, é difícil argumentar que, hoje, com a dispersão de dispositivos móveis e acesso à internet (até de forma gratuita em espaços públicos), seja uma necessidade o Estado investir em equipamentos para distribuir às famílias – e se há mais de 10 anos isso até pudesse ser defensável, no momento actual deixou de o ser. Portanto, a questão coloca-se fundamentalmente no ângulo do impacto educativo que a introdução dos Magalhães possa ter tido. Como não houve uma avaliação sistematizada desse impacto, tem de se procurar fontes de informação alternativas, nomeadamente estudos académicos.

Aquele que teve maior impacto no debate público foi um da Universidade Portucalense, que fez analisou a utilização dos computadores Magalhães em contexto de sala de aula. A base foram 682 inquéritos – 400 alunos, 181 encarregados de educação e 101 professores do 1.º ciclo do Ensino Básico no concelho de Matosinhos. O autor, João Paulo da Silva Miguel, que fez o estudo no âmbito do doutoramento em Educação, concluiu que a utilização em sala de aula foi esporádica: “89,1% dos professores, 84,5% dos encarregados de educação e 86% dos alunos consideram que nunca ou raramente o computador é utilizado nas salas de aula”. Ou seja, o Magalhães não serviu como recurso de inovação pedagógica. Porquê? As razões detectadas são diversas. Primeiro, por questões logísticas – avarias frequentes nos computadores, falta de assistência técnica, falta de internet de banda larga nas salas de aula. Segundo, por razões pedagógicas: não houve planificação para a integração da tecnologia nas actividades lectivas existentes e no correspondente currículo. Terceiro, por impreparação dos professores: não houve formação para os professores conseguirem, de forma útil e proveitosa, introduzir os computadores no contexto das suas aulas. Outros estudos, nomeadamente teses académicas, corroboraram estas conclusões, apontando a iniciativa como um fracasso nos seus objectivos.

A pergunta para um milhão de euros: aliar a tecnologia à educação dá bons resultados?

Há 15 anos, a promessa da introdução da tecnologia na educação – leia-se, usar computadores nas salas de aula – surgiu com expectativas elevadas sobre o impacto positivo que teria nos desempenhos dos alunos. Essa promessa motivou, aliás, elevados investimentos por parte dos Estados, como aconteceu em Portugal no programa e-escolinha, que distribuiu computadores Magalhães a alunos do ensino básico. O problema desse programa e de outros do género é que, como hoje se sabe, não funcionaram – ou, no mínimo, ficaram muito aquém das expectativas. Significa isso que não há futuro para a aliança entre a tecnologia e a educação? Nem oito, nem oitenta.

O ponto de partida para qualquer reflexão sobre o impacto da introdução da tecnologia nas salas de aula tem de ser este: após as elevadas expectativas, os resultados foram uma grande desilusão. É esse o mote das conclusões da OCDE, aqui analisadas por Andreas Schleicher (director para a Educação), nas quais se verifica que a maior utilização de computadores não está associada a melhores desempenhos nas avaliações internacionais – por vezes, aliás, sucede o contrário. Os resultados são mistos: se uma utilização intensa está associada a queda dos desempenhos, uma utilização moderada dos computadores pode ter efeitos positivos nos desempenhos escolares. Outros estudos experimentais (e, portanto, muito fiáveis) têm corroborado estas conclusões.

É forçoso reflectir sobre estes resultados e avaliar caminhos futuros. Um deles é baixar os braços e concluir que a aprendizagem requer uma interacção mais constante e aprofundada do aluno com o professor – e que, como tal, mais tempo de tecnologia prejudica por roubar espaço a essa interacção. Outro caminho (que mais peritos partilham) é concluir que a tecnologia pode contribuir para essa interacção, se bem implementada – coisa que não tem acontecido em muitos projectos. A análise do falhanço aponta para a impreparação dos professores (que não foram formados para integrar a tecnologia nas suas aulas) e para a não-adaptação do currículo – basicamente, do ponto de vista pedagógico, fez-se igual ao que já se fazia, mas com computador na sala (em vez de explorar as vantagens próprias da tecnologia). Se assim for, e desde que saiba ajustar-se às necessidades dos professores e alunos, há futuro para a aliança entre tecnologia e educação.

