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Marta Temido confessa ao Observador que fala com a família e toma um banho frio sempre que chega ao hotel no final do dia de campanha. A candidata do PS acusa Sebastião Bugalho de ser um jovem com “ideias velhas”, mas ressalva que não se trata de um ataque pessoal, já que os ideais são do partido. Tânger-Corrêa recusa falar sobre teorias da conspiração como o plano com amigos americanos, embora confesse estar habituado a guardar informações confidenciais. O candidato do Chega diz que esta é a última campanha que está disponível para fazer e que agora só quer pegar na “malita” e ir para Bruxelas. O Observador desafiou os oito líderes de partidos com assento parlamentar para uma última chamada do dia: sete aceitaram e só Sebastião Bugalho, da AD, não teve agenda para gravar o telefonema.
Na mesma última chamada do dia, João Cotrim Figueiredo explicou que não consegue ler discursos que não seja ele a escrever, pois têm uma música própria. E apela aos ouvintes do Observador: se conhecerem um speech writter, o liberal contrata. Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, confessa que já viveu campanhas mais exigentes e desvaloriza as sondagens que a dão apenas a ela como eleita. João Oliveira revela que as eleições já são uma “brincadeira” para as filhas e fala sobre os conselhos e apoio de Paulo Raimundo e Jerónimo de Sousa.
Franscisco Paupério, do Livre, diz que vai doar o IRS Jovem, caso entre em vigor, a uma associação e admite abdicar de parte do salário de eurodeputado. Confessa ainda que pretende acompanhar os jogos do Sporting junto da comunidade de emigrantes portugueses em Bruxelas e fala sobre o Rui Tavares de cartão que Ricardo Araújo Pereira lhe ofereceu. Já Pedro Fidalgo Marques, do PAN, está sempre preparado para dançar, mas admite abdicar da valsa europeia caso um dia entre em conflito com o partido. Nesse caso, entrega o mandato — não passa a não-inscrito como fez o ex-eurodeputado do PAN, Francisco Guerreiro.
[Ouça aqui o compacto da última chamada do dia de sete candidatos:]
Marta Temido. A candidata que não gosta de “violência” (nem de instabilidade) e toma banhos frios para relaxar
[Ouça aqui a última chamada do dia com Marta Temido:]
– Alô?
– Olá, é a Mariana, do Observador. Chegou agora a Bragança, não é?
– Acabada de chegar ao hotel em Bragança, confirmo. Depois de um dia que começou há alguns quilómetros em Viana do Castelo e que já teve umas quantas paragens.
– Estamos já na segunda semana de campanha. O cansaço já está a pesar ou nem por isso?
– Sim, agora sim. Começa a tornar-se mais exigente e há momentos em que parece que faltam um bocadinho as forças. Há outros em que a gente pensa que é preciso continuar a caminhar e mostrar a nossa energia.
– Dizem-me que come muito pouco na estrada.
– Estou neste momento a comer uns frutos secos. E hoje almocei, o que foi ótimo.
– Já é um progresso. Tem rotinas que consiga manter quando está na estrada? Ou tem a vida do avesso?
– Tenho a vida um bocadinho do avesso, metida dentro de uma mochila. Mas há alguns aspectos que se conseguem manter. Por exemplo, tomar o pequeno almoço e beber alguns cafés. Que vão sendo cada vez mais, de dia para dia.
– O PS também tem tido uma agenda particularmente frenética, não é? Até em comparação com outras campanhas. Por exemplo, há muito contacto de rua. É uma aposta de que gosta, que faz questão de fazer?
– Não consigo imaginar uma campanha sem muito contacto de rua. Se quisermos passar uma mensagem, a única forma, além da comunicação social, é estar na rua e tentar ocupar todos os espaços. Também há os comícios, evidentemente. Mas os contactos na rua são absolutamente essenciais. A capacidade de ouvir as pessoas, embora a um ritmo mais acelerado do que gostaríamos, porque o tempo é sempre pouco.
– Acha que são o seu forte em campanha?
– Não sei se é o meu forte. É uma coisa que gosto muito de fazer. Antes de vir para a política, tenho 20 anos de profissão numa área em que lido muito com as pessoas. Nos hospitais e nos serviços de saúde lidamos muito com as pessoas. Talvez por isso, as pessoas têm-se até admirado por essa dimensão. Mas ela é muito natural e tem muito a ver com esse percurso. Se calhar é por isso que quando dizem que [o ritmo] é muito intenso, para mim é normal. E embora seja difícil, mais tempo houvesse.
No momento em que atende o telefone ao Observador, Marta Temido acaba de fazer duas horas de viagem, de Guimarães, onde decorreu o último comício do dia (terça-feira), até Bragança, onde começará a agenda no dia seguinte. Estes “esticões” não são novidade: são muitos os dias na caravana do PS que acabam tarde e começam cedo, com um frenesim de ações de campanha pelo meio que fazem lembrar mais uma eleição legislativa do que europeia. Aparentemente a candidata não se importa e, mesmo comendo pouco e contando com poucos momentos de pausa, alinha no ritmo frenético, sempre pronta a distribuir mais um folheto ou a prolongar mais uma conversa.
[Já saiu o quarto episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio]
É também por isso que perguntamos a Temido se o seu “forte” é estar na rua, como parece, a julgar por esta primeira semana de campanha. Nos debates e comícios, a socialista parece mais hesitante – a própria disse ter ido “em crescendo” nos confrontos televisivos com os outros partidos – e ainda a cimentar a mensagem sobre Europa que tenta passar. Na rua parece sempre mais à vontade, e neste trecho da conversa explica porquê: a sua experiência profissional passa sobretudo por lidar com pessoas, nos hospitais e na área da Saúde. Daí a sua desenvoltura a fazer conversa com potenciais eleitores, mesmo que nem sempre lhe falem muito de política – mas há muito quem lhe agradeça pelo papel como ministra da Saúde quando anda na rua.
– Estava a falar da sua experiência profissional. E hoje também falou da experiência do PS. Aproveitou para lançar uma farpa à campanha de Sebastião Bugalho, quando disse que não é preciso ser jovem para defender os jovens, sobretudo quando se tem ideias velhas ou princípios velhos. Porquê é que achou importante deixar essa mensagem? Tem feito uma campanha em que tenta evitar ataques muito diretos.
– Sim. A referência foi às ideias e não às pessoas. Há quem seja jovem e tenha ideias velhas. E às vezes é preciso sublinhar isso. Chamar a atenção às pessoas que não é apenas a idade cronológica que é relevante. Há um conjunto de dimensões que são essenciais não só para se ter essa tal jovialidade, mas sobretudo para fazer o mundo andar para a frente. Porque não há nada pior do que uma mentalidade retrógrada.
– Ou seja, acha que Sebastião Bugalho, apesar de ser jovem, tem essa mentalidade?
– É uma questão que não será do candidato ou dos candidatos. É uma questão ideológica, não é? Há partidos que são progressistas. Há outras forças políticas que são mais, agora não as vou chamar pré-históricas… Mas que são mais arraigadas àquilo que é uma agenda mais conservadora. Não há outra forma de o dizer.
– Ainda agora dizia que os ataques não são às pessoas. Acha importante manter essa imagem sua que é mais afetiva e mais empática? Não é tanto de ir propriamente ao choque com outros candidatos.
– Não é uma questão de imagem, é mesmo uma questão de maneira de ser. Se há coisa que me perturba é a violência. E a violência não é só a violência física, é a violência verbal também. Uma coisa é nós às vezes entusiasmarmo-nos e falarmos com mais contundência, até sonora nas palavras. Outra coisa é o ataque pessoal. Isso acho uma coisa insuportável e acho que a política tem de ser feita com elevação. Eu, pelo menos, habituei-me a olhar para uma série de homens e mulheres da política. De Jorge Sampaio a Lurdes Pintassilgo.
Temido tem feito a campanha inteira assente num ponto: a candidata tem uma imagem simpática e empática, que quer preservar, e quer focar-se nos temas europeus – até porque ao seu lado vai tendo outras figuras do PS, incluindo o quase-omnipresente Pedro Nuno Santos, que fazem as despesas do comentário e dos ataques a nível nacional. Temido concentra-se em distribuir cumprimentos pelas ruas e em fazer discursos menos focados no Governo ou nas características pessoais dos outros candidatos.
Aqui, diz que isso se justifica por não gostar de “violência”, citando Jorge Sampaio ou Maria de Lurdes Pintassilgo como exemplos de uma forma correta de estar na política. A campanha segue, do lado de Temido, em modo pacifista: no final da primeira semana até assegurava aos jornalistas que, quando lhe ocorre que os adversários lhe podem fazer algum ataque com más intenções, afasta rapidamente essa ideia da cabeça. Mas a sua crítica à questão das ideias “velhas” e conservadoras é constante e tem servido, de resto, para o PS tentar colar a direita inteira – extrema-direita incluída – numa espécie de um bloco que quer trazer “retrocessos” a Portugal e à Europa.
Um dos grandes lemas do PS para estas eleições é, de facto, o “progresso” por oposição ao “retrocesso”, e é nessa tema que agita um dos maiores papões sobre a AD: a posição da direita sobre os direitos das mulheres, e sobre o aborto em concreto. Apesar de os sociais democratas (e também o Chega) assegurarem que não vão mexer na lei, o PS recorda a cada comício que os direitos nunca estão garantidos e que a resistência da direita em incluir o aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da UE é um sinal de alarme.
– No comício de hoje também tivemos Carlos César a pedir paciência sobre estas eleições. No sentido de estas eleições não significarem, se correrem bem ao PS, que há eleições para o Governo. Acha que o partido está com pressa?
– Como partido democrático que somos, respeitamos os resultados eleitorais. Não andamos em campanha para outra coisa que não seja para estas eleições e com os objetivos de afirmar o nosso projeto europeu. O presidente do partido disse isso de uma forma muito clara, destacando a visão e a orientação para o futuro. Para o partido e também para fora do partido, que é para ser claro. Há por aí quem tenha dito que o PS cria instabilidade. Não cria instabilidade nenhuma. Podemos não gostar ou achar que teria sido melhor para os portugueses se tivesse feito outro caminho, mas respeitamos os resultados eleitorais. Sabemos que há um tempo para governar e há um tempo para ser oposição. Agora, como disse o secretário-geral, neste momento somos oposição e, portanto, temos de ser respeitados enquanto oposição. A oposição tem o seu espaço. Não é uma não existência.
– Antes de se ir deitar ainda consegue ler um bocadinho? Vê notícias, tem alguma coisa que goste de fazer? Ou se vai só desligar?
– Três ou quatro coisas. Todas bastante íntimas. Mas, banho frio. Ajuda bastante a relaxar. Depois, deixar o telemóvel de lado um bocado. Falar com a família. E tentar ler umas linhas.
– Muito bem. Não vou impedi-la mais de descansar. Obrigada.
– É um gosto. Obrigada. Um beijinho e até amanhã.
Carlos César funciona como uma espécie de voz da consciência do PS e, depois de vários dias em que o partido se dedicou com empenho a malhar no Governo, veio à campanha trabalhar na gestão das expectativas socialistas e pedir “paciência” a quem acha que uma vitória nestas eleições pode dar direito a um passaporte direto paras legislativas antecipadas. César deu o mote e, aqui, Temido alinha a 100% com o presidente do PS, rejeitando andar em campanha para “outra coisa” que não sejam as europeias.
A preocupação maior do PS é clara e fica expressa neste telefonema, quando Temido recusa a ideia de que o partido pode “criar instabilidade”. Os socialistas querem a todo o custo evitar a imagem da irresponsabilidade; por isso, Temido lembra aqui que o PS “respeita” os resultados democráticos – a AD ganhou as eleições há apenas dois meses e tem toda a legitimidade para governar – mas que também tem de ser “respeitado” na oposição – fazendo aprovar as suas iniciativas sem ser constantemente acusado de constituir uma força de bloqueio.