Por um lado, os alunos lêem mais depressa em tablets do que no papel e sentem-se mais confiantes com a aquisição da informação que fizeram. Por outro lado, se não há diferenças em relação à informação mais geral, os detalhes de compreensão são melhor capturados no papel.

Há experiências educativas que, por todo o mundo (mas em particular nos EUA), têm avaliado as diferentes formas de introduzir a tecnologia na sala de aula. Na literatura científica, as vantagens da tecnologia estão documentadas e, como neste estudo (2016) de boas práticas se explica, há formas eficazes de melhorar a comunicação com os alunos (ou os pais), dar mais feedback aos alunos sobre o que precisam de melhorar, avaliar de forma mais rápida os conhecimentos dos alunos ou dar aos professores uma ferramenta para melhorar a gestão do seu tempo. A dificuldade está em sistematizar essas práticas, avaliar o seu impacto e transpô-las em grande escala.

Uma das práticas mais populares (e invejadas como ponto alto de inovação) está no uso one-to-one da tecnologia nas escolas – isto é, escolas que têm um dispositivo por aluno em sala de aula (para acompanhar a lição ou para servir de manual escolar). A revisão da literatura científica sobre os efeitos desta abordagem one-to-one são variados, dependendo também do foco da utilização. No que diz respeito aos desempenhos escolares, os resultados tendem a ser pouco significativos, embora sejam muitos os estudos que detectam efeitos positivos (pequenos) nos resultados escolares – e, por ser em contexto escolar, contribui para anular diferenças sociais no acesso e no à-vontade com que as crianças utilizam a tecnologia. De resto, mesmo que pouco fortes, estes efeitos são positivos se comparados com o impacto de programas em que há um computador para cada 5 alunos – cujos resultados são efectivamente piores. Onde os resultados parecem ser mais claramente positivos é na transformação do ambiente educativo na aula – nomeadamente, fazendo com que os alunos sejam mais activos e se sintam mais empoderados/confiantes das suas capacidades. Nessa linha, constatou-se também que a motivação dos alunos aumentou. Contudo, apesar de os resultados serem, em geral, interessantes, os custos orçamentais associados às abordagens one-to-one são ainda incomportáveis para disseminação na rede pública.

Em Portugal, o foco da tecnologia nas escolas tem sido, em grande medida, sinónimo de iniciativas dispersas pela rede. No sector público, com referência óbvia ao Agrupamento de Escolas de Freixo (Ponte de Lima), que tem um projecto educativo que liga a inovação pedagógica ao uso da tecnologia. No sector privado, com iniciativas de várias escolas, como a Park International School ou o colégio Pedro Arrupe (Lisboa), que optam pelo uso alargado de tablets em sala de aula. E funciona? Não existe ainda avaliação sistematizada do uso da tecnologia nas escolas portuguesas, mas no plano internacional existem vários indicadores relevantes sobre o uso dos tablets para aprender, por exemplo, na leitura. Por um lado, os alunos preferem, lêem mais depressa do que no papel e sentem-se mais confiantes com a aquisição da informação que fizeram. Por outro lado, se não há diferenças em relação à informação mais geral, os detalhes de compreensão são melhor capturados no papel. Nada disto faz o recurso aos tablets melhor ou pior, pois na maior parte dos casos não há diferença relevante nos desempenhos dos alunos (podendo existir noutras dimensões, mas os estudos nem sempre são conclusivos).