Essa preocupação caberá sobretudo a Pedro Nuno Santos, mas, dado que o líder anda quase todos os dias ao lado de Temido e que os temas nacionais são recorrentes na campanha, acabam por também dar trabalho à candidata. A horas de ter de acordar para a primeira ação de campanha, em que estará de novo acompanhada por Pedro Nuno e Carlos César, Temido despede-se contando quais os rituais que marcam as suas noites – incluindo um banho frio, para “relaxar”.
Tânger Corrêa. Vitória por 4 ou 5, a “malita” e o TikTok para a “rapaziada mais nova”
[Ouça aqui a última chamada do dia com António Tânger Corrêa:]
– Olá, boa noite, António Tânger Corrêa.
– Olá, boa noite.
– A campanha está na reta final, o cansaço já aperta?
– Claro, isto tem sido um ritmo bastante elevado, portanto é evidente que dia após dia já começa a moer.
– Tem dito que nos tempos em que fez campanha as coisas não eram como são hoje. O que é que viu diferente desta vez?
– Tudo. O papel da comunicação social não é o mesmo. Obviamente, a tecnologia evoluiu. Antigamente não havia diretos, havia vagamente uns relatos feitos pelos jornalistas que acompanhavam a campanha, mas era uma coisa indeferida quase. Havia fundamentalmente grandes comícios de capital de distrito em capital de distrito, de cidade grande em cidade grande. E não havia este tipo de arruadas. Havia, se houvesse manifestação de rua, umas manifestações mais recheadas. Portanto, era completamente diferente. E o nível também da participação nas campanhas também era diferente. Não havia tantos ataques.
– É muita energia, é isso? É demasiada energia?
– Não, eu acho que é energia mal veiculada muitas vezes. Em vez de procurar tirar um lado positivo, muitas vezes tira-se o lado negativo. E isso eu acho que não é positivo. Mas, enfim, é o que há. É assim que as coisas são.
A campanha está a chegar ao fim, Tânger Corrêa atende o Observador pouco tempo depois de terminar mais uma arruada. Desta vez foi no Porto, na exigente Rua de Santa Catarina. Ele que tantas vezes se tem queixado, em jeito de brincadeira, de que “dão cabo do candidato”. Na comitiva recorda-se que em janeiro, nas legislativas, a comunicação social dava conta de que só havia comícios e que Ventura não estava na rua. Agora, é ao contrário. Comícios são pouquíssimos — o que deixa Tânger mais resguardado nos discursos — e num dia normal tem duas arruadas. Tânger não agradece.
Por várias vezes vai fazendo comparações com o passado, aquele passado em que chegou a fazer campanha na Aliança Democrática original, antes de entrar na vida diplomática. Chega a dizer que era um “dinossauro” atrás da cortina e que, aos 72 anos, essa cortina baixou e tinha um conjunto de câmaras de televisão e microfones apontados. Vai-se queixando que não tem idade para andar a saltar, mas até alinha nas gargalhadas conjuntas. Passado vários dias de estrada já grita “Viva eu” cada vez que ouve um “Viva o Tânger” e atira à falta de humor de outros adversários — diz que faz falta na política, que é preciso ser bem-disposto. E isso Tânger vai sendo: mete-se com os jornalistas e membros da comitiva, todos no Chega parecem gostar dele, e — mesmo que muitas vezes fique atrás das câmaras e nem sempre confortável — faz questão de mostrar um sorriso quase constante. Agora, já só pensa no fim de tudo isto. E nem sequer pondera repetir: “Vou pegar na malita, vou viver em Bruxelas e vou fazer o meu trabalho.”
– Está à espera desse dia?
– Estou sim, senhora.
– Há quanto tempo é que está à espera desse dia?
– Ah, não… mas como assim, de ser eleito?
– Se é um sonho antigo, se é uma coisa que aconteceu recentemente?
– Aconteceu recentemente. Foi meramente uma questão de estar num lugar certo, digamos assim… O André [Ventura] entendeu que eu seria o… Porque eu nunca quis ser deputado na Assembleia da República, nem pensar nisso. No fundo era o único elemento da direção… Tenho experiência internacional, 40 anos de diplomacia e achou o André, achei eu e achou toda a gente.
Há muito que era o “eterno candidato” do Chega ao cargo — e ainda chegaram a ser pensados outros nomes –, mas Tânger Corrêa sempre foi o primeiro referido por todos pela experiência internacional — uma cartada que está sempre pronto a jogar, seja para justificar teorias, seja para desvalorizar o currículo dos adversários nesta área. Aliás, esse trunfo tem-lhe servido para dizer que os adversários têm uma “impreparação total” para os cargos a que se candidatam — chegou mesmo a desafiá-los para um debate em inglês, sugerindo que não estavam preparados.
Antes disso, quando se tornou definitivamente a cara do partido para as eleições europeias, ninguém estava à espera que fosse catalogado como uma pessoa que alinha em teorias da conspiração, que houvesse polémica atrás de polémica, que todas as declarações servissem de arma de arremesso. Mesmo no debate a oito momentos houve em que mais parecia um roast ao candidato do Chega — o próprio disse que foram todos contra ele. Mas o tema foi trazido várias vezes por Tânger Corrêa à campanha, em referências constantes de que os outros o acusam de ser alguém das teorias da conspiração. e mesmo durante uma entrevista à RTP diz que criou estas mesmas teorias. A várias velocidades, na chamada com o Observador, desmentiu que sejam teorias da conspiração, enquanto se foi defendendo ao dizer que há informações a que está habituado que mais vale não chegarem ao público. O que também não chegou a ser conhecido foi o plano secreto que disse ter com amigos americanos, e que até Ventura desconhece, mas esse prometeu revelá-lo quando o presidente do partido for primeiro-ministro.
– Tem sido acusado por alguns adversários de alinhar em teorias da conspiração e até de contribuir para elas…
– Não vou me deixar ir por aí no final da campanha, não. São vocês que chamam teorias da conspiração
–Mas era exatamente isso que eu gostava de lhe perguntar. Porque na RTP disse até que quem faz as teorias da conspiração são os governos e as grandes empresas e que também já as chegou a fazer. Não acha que isto é dar argumentos a quem lhe faz esse tipo de acusações?
– Não, não. Porque, de facto, as coisas são como são, as informações circulam, estou habituado a lidar com informações classificadas e confidenciais e até secretas. Eu não divulguei nenhuma delas… Muitas vezes isso seria, se passasse para o grande público, um choque para o grande público e vinham logo teorias que, de facto, não são.
– Então é aceitável que existam teorias da conspiração?
– Não, não são teorias da conspiração. Teorias da conspiração são os senhores da comunicação social que chamam.
–Mas para que é que servem este tipo de informações?
– Para que é que servem? Como assim? Existe muito tipo de informação que circula. Uns mais sensíveis que outros. Tão simples quanto isso. E pela minha mão passaram muitos e muitos assuntos sensíveis. Eu nem sequer falo neles. Mas vamos falar… Estamos a falar de campanha eleitoral, não vamos entrar por aí. Portanto, vamos falar de assuntos europeus, se não se importa, porque já estou farto dessas conversas.
– Não gosta de ser associado a este tema, é isso?
– Não é associado, acho que as pessoas entenderam mal e acho que já falei o suficiente sobre isso. Portanto, passamos à frente.
O tema entrou na campanha ainda antes desta arrancar, designadamente quando na entrevista ao Observador António Tânger Corrêa alimentou teorias como a de os judeus foram avisados do 11 de Setembro ou que existe uma “Nova Ordem Mundial”. Ao longo da campanha pouco tempo foi tendo para falar, os grandes jantares-comício ficaram reduzidos a três (e num Tânger não esteve porque estava num debate televisivo) e é André Ventura quem fala aos jornalistas. Tânger responde quando os microfones se viram para si, mas pouco, e tentando não estar constantemente a ser associado a esse tipo de circunstâncias. Porém, tal como acaba por dizer nesta chamada, para o candidato do Chega não são teorias da conspiração, apenas estão em causa informações sensíveis que vão passando pelas mãos de quem tem esse poder e que muitas vezes não seriam compreendidas pelas pessoas.
– Assumiu durante esta campanha eleitoral que é normal ter sempre André Ventura ao seu lado, porque sem o presidente do partido até podia ser difícil atingir os objetivos. Como vice-presidente do Chega, considera saudável que a marca Ventura e a marca Chega se confundam ou até que a marca do presidente seja mais forte?
– Considero. O partido nasceu com Ventura, tem cinco anos, foi ele que o desenvolveu. Primeiro foi eleito deputado único, depois foi um grupo parlamentar de 12,agora são 50. E, fundamentalmente, o Chega sem Ventura neste momento não seria o Chega que é. Ele próprio diz que um dia passará o testemunho, mas esse dia está longe ainda de chegar.
– Como vice-presidente do partido não incomoda nada?
– Não, não. Não até porque eu sou um vice-presidente por detrás da cortina, como sempre fui na minha vida. Faço aquele trabalho que normalmente as pessoas não veem, não está exposto às pessoas que normalmente olham para um político.
– E está confortável com isso?
– Muito.
De facto, André Ventura esteve em todo o lado e foi o protagonista da campanha eleitoral do Chega, como se de umas legislativas se tratasse. Se ainda havia expectativa para perceber como é que essa circunstância seria tratada no terreno, os primeiros dias foram bem esclarecedores: é Ventura que segue à frente da comitiva, é Ventura que se desloca para cumprimentar pessoas, para tirar fotografias, é Ventura que provoca burburinho à passagem da comitiva. Para o bem e para o mal, Ventura é Ventura. Há muito que o Chega parece apaziguado com essa realidade, mas esta era uma prova de fogo.
Tânger Corrêa não é um nome qualquer dentro do partido. É o primeiro vice-presidente, tem a tal experiência internacional e foi o primeiro escolhido para protagonizar umas eleições nacionais sem a cara de Ventura. À exceção de eleições autárquicas, esta é a primeira vez que o Chega vai a votos sem ser Ventura a ir a votos e isso foi um desafio. A estratégia foi simples: Ventura aparece nos cartazes ao lado de Tânger ou mantém-se sozinho naqueles com slogans gerais, Ventura está na estrada a toda a hora, Ventura fala com jornalistas, Ventura é a estrela. Tudo normal no Chega, à exceção de, desta vez, Ventura não ser o verdadeiro protagonista. Pelo menos no papel. A questão foi um tema nos primeiros dias e tornou-se normal nos seguintes, principalmente quando o cabeça de lista deu uma espécie de murro na mesa e reconheceu que o Chega até poderia não atingir os objetivos se o presidente do partido não estivesse nas ruas.
Apesar de os dias terem trazido uma postura diferente ao tal “dinossauro” que estava longe de prever toda a agitação de uma campanha eleitoral nos dias de hoje, a verdade é que há um desconforto visível em Tânger que Ventura não tem — e desse trunfo o partido não abdicou. Nem com um vice-presidente como candidato.
– O presidente do partido já disse que pretende vencer as eleições, já disse também que queria ficar à frente do PS, Tânger Corrêa já disse que cinco eurodeputados era bom, seis era excelente. Gostava de lhe fazer uma provocação: o Chega tornou-se no novo PCP e, seja qual for o resultado, nunca perde?
– Não, eu não sou desse género. Eu sou, além de ter sido diplomata, ainda sou campeão nacional em título [em vela], portanto sou desportista de alta competição e nós sabemos perfeitamente quando é que ganhamos e quando é que perdemos. E eu tanto assumo as minhas vitórias como as minhas derrotas.
– Então, para ficar aqui esclarecido: o que é que seria uma derrota e o que é que seria uma vitória na noite eleitoral?
– Uma derrota seria eleger dois deputados, isso claramente seria uma derrota. Agora, se elegermos quatro ou cinco, já não considero de todo uma derrota.