A conclusão é que há ainda muito caminho a ser feito mas, apesar de em pequena escala, as boas práticas apontam para pistas a seguir em experiências futuras. Destaque para três. Primeiro: em determinados contextos, a tecnologia consegue alterar o papel do professor, que em vez de transmissor de conteúdo pode assumir-se como facilitador da aprendizagem do aluno, o que permitiria aos professores dedicarem mais tempo a cada aluno individualmente. Segundo: o contexto educativo conta muito e as experiências bem sucedidas são aquelas que colocam a tecnologia ao serviço de uma pedagogia previamente definida – ou seja, a tecnologia tem de ser uma ferramenta e não se pode sobrepor à pedagogia. Terceiro: as condições técnicas contam muito – e o suporte técnico nas escolas tem de estar garantido (o que, inevitavelmente, tem custos).

So what? Quatro pontos-chave para perceber a aliança entre tecnologia e educação

Ponto 1: fora da escola, os jovens portugueses não se distinguem dos de outros países europeus em termos de acesso à internet em casa e em termos de minutos de utilização do computador e dispositivos. Nesse aspecto, a evolução tecnológica chegou a praticamente todos e a massificação dos equipamentos democratizou o seu acesso – embora subsistam diferenças em função do perfil socioeconómico das famílias.

Ponto 2: dentro da escola, desde 2011, observou-se a um retrocesso muito acentuado no acesso e na utilização de tecnologia nas aulas relativas a leitura, matemática e ciências, em particular ao nível do 4.º ano de escolaridade (aquele para o qual existem mais dados disponíveis). Os níveis de oscilação negativa de Portugal nesse período são realmente elevados. Por um lado, a tendência de retrocesso na utilização de computadores é internacional, pelo que Portugal não é aí um caso isolado. Onde se torna um caso isolado é no seguinte: a regra nos vários países tem sido de diminuição no uso dos computadores para progressiva substituição de equipamento (laptops, tablets, notebooks), sendo que Portugal regrediu em ambos os tipos de dispositivos.

Ponto 3: o retrocesso explica-se por duas razões. A primeira é que houve um certo enviesamento inicial nos dados, tendo os computadores Magalhães contado como computadores da escola (e não como computadores individuais), empolando a realidade e o ponto de referência dos dados da OCDE em 2011. A segunda é que houve um grande desinvestimento no plano tecnológico da Educação, logo a partir de 2012 – a começar pelo fim do e-escolinha (Magalhães), programa que foi um fracasso, na medida em que não teve utilização real nas escolas e não contribuiu para a melhoria dos desempenhos escolares – dois aspectos-chave que justificaram a sua implementação e o elevado investimento que este programa representou. O desinvestimento prossegue, ao ponto de os directores escolares se queixarem de os equipamentos informáticos se terem tornado obsoletos.

Ponto 4: em termos de impacto nos desempenhos escolares, a introdução da tecnologia nas escolas tem sido uma desilusão, incapaz de conseguir atingir as expectativas iniciais. De acordo com os dados da OCDE e de inúmeros estudos, não existem efeitos positivos significativos para na introdução dos computadores e tablets nas escolas, quanto aos desempenhos escolares – o que não impede que existam casos de sucesso. Várias experiências internacionais têm sido levadas a cabo, e muitas escolas têm optado por aderir à tendência de introduzir tablets ou computadores portáteis como uma ferramenta diária de trabalho em sala de aula – incluindo em Portugal. As principais dificuldades estão associadas à adaptação da tecnologia, nomeadamente na forma como os professores a utilizam – se fizerem igual, mas com tecnologia, à partida os resultados não serão positivos. Não havendo certezas sobre os efeitos, há dois aspectos que têm sobressaído nos inúmeros estudos. Primeiro, quem aposta na tecnologia como forma de melhoria dos desempenhos escolares tenderá a ficar desiludido. Segundo, a regra de ouro é meter a tecnologia ao serviço de uma pedagogia, e não o contrário – colocar a tecnologia no centro e sacrificar a pedagogia é fórmula certa para o fracasso.

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