– Mas já chega para ser uma vitória ou fica ali a meio caminho?
– Não, cinco é claramente uma vitória. Quatro é uma estabilização relativamente às últimas eleições legislativas, portanto é uma consolidação. É mais por aí do que outra coisa. Agora, se efetivamente houver aí um golpe de sorte, que o eleitorado decida dar-nos mais qualquer coisa, isso é fantástico.
– A vitória, por enquanto, era um golpe de sorte? Ficar em primeiro?
– Não, ficar em primeiro, quer dizer, posso chamar-lhe golpe de sorte, mas de facto seria à vontade do eleitorado, não é? Essas coisas não acontecem por acaso, acontece porque as pessoas põem o papelinho lá.
O tema marcou a campanha pela indefinição. Tânger Corrêa foi colocando os valores entre os quatro e os seis eurodeputados — os primeiros como uma consolidação do resultado das últimas legislativas, os segundos como um “excelente” resultado. André Ventura, que chegou a pedir a vitória, foi-se readaptando à realidade da campanha, aos números da campanha e atirando que está tudo bem com a discrepância de ambições. Chegou até a dizer que Tânger é mais humilde a pedir, enquanto o próprio candidato dizia que Ventura “é mais novo” e pode apontar para voos mais altos. No fundo, o Chega tem dificuldade em fazer contas porque nas eleições europeias há um círculo único e uma incógnita sobre o que é que isso pode significar para o partido.
Mais do que isso, há a questão da marca Ventura. Se é verdade que a marca Chega e a marca Ventura se confundem e que o Chega fez para que isso fosse mais claro quando o presidente do partido não era o protagonista, também é verdade que até à noite eleitoral há uma apreensão para perceber se a escolha de Tânger Corrêa foi ou não acertada — ou, no mínimo, se o eleitorado do Chega é tão fiel que não quer saber de quem está à frente do projeto e apenas coloca uma cruz no boletim de voto. A juntar a isto, há uma outra questão: André Ventura fez questão de transformar esta campanha eleitoral numa campanha nacional e nem sequer o desmentiu. Justificou que apesar de se tratar de umas europeias a esmagadora maioria da população não está interessada em discutir os temas da União Europeia e que, por essa razão, prefere continuar a falar do que “interessa às pessoas”. E foi essa tese que seguiu em praticamente 100% dos dias: escolheu um tema nacional, falava desse tema nacional e marcava o dia daquela forma. E também aí Tânger fica em segundo plano, já que deixa tudo o que é tema nacional para Ventura.
– Uma das questões que marca estas eleições é a provável viragem à direita do Parlamento Europeu e o que acontecerá às famílias políticas. Sei que não é um tema que não goste muito de falar, pelo menos nos últimos tempos não quis falar sobre isso. Por que é que isto se tornou um tabu para o Chega?
– Não, não é tabu. Não, não, desculpe-me, não é tabu. Nós estamos numa posição em que as coisas estão a movimentar-se. Ainda hoje, o Orbán, que disse que ia aderir ao ECR, pelo menos ao ECR como era, ou pelo menos tinha manifestado essa intenção, disse que era preciso que a direita se unisse e [passou] basicamente a mensagem de que toda a direita se devia unir no Parlamento Europeu. Isto se revela apenas e só uma coisa: é que estão a ser feitas movimentações por partidos grandes dentro da Europa e que estão à espera dos resultados de dia 9 para depois encontrarem, ou não, soluções diferentes das que existem. E nós estamos atentos, muito atentos mesmo, e logo veremos como é que iremos agir uma vez que estejam as cartas em cima da mesa.
– É desconfortável sentar-se ao lado ou ser colado, como tem vindo a acontecer durante a campanha eleitoral, a partidos que não defendem a Ucrânia?
– É a tal história… O Chega defende aquilo que defende, é fiel a si próprio e aos seus eleitores e não saímos daqui. Se eu me sentar ao lado, já me sentei muitas vezes… olhe, eu tinha um vizinho em Belgrado, que era um dos maiores assassinos da história moderna, que era o Arkan, e ele todos os dias dizia bom dia, boa tarde, com um sorriso… e era o meu vizinho, quer dizer, eu não estava sentado ao lado dele, mas vivia costas com costas com ele.
– Mas uma coisa é ser vizinho, outra coisa é convidá-lo para entrar para a sua casa, não é?
– A minha casa é o Chega. O resto, a família política, é a família política.
– Mas este tema pode ou não levar o Chega a repensar?
– O Chega vai repensar, se houver um lugar para repensar. Agora, é evidente que a falta de apoio à Ucrânia, para nós, está fora de questão. Se alguém se sentir incomodado com o nosso apoio, então esse alguém que se manifeste.
– Se no dia a seguir às eleições, António Tânger Corrêa fosse o único com poder na mão, o que é que escolheria para o Chega? Ou o que é que escolheria para as famílias europeias da direita radical e da extrema-direita?
– Não, a extrema-direita não existe, como eu já expliquei. A extrema-direita, que são os neonazis e neofascistas são fundamentalmente originais na esquerda. Portanto, essa narrativa é bom que acabe, porque é errada. Se eu tivesse poder fazia exatamente aquilo que lhe disse: via as cartas que estavam em cima da mesa e decidia. Mas como não vou fazer isso sozinho, faço com o André [Ventura] e com os meus colegas de partido, é isso que vai acontecer.
– Vai esperar para ver.
– Exatamente.
– Mas não acha, como disse há uns dias, que estão a assistir de bancada?
– Estamos, claro, estamos à espera que ponham as cartas em cima da mesa.
O tema das famílias europeias tornou-se um tabu durante a campanha, sempre que havia perguntas havia uma fuga para a frente. Em causa está aquilo que Tânger Corrêa disse ser um cenário onde quase tudo está em aberto: o Chega sair do ID e ir para o ECR, as famílias juntarem ou até ser criada outra família política. As insistências foram muitas, até à boleia de vários partidos do Identidade e Democracia (ID), onde o Chega se encontra, terem demonstrado apoio à Rússia ou, pelo menos, falta dele à Ucrânia. Essa sempre foi uma linha para o Chega, mas foi justificando que nas famílias europeias ou partidos não pensam todos da mesma forma, não votam todos da mesma forma e que, por isso mesmo, o partido manteria em Bruxelas o seu pensamento. Mas esta questão não envolve só o Chega e o cabeça de lista foi dito exatamente isso, que o partido está a “assistir de bancada” (expressão que Ventura não gostou e até contrariou ao enaltecer o poder que o partido tem dentro do ID), e que não há nada que possa antecipar.
Voltando a usar o trunfo da experiência política, Tânger Corrêa argumenta que em política internacional não há “preto e branco”, há zonas cinzentas em que tudo pode acontecer. De resto, chegou a pedir um “cheque cinzento” aos eleitores do Chega, sugerindo que não tem de esclarecer ninguém antes de ir às urnas porque quem vota tem de confiar. Neste caso, confiar em algo que não foi esclarecido e que, nisso Ventura e Tânger concordam, é preciso esperar para ver. As cartas serão colocadas na mesa após as eleições e só aí o partido decidirá sobre o futuro.
A campanha está a chegar ao fim, costuma-se dizer que o Chega é o rei das redes sociais no que toca a partidos. Já criou um Instagram ou vai aproveitar estes últimos dias?
Não, senhora. Vou fazendo com as redes do partido e depois quando chegar a Bruxelas, sim, vou criar um
Instagram e vou atacar as redes sociais, mas com um intuito diferente, que é de ser informado e informar.
– Está prometido que em Bruxelas vai criar um Instagram?
– Está prometido.
– E já agora um TikTok também ou fica-se pelo Instagram?
– Eu acho que o TikTok eu deixo para a rapaziada mais nova.
– Muito obrigada, António Tânger Corrêa.
O Chega é o partido que tem uma presença mais ativa (e reconhecida) nas redes sociais, os jovens falam para Ventura como se de uma popstar se tratasse, tiram fotos, dizem que o conhecem do TikTok, que é o “rei” dessa rede social. Não há quem não o conheça. Tânger Corrêa é o contrário, só usa o Facebook, não tem Instagram nem TikTok. Durante toda a campanha isso foi motivo de brincadeira, tanto que promete ir criar um Instagram quando chegar a Bruxelas. Um TikTok nem tanto, já considera não ter idade para o fazer e deixa para a “rapaziada”. Mais do que ter ou não ter Instagram, a verdade é que Tânger circula numa realidade quase paralela à do partido, em que tudo é pensado para as redes sociais, em que a equipa que trabalha nessa área aumenta a olhos vistos, onde um vídeo ou fotografia tem sempre uma razão de ser. Ninguém esconde dentro do partido que as redes sociais são não só um apoio fundamental para o crescimento do partido como uma ambição para o futuro — de que aqueles jovens em breve serão os eleitores que vão às urnas. Independentemente do impacto mediático, a promessa de Tânger fica feita e vai ser mais um no espaço digital.
João Cotrim Figueiredo. Os preparativos para a festa da IL e as malas prontas para Bruxelas
[Ouça aqui a última chamada do dia com João Cotrim Figueiredo:]
Viva, João Cotrim Figueiredo. Como está?
Olá, boa noite.
Cansado? Décimo dia de campanha…
Um bocadinho. Já pesa, sim. Muitos quilómetros, muitos discursos, muitos eventos.
Passam quinze minutos das onze da noite quando João Cotrim Figueiredo atende o telefone. Para trás tinha ficado um dia particularmente intenso na campanha. Pelo menos, para os padrões do que foi a corrida eleitoral muito própria do cabeça de lista da Iniciativa Liberal. De manhã, uma feira, em Famalicão, teste do algodão para qualquer candidato que se preze. Entre frutas e legumes, uns quantos quilos de cerejas depois, Cotrim superou o teste com facilidade.
Ao final da tarde, uma passeata – chamar-lhe arruada é francamente exagerado – na Foz do Porto. Para contacto com a população faltou isso mesmo: população. As poucas pessoas que interagiram com a IL estavam ou a praticar desporto ou a beber uma cerveja de final de tarde. Mas o partido jogava em casa. Foram sempre simpaticamente recebidos e não faltaram condutores a buzinar em sinal de encorajamento – por pouco, um condutor mais entusiasmado com a comitiva da IL não chocava com outro, não tão interessado nas bandeiras azuis, tal o afã de carregar na buzina.
Por fim, um jantar-comício algumas algumas dezenas de simpatizantes do partido na Afurada, em Vila Nova de Gaia, seguramente um dos jantares mais concorridos desta campanha eleitoral. Um dia que fugiu ao padrão. Houve agenda paralela, pensada para as redes sociais, que exigiu muito do candidato. Ainda assim, a IL escolheu fazer uma campanha de baixa intensidade, essencialmente pensada para ter um momento de declarações à imprensa e outro para alimentar o boneco televisivo do candidato – que ainda conta muito neste campeonato. Dias houve com apenas duas ações públicas. Mas são dez dias de campanha e Cotrim já não vai escondendo alguns sinais de desgaste. Apesar de tudo, está animado.
Por coincidência, ao início do dia, conversámos e disse-me que não estava particularmente satisfeito com os seus discursos. Hoje foi, seguramente, o seu discurso mais aplaudido. Ficou satisfeito?
Fiquei satisfeito. E a razão é simples: hoje consegui ter duas horas e meia para o preparar como deve ser. Os discursos não são só uma questão de mensagem. Têm uma música, têm um ritmo. E acho que funcionou. Já detetei ali três ou quatro sítios onde ainda pode ser melhorado. Portanto, provavelmente, em Lisboa, amanhã [quinta-feira], terá uma opção mais afinada.
Em rigor, o dia do candidato começou em Vila Real, na Quinta do Paço Hotel, num pequeno-almoço com o Observador, que serviu para medir o pulso ao candidato, fazer um balanço da campanha e perceber as perspetivas da Iniciativa Liberal para a noite eleitoral. Nessa conversa, Cotrim fizera confissão curiosa: não estava nada satisfeito com os seus discursos ao longo da campanha eleitoral. Não estavam a provocar o efeito pretendido, queixara-se. Agora, depois da intervenção no jantar-comício em Gaia, João Cotrim Figueiredo é um homem satisfeito – está a falar ao telefone com o Observador depois de ter recebido a sua maior ovação desta campanha.
Ainda assim, ao longo da conversa telefónica, quando desafiado a dizer o que acha que correu menos bem nesta campanha, volta à história dos discursos.”Talvez tivesse reservado mais tempo entre alguns eventos para os poder preparar como deve ser”, diz. “Não consigo fazer discursos que não tenham sido escritos por mim ou, pelo menos, substancialmente a ditar o ritmo. É uma coisa muito pessoal. Portanto, faço aqui um apelo aos ouvintes do Observador: se alguém quiser um bom speechwriter que encaixe no meu estilo, estou a contratar.”
Em Gaia, na verdade, não foi preciso um speechwriter. Cotrim Figueiredo voltou simplesmente às origens. No arranque da corrida eleitoral, o cabeça de lista da Iniciativa Liberal fez um primeiro discurso, em Lisboa, onde, um a um, foi tentando desmontar todos os adversários. À medida que a campanha foi ganhando forma, Cotrim foi oscilando entre críticas circunstanciais a Sebastião Bugalho, referências vagas ao Chega e juras de que não iria fazer uma campanha pela negativa, com picardias. Por muito boas que fossem as intenções do liberal, a verdade é que nenhum outro discurso foi tão bem recebido como aquele que acaba de fazer em Gaia. O liberal recuperou a fórmula mágica e comprovadamente de sucesso: esteve ao ataque.
Chamou à candidatura de Marta Temido “um autêntico deserto” de ideias, confessou, mais uma vez, ter “saudades” do “comentador Sebastião Bugalho”, a quem agora falta “lucidez e assertividade”, referiu-se a Tânger Corrêa como conspirativo e impreparado, deu um chega para lá à ideia de António Costa como presidente do Conselho Europeu, e ainda atirou a Catarina Martins, sugerindo que o Bloco de Esquerda está com tanto medo que teve de “mandar” o fundador do partido para a estrada para “atacar” a Iniciativa Liberal. “Francisco Louçã, vais ter de ficar a falar sozinho. Já estamos noutro campeonato”, chegou a dizer Cotrim Figueiredo.
Os simpatizantes que o ouviam não aplaudiram apenas do bate-boca com os adversários. Nos últimos dias de campanha, o candidato da Iniciativa Liberal começou a assumir, sem grandes rodeios, que o objetivo é mesmo eleger dois eurodeputados. As sondagens reforçaram o ânimo da direção do partido e isso contaminou a campanha. Em Gaia, Cotrim apontou para aí: “Estamos quase a eleger a Ana Martins. A onda está a crescer”. E as massas gostaram.
Falou em ritmo. A história desta campanha começou por ser sobre a necessidade que a IL tinha de eleger um eurodeputado, o objetivo a alcançar. De repente, passou a ser sobre a hipótese de elegerem dois eurodeputados. Como é que isto aconteceu?
Acho que foi da boa campanha. É para isso que elas servem, para explicar ao que vimos e atrair pessoas. É inegável que temos atraído cada vez mais pessoas. Sempre disse que não teria pejo em assumir objetivos superiores, se começasse a ter indicações nesse sentido. Fizemos uma campanha bastante, muito focada naquilo que são as nossas bandeiras e estou muito contente com a recetividade que tivemos.
Cada campanha eleitoral tem uma história e a história da campanha da Iniciativa Liberal era uma: depois de umas eleições legislativas muito difíceis, em que o partido sofreu um abalo anímico, estas europeias eram uma prova de vida. A eventual não eleição de um eurodeputado seria um desastre de proporções épicas. No partido, suspeitava-se que a oposição interna – que existe – estivesse preparada para tentar decepar a atual liderança se o segundo tropeção eleitoral se confirmasse. Cotrim foi o homem escolhido para evitar que a IL entrasse num processo acelerado de autofagia.
A verdade é que a história da campanha foi mudando à medida que os dias foram passando. A corrida que era pela sobrevivência de Rui Rocha e, acredita a linha oficial da IL, pela sobrevivência do próprio partido, passou a ser a corrida pela eleição dois eurodeputados, um cenário que João Cotrim Figueiredo só muito recentemente começou a assumir em público. Todos os vaticínios sobre a crise do partido, sobre as conspirações internas, parecem, pelo menos para já, congelados.
Nem de propósito, o décimo dia de campanha de João Cotrim Figueiredo ficou marcado pela entrada em cena de Tiago Mayan Gonçalves, outrora a coqueluche do partido e agora assumido opositor da linha oficial do partido. Discreto, o antigo candidato presidencial acompanhou toda a passeata na Foz do Douro, e, no final, despediu-se discretamente sem ouvir as declarações de Cotrim aos jornalistas, que quiseram obviamente saber o que pensava Cotrim da presença de Mayan.
“Agradeço a todos as pessoas que vêm mostrar apoio à candidatura e registo que, pelo menos nesta candidatura, estamos todos unidos”. Perante a insistência dos jornalistas, o candidato não deixou de mostrar algum agastamento. Tem sentido que há união por parte da oposição interna à liderança do partido? “Estando na condição de cabeça de lista, não quero dizer absolutamente mais nada sobre isso”, desviou à primeira. Mas tem sentido esse apoio? “Não quero dizer absolutamente mais nada sobre isso”, cortou à segunda. Haveria mais investidas, mas o objetivo era mesmo não deixar Mayan estragar a tarde. A IL está em festa.
Quando desligar o telefone, João Cotrim Figueiredo começará a preparar o regresso à base, Lisboa. O dia passado no distrito do entre Famalicão, Gaia e Porto foi o último a Norte. A partir daí, a caravana da Iniciativa Liberal começará a descer o país. Nos dois últimos de campanha, os liberais já não deixarão o distrito de Lisboa. O objetivo é acabar a corrida eleitoral em crescendo e passar uma imagem de forte mobilização e otimismo. Ana Martins, a açoriana que é número dois da lista, irá juntar-se pela primeira vez à comitiva. Ao telefone com o Observador, Cotrim não esconde que não considera sequer a hipótese de não ser eleito. As garrafas de champanhe dos liberais já estão a refrescar. Resta saber se serão mesmo abertas na noite eleitoral e por quem: direção do partido ou oposição interna.
Estamos quase na noite eleitoral. Já pensou no que vai dizer quando chegar o momento certo?
Não, acho que vamos ter que aguardar pelos resultados, porque o tom e mesmo as perspectivas futuras do que a IL pode fazer no Parlamento Europeu podem variar em função desse resultado. Mas já tenho alguns resquícios daquilo que quero dizer.
Mas terá dois discursos preparados?
Eu penso que serão mesmo três.
Quais, exatamente? Ou para que cenários?
Não, neste momento não posso revelar.
Vamos a uma pergunta mais simples antes de nos despedirmos. Terá mais dois dias de campanha pela frente. No dia de reflexão, arrumada a caravana, a mala desfeita, o que é que pensa fazer?
Tenho uma dívida grande de tempo com a minha família mais próxima, que vou tentar saldar na parte de amanhã, incluindo almoço. Mas ainda não está bem definido. Gostaria que fosse em casa com vários membros da família a cozinhar. Mas à tarde tenho reuniões importantes, porque na terça de manhã tenho que estar em Bruxelas, em reuniões do Partido Liberal Europeu importantes, que não vou ter tempo de preparar no domingo, nem na segunda-feira. Portanto, terá que ser feito no sábado. Não é um dia de reflexão particularmente vazio ou relaxado, mas é assim. O ritmo de quem está na vida política é mesmo este.
Não resisto à provocação, até porque disse que ia aproveitar o domingo para preparar reuniões que terá mais tarde em Bruxelas. Nesta altura do campeonato, não lhe passa pela cabeça não ser eleito nesta altura do campeonato?
Nesta altura, e para ser completamente honesto, já não me passa pela cabeça.
Catarina Martins. A ajuda da Marisa e do Francisco na campanha menos exigente que outras
[Ouça aqui a última chamada do dia com Catarina Martins:]
— Estou sim?
— Está sim, viva, boa noite, Catarina Martins?
— Olá, boa noite.
— Imagino que nesta altura já vá no carro, a caminho de Lisboa, depois do comício que teve esta noite no Porto, não é verdade?
— Sim, sim. Já estamos a ir para Lisboa, tenho de estar lá amanhã bem cedo.
Tem sido uma campanha com muitos quilómetros de estrada para o Bloco de Esquerda. São 23h45 quando Catarina Martins atende o telefone ao Observador a partir do carro. Acabou pouco antes um comício no Porto, provavelmente o mais participado da campanha até então, por uma plateia que aqueceu com o discurso de Francisco Louçã, fundador do partido. Uma parte da equipa fica no Porto, mas a cabeça-de-lista vai a Lisboa porque, na manhã seguinte, tem de estar na TVI para o programa de Cristina Ferreira — e à hora de almoço já estará a regressar ao Porto para a arruada na Rua de Santa Catarina. Ainda assim, apesar das centenas e centenas de quilómetros que já percorreu nesta campanha, garante que o cansaço não se compara ao das campanhas que fez como líder do partido.
Esse legado de Catarina Martins como líder do partido sente-se na rua: em conversa com o Observador, a agora cabeça-de-lista do Bloco de Esquerda às europeias garante que tem sentido um grande carinho das pessoas nas ruas. E diz mesmo que tem ouvido agradecimentos da parte de várias pessoas, que evocam situações pessoais decorrentes de medidas aprovadas durante a governação socialista dos últimos anos por pressão do Bloco de Esquerda — incluindo, por exemplo, as alterações na lei sobre as longas carreiras contributivas ou a proteção na reforma dos trabalhadores das pedreiras.
— Correu bem o comício? Foi importante ter o apoio de Francisco Louçã nesta campanha?
— Foi, claro que sim. Um comício com a Marisa [Matias] e com o Francisco é um momento importante. E no Porto — é o comício do Porto —, acho que foi bastante importante. E acho que as intervenções de todos, mas em particular da Marisa e do Francisco, foram muito importantes nesta campanha, para clarificar o que se tem ouvido durante a campanha, as posições dos vários partidos.
— Já vai a caminho do décimo dia de campanha, que é amanhã. O cansaço já se faz notar? Como é que tem estado?
— Não, estou bem! Na verdade, já tive campanhas mais cansativas, até porque com mais responsabilidades é mais cansativo do que ser cabeça-de-lista. É uma responsabilidade grande, mas é diferente de ser coordenadora e cabeça-de-lista. Portanto, confesso que sei comparar.
— Exatamente, já fez outras campanhas noutro papel, como líder do partido. Qual é que é a maior diferença que está a sentir relativamente a esta campanha em comparação com campanhas que fez, por exemplo, para eleições legislativas?
— As campanhas europeias têm um ritmo menos exigente do que as legislativas, não por vontade do Bloco — e eu julgo que isto acontece com todos os partidos —, mas porque são eleições que acabam por não ter tanta atenção como nós gostaríamos. Em geral, não estou a falar da comunicação social, estou a falar do país. Portanto, isso faz com que sejam eleições com um ritmo um pouco diferente. Gostaria que tivessem um ritmo mais exigente, mais próximo das eleições legislativas, mas é normal. As campanhas correspondem também à atenção que o próprio país tem para os temas europeus. Nós temos tentado, ainda assim, ter uma campanha exigente, bastante presente. Nas europeias está a decidir-se muito do que é a nossa vida coletiva. Portanto, é preciso tentar passar essa mensagem.
— A Catarina tem feito uma campanha muito focada em mostrar exemplos positivos, aquilo que temos de melhor em Portugal, chamar a atenção das pessoas para algumas questões concretas. Por exemplo, hoje dedicou o dia às questões da habitação. O que é que tem sentido nas ruas? Sente que as pessoas reconhecem o seu trabalho do tempo de coordenadora do BE, estão mobilizadas para votar em si?
— Não me posso queixar de falta de simpatia e de reconhecimento popular. Isso julgo que, felizmente, existe. Existe muito carinho e acho que isso é muito importante. A simpatia não são votos, as pessoas depois têm de ir votar! (Risos) Mas tenho sentido esse carinho e esse reconhecimento. Às vezes mesmo pessoas que não dão tanta importância às europeias como nós gostaríamos, sabemos que as europeias são umas eleições em que é preciso fazer um grande esforço de mobilização. Mas uma das coisas que eu mais ouço na rua talvez seja “obrigada”. Sinto que tenho esse reconhecimento e isso é bonito, chega a ser até comovente.
— Obrigada pelo trabalho que fez como coordenadora do Bloco de Esquerda nos últimos anos?
— Sim, por questões diversas. Por questões concretas. Uma senhora, na festa de Matosinhos, pediu para falar comigo para me dizer que tinha tido acesso à reforma com menos penalização por causa das longas carreiras contributivas. Queria agradecer-me isso, às vezes pessoas falam de coisas concretas. Hoje, por exemplo, no comício do Porto, apareceu um senhor que trabalha nas pedreiras para agradecer o que nós fizemos sobre o trabalho das pedreiras. Às vezes, tem a ver com questões muito concretas que as pessoas reconhecem — uma pessoa que foi vinculada graças aos processos de vinculação de precários. Outras vezes, questões mais gerais. As mulheres, muitas vezes, abordam-me por reconhecerem que, por ter tido o papel que tive, a exposição que tive, contribuiu de alguma forma para sentirem que as mulheres ganharam mais espaço público.
A questão dos direitos das mulheres — e em especial o direito ao aborto — entrou em força nesta campanha eleitoral. Depois de, em abril, o Parlamento Europeu ter aprovado a decisão de incluir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, incluindo o direito ao aborto, na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, a França consagrou o direito ao aborto na Constituição. Mas o PPE mostra-se reticente — e, num debate televisivo, Sebastião Bugalho hesitou mesmo na resposta, escudando-se no argumento jurídico da ponderação entre dois direitos, o que lhe valeu fortes ataques da parte de Catarina Martins, que somou esse aos vários temas em que tem acusado a direita tradicional de se aproximar perigosamente da extrema-direita.
— Esse tem sido um tema forte desta campanha, a luta por avanços nos direitos das mulheres. Dezassete anos depois do referendo ao aborto, a Catarina ainda esperava ter de andar numa campanha a falar deste assunto?
— Sim e não. Ou seja, não porque nós queremos que os direitos sejam conquistados, são conquistados e pronto. Temos é de pensar como é que pode ficar melhor, os avanços que falta fazer. Devia ser essa a nossa luta, porque há tanta coisa por conquistar, e não estar a tentar consolidar o que está no passado. Mas a verdade é que nós também sabemos que é sempre preciso proteger os direitos e a tentativa de controlo das mulheres existe sempre. Nós vemos outros países na Europa, aliás, em que os direitos estavam conquistados e o crescimento dos ultra-conservadores pôs esses direitos em causa. E a extrema-direita, em alguns casos, em casos diferentes. Em alguns casos já foi possível reconquistar direitos, também. Mas é um caminho sempre complexo. Não tenho dúvidas de que a afirmação dos direitos das mulheres é um caminho muito difícil e sobre o qual não podemos descansar.
— A propósito desse tema dos direitos das mulheres, mas também de outros, como a imigração ou a questão da habitação, a Catarina tem falado muito do grande perigo da aproximação entre a direita tradicional e a extrema-direita. Mas a verdade é que nas últimas legislativas o Chega já teve mais de um milhão de votos. Tendo já feito várias campanhas eleitorais, nestes últimos dias, ao passar pelas ruas, ao passar pelos mercados, ao conversar com as pessoas, tem sentido um país mais próximo da extrema-direita? Talvez mais revoltado?
— Na verdade, na interação comigo não. Pelo contrário. As pessoas que vêm falar comigo vêm falar preocupadas com esses avanços. Mas não tenho tido interações com pessoas que afirmem uma adesão a esse projeto político, embora, como seja óbvio, elas existem. Mas as pessoas que nos abordam para falar disso, normalmente, é para nos pedir para lutarmos, para não desistirmos, porque não querem recuar. Ou seja, há também talvez — e mais forte — uma certa consciência do perigo pelas pessoas que querem avanços e não recuos. Desse ponto de vista, quando pensamos que no 25 de Abril esteve tanta gente, como houve tanta gente que saiu à rua, que percebeu essa necessidade, há também aqui um toque a rebate anti-fascista. Sinto mais isso do que outra coisa.
— E sente que também há um medo, um temor das eventuais consequências que possam advir, quer para Portugal, quer para a Europa, de um Parlamento Europeu com um grande crescimento da extrema-direita, como se perspetiva — pelo menos olhando para as sondagens?
— Veremos os votos. É verdade que a extrema-direita tem um tempo de antena que nunca nenhuma outra força política teve. São muito financiados, há uma origem de financiamento na Europa, nomeadamente em relatórios do Parlamento Europeu já se detetou que alguma origem desse financiamento até vem da oligarquia de Vladimir Putin. Há também, como sabemos, outros fenómenos de financiamento, que ganharam um espaço que nunca nenhum outro quadrante político. Muitas vezes fala-se das redes sociais ou da internet, mas não é só isso. É também na comunicação social. Veja que eu não consigo falar com a comunicação social sem me perguntarem pela extrema-direita, também. A agenda deles passa a ser omnipresente. Discute-se muito mais as mentiras xenófobas da extrema-direita do que sobre trabalho. Há aqui uma entorse, um deslizamento para a direita, que tem muito a ver com fenómenos vários, incluindo interesses financeiros muito fortes. Em todo o caso, as eleições ainda não foram. A esquerda em todos os países está a fazer, julgo eu, o seu trabalho. As sondagens também indicam que a esquerda é um grupo que pode crescer. Desse ponto de vista, será muito importante nos equilíbrios futuros.
As raízes da União Europeia, que surgiu da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço como resposta aos anseios de paz no período pós-Segunda Guerra Mundial, são eminentemente económicas. Ao longo de décadas, apesar do discurso de uma União Europeia fundada nos valores de uma cultura partilhada, o aprofundamento da integração europeia deu-se essencialmente pela via económica — do mercado único à moeda única. A UE fundada na economia resultou numa disparidade entre países ricos e países pobres, que Catarina Martins tem assinalado em grande parte da campanha eleitoral, durante a qual o Bloco de Esquerda tem atacado especialmente as novas regras de governação económica, que dão flexibilidade à Comissão Europeia para decidir sobre a forma como cada país usa o dinheiro.
Mesmo sendo as eleições europeias aquelas que historicamente têm menos participação eleitoral, Catarina Martins diz-se confiante de que, por razões simultaneamente boas e más, os portugueses estão mais sensibilizados para as questões europeias — e garante também ao Observador que as complexas questões da governação económica, sendo fundamentais para a vida quotidiana dos portugueses, não poderiam ser deixadas de fora da campanha.
— Durante a campanha, também tem falado especialmente contra as novas regras de governação económica da UE. Aliás, tem usado muito esse exemplo para criticar a convergência entre PS, PSD, CDS e IL. Diria que este é para si o grande problema da UE? Ou seja, ser um projeto que continua a focar-se quase exclusivamente em questões económicas?
— As questões económicas determinam a nossa vida. O problema é que as opções são erradas e elas devem ser discutidas. Ou seja, está certo, está certíssimo, quando a União Europeia fez dívida conjunta para lançar o Programa de Recuperação e Resiliência no pós-covid, que veio reforçar zonas do estado social e não só que se percebeu que estavam muito frágeis. Não tem sentido é, depois de fazer esse esforço, voltar atrás e cortar a capacidade de investimento nos estados quando nós continuamos a ter imensas fragilidades — não só Portugal, mas a Europa como um todo — e as crises estão aí. A resposta à crise climática tem de existir. Podemos achar que agora não é uma prioridade, mas com o clima não se negoceia. O aquecimento está a acontecer, a União Europeia está a aquecer a uma velocidade muito mais alta do que outras zonas do planeta. Vamos ter crescentes problemas, ondas de calor e de cheias. Não só não se está a fazer o suficiente — eu diria quase nada — para baixar as emissões, que não estão a baixar, como não se está a adaptar o território. A União Europeia precisava agora de estar a ter um grande projeto e novo investimento no território para criar segurança para as populações. Em vez de fazer isso, criando mecanismos como o PRR, mecanismos de investimento permanentes da União Europeia que permitissem responder a estas questões, voltar a regras que impedem os países de investir é uma absoluta irresponsabilidade. Eu acho bem que as questões económicas tenham uma grande centralidade. O que eu diria é que estas são erradas.
— Eu fazia-lhe esta pergunta porque, às vezes, ao ouvi-la, quer à Catarina quer a Mariana Mortágua, que tem estado muito presente na campanha, a falar do sonho de paz que foi acalentado na criação da UE no período pós-guerra, vinha-me à cabeça aquela célebre frase que é atribuída a Jean Monnet — acho que a frase é apócrifa, na verdade — que dizia que se tivesse de voltar a fazer tudo novamente começava pela cultura em vez da economia. Não sei se concordaria com esta ideia, se há um problema na cultura europeia, que está a ser deixada de lado para nos focarmos em regras orçamentais.
— Repare, a cultura também precisa de investimento. Isso é algo que nós devíamos todos ter aprendido, desde logo, por exemplo, com as próprias regras que os Estados Unidos desenharam quando foi o Plano Marshall para reconstruir a Europa. Também conseguiram, com isso, a sua presença cultural no território europeu. A cultura também é economia.
— Sabemos — e disse-o no início — que as europeias têm habitualmente uma abstenção muito elevada. Tenho reparado que, durante as várias iniciativas de campanha, a Catarina tem procurado explicar o que é que se pode fazer a partir do Parlamento Europeu para contribuir para cada tema. Acredita, pelo que tem percebido nas conversas com quem vai falando, que a mensagem está a passar? Ou acha que a Europa ainda é uma língua estrangeira para muita gente?
— Acho que, por razões boas e más, há uma maior perceção. Boas, por exemplo, por ter-se percebido que ainda bem que houve uma estratégia europeia para ter acesso às vacinas covid, independentemente dos problemas que houve depois com as farmacêuticas, etc. Mas, enfim, a ideia do esforço coletivo — as pessoas percebem que foi importante ele ter existido. Más, porque as pessoas olham para a prestação da casa, sabem o que é a Euribor e sabem que as decisões do Banco Central Europeu podem determinar as suas condições de vida de formas muito radicais. Há pessoas que viram a prestação da casa duplicar. Portanto, acho que essa perceção também existe. Como digo, é preciso, no entanto, nas europeias, fazer também essa pedagogia. Tenho tentado fazê-lo.
— Continuam a sair sondagens que têm apontado todas mais ou menos no mesmo sentido, para a possibilidade de o Bloco eleger só uma eurodeputada. Têm falado sobre isso na caravana? O José Gusmão tem estado permanentemente ao seu lado nesta campanha — têm falado sobre a possibilidade de ele não vir a ser eleito?
— Repare que já vi sondagens para todos os gostos. Como sabe — e, com isto, não quero atacar o trabalho de quem faz sondagens —, é cada vez mais difícil ter uma ideia clara do que vai acontecer. Portanto, tento fazer o nosso trabalho, fazer a campanha, tentar que ela seja o mais esclarecedora possível, mobilizar. Teremos os votos que merecemos.
— Catarina, vou deixá-la porque tem mais 300 quilómetros para fazer esta noite, mas pergunto-lhe só como é que aproveita estas muitas viagens de carro: para descansar ou para trabalhar nas suas intervenções?
— É um bocadinho de tudo, depende do dia, depende da hora e depende do tempo. Agora, neste momento, até chegar a Lisboa, não vou preparar nenhuma intervenção para amanhã. Já estou cansada! (Risos) Tenho tempo, amanhã, para o fazer.
— Obrigado, Catarina Martins. Boa noite e boa viagem.
— Obrigado, uma boa noite.
João Oliveira ainda não tem planos familiares para depois do dia 9 de junho, mas as eleições são já “tema de brincadeira” entre as filhas e as amigas
[Ouça aqui a última chamada do dia com João Oliveira:]
— Estou, João Oliveira, como está? É o Vasco Maldonado Correia, do Observador.
— Viva, tudo bem?
— Está já a caminho do Porto?
— Ainda não, estamos a caminho do jantar. Vamos parar aqui em Montemor.
— Está a voltar de Évora, a sua cidade natal. Era uma passagem obrigatória.
— Exatamente.
— Acha que o distrito o tem deixado ficar mal? É o seu distrito, nas duas últimas legislativas não conseguiram eleger… O que é que se tem passado?
— Estamos em condições de voltar a isso, acho que estamos em condições de dar a volta a essa circunstância e ter aqui um resultado que seja reflexo daquilo que é preciso para o resto do país.
No momento em que atende a chamada do Observador, João Oliveira está a voltar de um comício em Évora. A passagem foi breve — de cerca de duas horas — mas era obrigatória para um filho da terra. As raízes alentejanas são fortes e isso nota-se tanto pelo sotaque como nas expressões populares que vai inserindo no discurso. Ao longo da campanha, tem acumulado uma verdadeira coleção delas. Por exemplo, apelidou os bate-bocas entre os candidatos da AD de “guerras de alecrim e manjerona”, e quando sentiu demasiada insistência dos jornalistas em perguntas sobre a Iniciativa Liberal, sublinhou não querer “perder mais cera com ruídos de fundo”.
Ainda assim, o Alentejo — outrora bastião comunista — não tem confiado o voto à CDU. Por isso mesmo, a caravana comunista não podia deixar de passar nem por Évora nem por Beja, onde foram organizados dois comícios. A maior parte da campanha foi passada à volta do distrito de Lisboa, o que deu uma oportunidade a João Oliveira de cumprir com obrigações familiares. Nesta chamada, o comunista assume ainda não saber como vai articular essa vertente com a vida profissional se chegar a ser eleito para o Parlamento Europeu.
— Já confessou estar muito cansado e tem ainda uma longa viagem pela frente. Onde é que vive com a sua família? Nestes últimos dias em que estivemos muito perto de Lisboa conseguiu dormir em casa?
— Vivo em Azeitão, agora nos últimos dias foi possível ter tempo mais em casa com a família, ainda assim com horários que não são propriamente os horários desejáveis para a vida familiar como ela se quer. Mas tive a oportunidade de estar em casa, com agenda de campanha mais por perto. Agora nestes últimos dias vai ser diferente, vou andar mais para longe, mas depois das eleições tenho de arranjar maneira de compensar estas ausências.
— O João tem filhos?
— Tenho duas filhas.
— De que idades?
— Uma com cinco, outra com quatro.
— Elas já percebem o que está a acontecer, o que o pai está a fazer?
— Elas foram reparando, a partir do momento em que se começou a falar nisso elas foram percebendo que havia ali alguma coisa de diferente em relação ao que é habitual. Nós também fomos explicando na medida em que é possível explicar a crianças de 4 e 5 anos qual é o papel que o pai está a cumprir. Mas pronto, isso já se tornou motivo de brincadeira entre elas e as amigas e acho que é uma coisa que já está mais normalizada.
— A CDU e o próprio João Oliveira falam muito sobre a necessidade de conciliar a vida familiar com a vida profissional. Como é que se faz esse equilíbrio agora durante a campanha? E se acabar por ser eleito para o Parlamento Europeu, como é que vai funcionar?
— Em termos de campanha eleitoral é sempre mais complicado, já tinha a experiência das campanhas anteriores. Mas fora das campanhas eleitorais tem sempre alguma exigência mas é sempre possível conciliar a intervenção política e a intervenção enquanto eleito com a vida familiar no sentido do equilíbrio que tudo isto tem de ter. Há aspetos que são imprescindíveis e que não podem deixar de ser considerados e o equilíbrio com a vida familiar é absolutamente necessário. Para lhe ser sincero relativamente às circunstâncias do exercício do mandato no Parlamento Europeu, ainda não tenho completamente claro o quadro em que isso será feito e as condições em que isso será feito. Sinceramente ainda não tomámos decisões relativamente a essa circunstância, com tudo aquilo que ela implica. A seu tempo há-de ser possível encontrar as soluções para isso.
À data em que a conversa é gravada, Paulo Raimundo só não marcou presença na campanha em três dias. O secretário-geral vai gerindo os timings, particularmente quando sente que deve dar a cara em declarações aos jornalistas, e quando deve deixar que seja João Oliveira a aparecer. Afinal, é ele o cabeça-de-lista às eleições europeias. João Oliveira não é propriamente um novato em campanhas eleitorais, mas no contacto com a população não está tão à vontade como Paulo Raimundo. Juntos, complementam-se bem, contrapondo a energia do secretário-geral com a tranquilidade e amabilidade demonstradas pelo candidato.
Essa presença de Raimundo é “essencial”, como explica João Oliveira. Com o passar dos dias, ambos vão trocando impressões sobre as histórias que conhecem no terreno, no contacto mais direto com as pessoas. O objetivo é perceber se há elementos ou preocupações que merecem uma abordagem diferente por parte dos comunistas.
— Vamos então falar mais concretamente sobre a campanha. Tem tido a companhia de Paulo Raimundo praticamente todos os dias. É uma ajuda importante? Vai-lhe pedindo conselhos?
— É claro que é uma ajuda importante, a presença do secretário-geral na campanha é sempre um fator de qualificação daquilo que estamos a fazer, das ações que estamos a fazer. É um contributo muito importante e é um espaço de intervenção que acrescenta muito ao que vamos fazendo. É um elemento de muita satisfação poder contar com o secretário-geral nestes dias de campanha.
— E vai-lhe pedindo conselhos?
— Vamos trocando opiniões, vamos falando muito um com o outro, até a partir de iniciativas em que não estamos os dois presentes. Ainda hoje tive uma conversa com ele depois de ele ter participado numa ação de campanha em Loures, em que estivemos a conversar sobre alguns contactos que ele fez, algumas das conversas que teve, alguns aspetos que acabam por aparecer mais como elementos de preocupação na vida das pessoas e que justificam uma abordagem mais concentrada nas outras iniciativas. Esse diálogo é absolutamente essencial.
— Teve também a presença de Jerónimo de Sousa na campanha, que significado é que isso teve?
— Sim, é verdade, a presença do meu camarada Jerónimo naquela iniciativa no Parque das Nações foi muito importante, não apenas porque foi de facto uma ação muito grande da nossa campanha com a expressão toda que ela teve, e portanto a presença do Jerónimo deu aí também um elemento acrescentado de dimensão política à iniciativa. Mas o Jerónimo não deixa de ser alguém que está presente no quotidiano da intervenção política do partido. Ele próprio tem tido uma agenda de intervenção na campanha com iniciativas em que tem vindo a participar. Nas circunstâncias em que vai sendo possível, em que nos vamos cruzando, não deixa também de ir havendo essa troca de experiências e de informação sobre aquilo que se vai encontrando. A experiência dele é muito importante em momentos como este de campanha eleitoral. Ajuda também a desbravar caminhos.
A resistência em definir objetivos concretos é uma marca recorrente da campanha. Na chamada com o Observador, o tema voltou a vir à baila, mas com novo “chutar para canto”. O único aspeto que João Oliveira vai definindo como crucial para o dia 9 é o “reforço da votação da CDU, mas mantendo sempre ambíguo o entendimento de como isso se traduz a nível de mandatos. Entretanto, e já depois da gravação desta conversa, o candidato acabou por assumir que a CDU está na luta também pela eleição de Sandra Pereira, nº 2 das listas, mas não deixando de frisar que essa tomada de posição não deve ser confundida com a fixação de um objetivo.
Na reta final da campanha, os comunistas têm feito uma aposta forte no apelo à mobilização dos militantes e simpatizantes. Só com eles, explica, será possível chegar a um resultado que dê força à CDU. E mesmo aqueles que nunca votaram na coligação estão excluídos da equação. João Oliveira tem apostado em navegar nas águas do potencial eleitorado comunista que, tendo votado noutros partidos no passado, não deixa de lado a possibilidade de votar em algo novo. João Oliveira fala-nos sobre uma mensagem que recebeu de uma colega militante do PCP, a propósito de uma amiga que se prepara para votar na CDU pela primeira vez na sua vida. De acordo com o comunista, a principal razão apontada foi a “coragem na defesa da paz”.
Além disso, vários são os apoios que vão sendo anunciados por parte da sociedade civil. No comício em Évora, João Oliveira recebeu um documento com os nomes de centenas de professores e educadores que apoiam a sua candidatura — o que já tinha acontecido com os profissionais de saúde. “Tudo isto são elementos que nos dão uma grande confiança relaticamente ao nosso resultado eleitoral”, refere.
— E numa altura em que a CDU tem tido resultados mais desanimadores, digamos assim, sente uma responsabilidade acrescida de dar uma vitória a CDU? É uma vitória de que a CDU precisa?
— Nós nunca travamos nenhuma batalha eleitoral com a ideia de que são os principais protagonistas que têm a responsabilidade de construir o resultado por si. Nós travamos cada batalha eleitoral com noção da importância do nosso trabalho coletivo e sobretudo desse contacto que não pode ser feito apenas pelos candidatos, tem de ser feito através do contacto de muitos milhares de ativistas pelo país todo, de contacto direto com as populações. É verdadeiramente disso que depende o resultado eleitoral que temos e é também em função dos contactos que vão sendo feitos que nós vamos medindo o pulso à situação em que estamos a intervir. Nesta batalha eleitoral em particular há uma mensagem muito forte, muito distintiva da parte da CDU, sobre questões como os salários, das pensões, da saúde, da habitação, da educação. Aspetos relacionados por exemplo com a produção nacional que marcam o carácter distintivo da CDU. A nossa mensagem é de facto diferente das outras forças políticas, tratando de assuntos que as outras querem remeter para o esquecimento, trazendo para a primeira linha do combate eleitoral no conjunto de questões que todos os dias marcam a vida do país.
— Mas se por acaso não conseguir eleger não sente essa responsabilidade também a nível pessoal?
— Eu naturalmente estou a dar o contributo que posso, hei-de ter a minha quota-parte de responsabilidade nesse trabalho coletivo que se faz com o contributo individual de cada um. Como primeiro candidato da CDU estou a procura dar o contributo da melhor maneira que sei e posso e da forma mais determinada que sei e posso. Mas estou convencido que havemos de ter condições para o resultado da CDU, e isso não será apenas resultado da intervenção do cabeça-de-lista, há-de ser da intervenção dos milhares de ativistas que contribuíram para que assim fosse, sobretudo chegando àqueles que chegaram onde eu não consigo chegar.
Quando o tema é a Ucrânia, João Oliveira perde o tom natural que ia trazendo na conversa e recorre a um discurso institucional mais mecanizado, mais pensado, que tem seguido ao longo da campanha. Recusa sempre o caminho da militarização, frisando que a guerra não se combate com mais guerra, e usa os mais novos como argumento de autoridade. Neste sentido, garante que todos os dias vai notando uma viragem na maneira como as pessoas lhe falam do tema, o que pode significar o inverter de uma tendência que a CDU espera ver crescer: o cartão vermelho à guerra, seja ela em que moldes for ou com as justificações que o Ocidente queira dar.
— Há pouco falou na paz, eu queria abordar também essa questão. É um dos pontos mais polémicos a envolver a CDU, a questão da guerra na Ucrânia. Tendo em conta o consenso que parece existir neste tema, não teme perder votos com a posição neutral que tem sido assumida?
— Se alguém acha que defender a guerra dá votos, é preciso que perceba que pode dar votos mas não dá futuro. A nossa posição é precisamente a oposta: aquilo que dá futuro é defender a paz. Há muita gente que vai começando a perceber que um dos desafios mais urgentes que temos é o da luta pela paz. E a consequência, a firmeza e coragem com que a CDU tem afirmado a necessidade de se encontrarem soluções de paz na Ucrânia, na Palestina, no Iémen e em todas as regiões onde há guerra, é a única solução que serve aos povos e em particular ao povo português. Nós não queremos os nossos jovens sacrificados no futuro como passaram os seus pais e os seus avós pela Guerra Colonial. E essa ação muito clara da CDU na defesa das soluções de paz nas regiões onde há guerra contrariando até o discurso de todas as outras forças políticas à nossa volta. Eu julgo que também marca o carácter distintivo da CDU, em muitas circunstâncias está a abrir consciências e a alertar as pessoas para que o caminho seja esse.
— Permita-me só insistir nesta questão: se a Rússia insiste em manter a guerra na Ucrânia, continuar com esta posição não é estar a ignorar o problema e também os ucranianos que estão a ser atacados?
— Olhe, é precisamente para contrariar isso tudo que é preciso quem defenda a paz. É precisamente para contrariar a realidade que nós já há 2 anos estamos a verificar de forma muito expressiva, dos ucranianos estarem a ser utilizados como carne para canhão numa guerra que não tem solução militar. É precisamente para evitar mais mortes de ucranianos, precisamente para evitar a escalada da guerra inclusivamente até ao ponto de um conflito nuclear como parece estar a ser assumido de maneira ligeira e leviana por vários líderes políticos como um todo. As soluções de paz têm de ser naturalmente discutidas na base de uma solução política negociada, na base de um cessar-fogo imediato e de uma solução que seja aceite por ambas as partes, que envolva também os Estados Unidos e a NATO e a própria União Europeia. O que é que a UE tem feito? O que tem feito é precisamente fomentar a guerra, levar a guerra a uma escalada ainda maior. Aquilo que se exige é que haja no Parlamento Europeu quem diga que o caminho não pode ser esse, tem de ser o da pressão sobre a UE para encontrar uma solução de paz. E mesmo que sejamos nós a falar nisso, não teremos problemas nenhuns em falar disso sozinhos.
— João Oliveira, sobre estas viagens que tem feito um pouco por todo o país… tem conseguido acompanhar o que a comunicação social tira desta campanha, vai lendo por exemplo o Observador? Ou prefere ir desligando dessa parte?
— Confesso que é com muita dificuldade que vou conseguindo fazer esse acompanhamento. Vou procurando ir percebendo o que vai sendo dito e escrito sobre a nossa campanha, mas confesso que não consigo fazer o acompanhamento com a profundidade e proximidade que desejava. Os meus camaradas vão-me ajudando nessa tarefa, vão-me chamando a atenção para a forma como as nossas iniciativas vão sendo tratadas, mas confesso que tenho muita dificuldade em ter esse acompanhamento mais permanente e mais próximo que gostava de ter.
— João Oliveira, não o chateio mais, até porque tem uma longa viagem pela frente ainda. Muito obrigado e bom descanso, até amanhã.
— Não chateia nada. Muito obrigado.
Francisco Paupério. Doar os benefícios do IRS Jovem, ver jogos do Sporting com emigrantes e o destino do Rui Tavares de cartão
[Ouça aqui a última chamada do dia com Francisco Paupério:]
— Olá, boa tarde.
— Olá, Francisco, tudo bem? É o Rui Pedro, do Observador, tudo bem?
— Prazer.
— Francisco, estava a ligar-lhe aqui para a chamada de final do dia. Queria perceber se já terminou o dia de campanha e como é que foi este dia?
— Ainda não terminámos, estamos quase a terminar, mas foi um dia longo. Começámos logo de manhã com uma entrevista com a Cristina Ferreira e o Cláudio Ramos para a televisão. Logo a seguir tivemos que gravar uns vídeos para as redes sociais para fazer conteúdo digital nesta última fase de campanha, para apelar ao voto no domingo e tudo isso. E depois pusemos-nos nas estradas de Lisboa para Castelo Branco, em que fomos conhecer uma associação local que trabalha na integração de migrantes, na proteção de vítimas de violência doméstica, até também na integração de comunidades marginalizadas. E neste momento já terminamos há cerca de uma hora essa sessão e estamos outra vez de caminho a Lisboa, porque amanhã pegamos cedo em Setúbal e então estamos em viagem para Lisboa, a voltar de Castelo Branco.
— E como é que têm sido as ações? Têm tido tempo ou têm sido especialmente cansativas?
— Têm sido intensas. O período de campanha acaba por ser curto para uma campanha nacional, mas temos tentado ir a todo o país, de norte a sul, ao interior e litoral. E hoje viemos aqui a Castelo Branco também e a partir de amanhã, estaremos mais no litoral e mais virado para o mar também.
— O Livre é um partido que, na faixa litoral e nas grandes zonas urbanas, é mais popular, podemos dizer assim, tem mais força. Essa ida ao interior não é uma perda de tempo ou, como é círculo nacional, todos os votos contam?
— Sim, todos os votos contam e nós também queremos expandir o Livre e estamos a pensar no crescimento do Livre e, portanto, também precisamos dar uma força. Nós temos um núcleo territorial que vai ser criado em Castelo Branco quisemos também dar força a esse do núcleo, até para as autárquicas. E, portanto, temos que pensar sempre no crescimento do LIVRE sustentado e não apenas na parte urbana e do litoral.
Francisco Paupério, o candidato do Livre, arriscou sair da zona urbana e litoral, onde o partido tem potencialmente mais votos, numa tentativa de ajudar a expandir a implantação geográfica do Livre no país. Não foi inocente a escolha de Castelo Branco, como o próprio explica, precisamente porque naquele distrito vai ser criado um núcleo territorial a pensar nas eleições autárquicas de de 2025. Como as eleições europeias são um círculo único, nenhum voto é desperdiçado. Muitas vezes, em legislativas, os partidos mais pequenos optam por se concentrar em círculos grandes como Lisboa, Setúbal e Porto porque é onde têm mais apoiantes, mas também onde têm mais hipóteses de eleger com menos percentagem de votos. Como a eleição é para as europeias, dispensa esse cuidado.
— No programa do Ricardo Araújo Pereira, o humorista ofereceu-lhe um Rui Tavares de cartão. Levou-o para casa?
— Levámos para a sede do Livre e assim estamos sempre com o Rui em todo lado. E vamos ter dois Ruis na campanha, portanto, estamos felizes por convidar com mais um Rui Tavares.
— Mas ele vai voltar ainda à campanha, o de carne e osso?
— Sim, sim, ele será aqui já amanhã [quinta-feira]. Portanto, vai aparecer mais vezes na campanha. Não o de cartão, o de carne e osso. O de cartão ainda não sabemos, ainda estamos a planear com próprio, a ver se aparece em campanha.
No último domingo, no programa Isto é Gozar com Quem Trabalha, Ricardo Araújo Pereira ofereceu a Francisco Paupério um Rui Tavares de cartão, quase em tamanho em real. O candidato confessa que não o levou para casa, mas que pediu ao humorista para ficar com o clone de cartão e que o levou para a sede do Livre em Lisboa. Em entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador, Ricardo Araújo Pereira acabaria por confirmar isso mesmo: “Ele [Francisco Paupério] pediu para ficar com ele e levou-o”. O candidato do Livre aproveita todas as oportunidades que pode para colocar água na fervura e, nesta última chamada do dia com o Observador, brinca com a situação ao dizer que tem garantida a presença do Rui Tavares de carne e osso, mas não do Rui Tavares de cartão, dizendo que ainda tem de planear isso com o objeto inanimado.
— No Debate da Rádio, que foi no início da semana, não sei se reparou, mas acabou por ser aquele que tinha menos tempo. Eu, como fui um dos moderadores, consigo perceber que muitas vezes não foi propriamente por não ter esse espaço porque quando nós tentávamos equilibrar o tempo, o Francisco fazia declarações muito concisas e assertivas. Isso é um treino, fazer as declarações assim mais curtas? Está treinado para isso, para dizer muito em pouco tempo?
— Nós não tínhamos acesso ao tempo. Tinha a percepção que estava com menos tempo até no final, mas no final é quando querem acelerar e quando me tentaram cortar a palavra. Mas a verdade é que as mensagens do Livre são mais diretas, são mais assertivas e nós treinamos sempre para passar a mensagem e não para fazer floreados, como outros candidatos fazem. Somos diretos e honestos e não precisamos de circundar as perguntas e gastar esse tempo a tentar fugir às vezes das próprias defesas desses candidatos.
— Houve alguma coisa que ficasse por dizer nesse debate?
— Não. Eu respondi sempre quando tinha que responder até outros candidatos e até mais à ofensiva. O que ficou por falar foi de outros assuntos, como os direitos das mulheres, os direitos humanos, que também é uma competência desta União Europeia e que acaba por ser muito importante na ação de um eurodeputado, que infelizmente em todos os debates não foi muito discutido e gostávamos de discutir um pouco mais, mas certamente teremos tempo em campanha. Nós temos feito esses contactos também locais e sempre nas declarações que prestamos.
— Não sente que a esquerda em geral também está a trazer muito esse tema, no fundo, para atacar Sebastião Bugalho sugerindo que a AD não defende propriamente esses direitos e também, obviamente, António Tânger Correia. Não é estratégico da vossa parte? Já agora se dividem esses dois planos entre aquilo que é a AD e o CHEGA e se acha que um terá menos respeito pelos direitos das mulheres do que outro?
— Sim, claro que são partidos diferentes. Não podemos comparar a AD com o CHEGA. Mas a verdade é que o que nós atacamos são as linhas programáticas e as linhas, e até atitudes e votos, que têm feito nos últimos mandatos. O que nós atacamos é a incoerência. É dizer que também são na defesa das mulheres, na defesa das minorias, na defesa dos direitos humanos e depois no último mandato terem votado contra grande parte dos assuntos que nós expomos. Portanto, isto não são ataques pessoais, não são nada disso. É simplesmente um ataque programático porque realmente não se percebe esta incoerência. Não só no ataque das mulheres, mas também na carta de habitação, em que neste momento querem propor a carta de habitação dos direitos da União Europeia e depois votam ou até se abstêm de projetos de resolução que aconteceram no passado. E foi essa incoerência que procurámos atacar.
— Em entrevista ao Observador, o Sebastião Bugalho disse que não tinha nada contra e que até podia fazer-se essa leitura do apoio às minorias que está no programa da AD: que não tinha problema nenhum em que houvesse um reforço financeiramento europeu para associações LGBTQI+. Surpreende-o que ele tenha dito isso de uma forma tão clara?
— Não surpreende. O problema é que deixamos de acreditar nas suas palavras porque, mais uma vez, no passado não foi isso que aconteceu. É muito giro falar em campanha dessas propostas, masepois queremos ver se vão continuar no Parlamento, sabendo que neste momento a conversação que estão a ter não é à esquerda, não é com a área progressista, mas sim com a área conservadora. E a área conservadora certamente não vai aprovar esse tipo de propostas. Os verdes e o Livre são o partido que vai aprovar esse tipo de propostas. Portanto, a AD tem que decidir com quem quer falar e tem que decidir também que grupo político é que quer ter, porque o seu grupo político europeu, na verdade, quer falar com os ultraconservadores.
— Mas acha que o PPE, de facto, é mais conservador do que o PSD, como diz o Sebastião Bugalho?
— Eu não tenho essa visão. Eu considero que a AD está bem inserida no grupo popular europeu. Acho que uma falta de coragem política de assumir as suas posições, porque pode ser menos favorável em Portugal essas posições comparado com outros países. Falta essa coragem política de assumir realmente ao que vão nestas eleições, como no passado aconteceu. O PSD sempre foi, teoricamente, a defender as mulheres e a defender as minorias, mas depois, mais uma vez, os votos não vão nesse sentido. E é essa incoerência que vamos continuar a apontar, porque realmente não vem de agora. Não vem de Sebastião Bugalho, vem do partido, vem da AD.
— E já agora? O PS, acha que os socialistas na Europa são mais ao centro do que o PS e o PS é mais à esquerda, ou não tem essa perceção?
— Na parte europeia, o PS acaba por ser bem à esquerda e grande parte dos projetos dos S&d, dos sociais-democratas, acabam por ser apoiados também pelos verdes nessa parte progressista. Mas, claro, o que nos difere é que também os sociais-democratas estão dispostos a fazer acordos com a direita e a fazer acordos na questão das regras orçamentais, das regras climáticas. E, portanto, ainda há uma divisão entre os verdes e os sociais-democratas, mas, claro, que consideramos que estão mais à esquerda do que o PPE.
— O ministro das Finanças alemão manifestou o apoio, é liberal, naturalmente, a João Cotrim Figueiredo. Alguém que tem uma perspectiva e uma visão de sociedade como um Livre, sente-se confortável de ter parceiros que depois fazem acordos de governo com liberais? Ou também na Polónia com Donald Tusk?
— Sim, os verdes são muito diversos e há autonomia de cada partido para fazer esse tipo de coligações nacionais. A nível europeu, do Parlamento Europeu, claro que tem que ser mais concertado e, apesar de termos dos grupos mais diversos, a verdade é que no Parlamento Europeu somos também o grupo que mais vota de forma igual entre si. Portanto, também diz a forma como estamos coordenados nas nossas ações.
— Em Portugal seria impossível o livre fazer parte de qualquer acordo de governação à direita do PS, podemos dizer assim?
— Tem tudo a ver com o tipo de programa político que a direita apresenta. Neste momento é impensável fazermos um governo à direita do PS, precisamente porque o que nos foi apresentado, e nós vimos propostas nesta semana, como plano de saúde, que va privatizar, como o plano das migrações, que vai desumanizar esta entrada das pessoas, é que o Livre nunca poderia estar em governo com o tipo de partido político que apresenta este tipo de propostas.
O candidato do Livre acusa Sebastião Bugalho de defender posições, menos conservadoras, que contrastam com as do PSD e do PPE. Para Paupério o PSD está bem na família europeia em que está porque, de facto, o partido, ao contrário do que diz o candidato da AD pensa o mesmo que os partidos da sua família europeia. Já sobre o PS, o candidato do Livre acusa os socialistas de serem mais à esquerda na Europa (nos S&D) do que em Portugal. Paupério fala ainda sobre o facto de o partido irmão do Livre estar no Governo da Alemanha numa coligação liderada por um partido da família do PS, mas também com uma força política da família da Iniciativa Liberal. Diz que os Verdes alemães são muito diferentes e que, em Portugal, neste momento seria difícil o Livre fazer qualquer acordo à direita do PS.
— Quando houve o frente-a-frente com Sebastião Bugalho aqui na Rádio Observador, o Francisco, quando estavam a falar da Palestina, disse que o Hamas devia fazer parte das negociações para uma solução de paz. Não teme ser mal interpretado e estar a defender que os terroristas se sentem à mesa?
— Não, isso foi mal foi mal contextualizado, foi de resposta a uma pergunta sobre a independência da Palestina e que nós no Livre cremos que tem que ser com a Autoridade Palestiniana, a quem reconhecemos essa responsabilidade. Temos é que perceber que há uma guerra em jogo também entre o Hamas e Israel e que tem que ser posto em cima da mesa tudo o que devemos fazer para chegar a essa paz. E é nesse sentido que foi dito e não no sentido da guerra e não no sentido da negociação com o Hamas.
— É incontornável falar com o Hamas para essa solução de paz?-
— Sim, para haver a paz tem que ser não só entre o Hamas, mas também entre o governo de Israel. Mas o que eu estava a referir nessa tal entrevista tinha a ver com a independência da Palestina que é isso que o Livre quer ver reconhecido neste momento.
— Posso perguntar se ao longo desta campanha outros candidatos lhe têm enviado mensagens?
—Por acaso não recebi mensagens, mas eu também não tenho contato pessoal da maioria deles, portanto não trocámos mensagens nesta campanha.
— De nenhum deles? Nenhum enviou nenhuma mensagem em nenhum momento?
— Não, não, não. Durante a campanha não.
— O João Cotrim Figueiredo quando foi à Feira do Livro não lhe ofereceu nenhum livro. Se fosse o Francisco teria algum para oferecer ao João Coutinho Figueiredo?
— Fiquei feliz por saber que o Cotrim Figueiredo não tem nada para ensinar ao Livre e eu gosto de sentir esse reconhecimento. Em relação ao Livre, eu não sinto nessa necessidade de ter que me sentir como um professor. O Cotrim Figueiredo infelizmente em todos os debates acha que vai dar aulas, mas a verdade é que ouvimos zero propostas, ouvimos muitas intenções e a verdade, no nosso ataque até a Cotrim Figueiredo e às propostas da Iniciativa Liberal, para as quais tivemos um total de zero respostas. Se calhar convinha preparar essas respostas antes de dar livros a outros partidos.
— Quando o Rui Tavares foi eurodeputado, abdicou de uma parte do salário para dar bolsas de estudo. Está disposto a fazer alguma coisa desse género?
— Sim, e mais do que o salário, até com a questão do IRS jovem, que consideramos ser pouco justo para os jovens deste país. E, portanto, se acontecer de ser eleito e se este IRS jovem avançar, também pensarei em formas semelhantes a essa de utilizar este financiamento.
— Ou seja, vai pegar no dinheiro do IRS e vai realocá-lo a isso?
— Exatamente.
— Dar alguma associação?
— Exatamente.
A chamada avança e Paupério fala dos seus adversários para dizer que não tem conversado com nenhum, nem por mensagens. Provocado com o facto de João Cotrim Figueiredo não lhe ter sugerido nenhuma obra quando foi à Feira do Livro de Lisboa, Paupério diz que é porque “não tem nada para ensinar ao Livre”, embora tenha sempre a postura de quem está a dar aulas aos outros. Sobre o facto de Rui Tavares, o fundador do Livre, ter abdicado de uma parte do salário quando foi eurodeputado para aplicar em bolsas de estudo, Paupério admite fazer o mesmo e até doar todas as mais-valias do IRS Jovem (do qual discorda) a uma associação.
— Houve um início conturbado, mas aconteceu, por exemplo, num outro partido, que conseguiu eleger um deputado há cinco anos, no caso o PAN, em que o deputado entrou em rotura com a direcção e tornou-se não inscrito. Consegue deixar aqui, de forma clara, garantia que, caso se zangue com o LIVRE, não ficará com o lugar até ao fim?
— Não, isso nem se coloca como hipótese de haver essa cisão ou dificuldade com a direção do partido. Nós vamos estando em contacto. Esta campanha só tem funcionado porque estamos em contacto. E, portanto, nem se coloca como situação neste momento e no futuro.
Francisco Paupério acaba por não dar a garantia que nunca será não-inscrito e chuta para canto, dizendo que a hipótese de uma rutura — como aconteceu entre Francisco Guerreiro e o PAN — está fora de hipótese. Antes do final da chamada diz ainda que não vai utilizar a pirataria para ver a SportTV em Bruxelas, mas irá aos cafés de emigrantes portugueses ver os jogos do seu Sporting. No programa ‘Bom Partido’ do Guilherme Geirinhas fez a celebração do craque Gyokeres e mostrou indignação por quem chama Sporting Lisbon ao Sporting Clube de Portugal. Ao passar por Abrantes, tenta mostrar que não está tudo como dantes. Diz que vai a discutir política dentro do carro com Jorge Pinto, atual deputado da AR e da fação de Rui Tavares. É Paupério a querer mostrar que agora está tudo bem.
— Creio que confessou no podcast do Guilherme Geirinhas, que era do Sporting. Se for para Bruxelas, como é que vai conseguir ver os jogos? Vai ver de forma pirata ou se vai encontrar algum sistema que lhe permita ver os jogos?
— Na verdade, eu vou poucas vezes ao estádio, porque era do Porto, Porto-Cidade, mas na verdade eu quero ver com a gente da comunidade lá portuguesa. De certeza que vou arranjar cafés e associações em que possa ver os jogos.
—Francisco, antes de desligar, queria só perceber onde é que está neste momento. Está no carro?
— Estamos no carro em Abrantes, a caminho de Lisboa, vindo de Castelo Branco. Portanto, ainda temos uma horinha de viagem.
— E o que é que vai a fazer no carro até chegar a Lisboa?
— Olha, neste momento até vamos a conversar sobre a política, porque tem aqui mais gente no carro, faz parte da campanha. Está aqui um deputado também, o Jorge Pinto, e vamos falar de política e vamos colocar… Se calhar a seguir colocamos uma música para tentar não adormecer, porque isto fica cansativo.
— Muito obrigado, Francisco. Um bom regresso e boa viagem até Lisboa.
— Muito obrigado, muito obrigado.
Pedro Fidalgo Marques. O candidato que aproveita sempre para dançar (até com Inês Sousa Real) e que garante que entrega o mandato se se desvincular do PAN
[Ouça aqui a última chamada com Pedro Fidalgo Marques:]
— Olá, Pedro, tudo bem?
— Olá, José, como está?
— Sim, está no carro, certo?
— Estou no carro, já a regressar para casa desde a última ação.
— E como é que foi este dia de campanha? Sei que teve um dia muito preenchido, esteve de manhã na TVI, no programa Dois às Dez com Cristina Ferreira e Claúdio Ramos, depois esteve em Fátima, certo? Como é que correu este dia?
— Foi um dia bastante proveitoso, foi um dia que conseguimos visitar várias temáticas dentro das prioridades do PAN e, por isso, são sempre dias interessantes para dar bastante alento para estes últimos dias de campanha. Em Fátima, estivemos num restaurante vegetariano em que estivemos a demonstrar a importância também de termos uma alimentação mais à base vegetal. Depois fomos a Almourol, ali no rio Tejo, para falar também da problemática dos nossos rios, como temos que preservar os nossos rios, como é a importância de mantermos o caudal. E terminamos agora o dia num canil no Bombarral, também aqui pela questão da problemática da proteção e bem-estar animal. Em Portugal, ainda há poucas semanas, saiu um estudo que dizia que havia um milhão de animais abandonados, animais errantes. E, numa perspetiva mais pessoal, sendo que comecei, como disse, no programa de televisão, a mostrar quem eu sou aos portugueses.
Pedro Fidalgo Marques, cabeça de lista do PAN, teve esta terça-feira de um dia intenso de campanha, que começou nos estúdios da TVI em Queluz de Baixo e acabou num canil do Bombarral. Este itinerário mostra bem dois dos seus principais objetivos do partido nesta campanha para as europeias. Por um lado, o PAN mantém a defesa dos animais como uma das suas principais bandeiras: a proteção do ambiente e do bem-estar animal. Por outro lado, o candidato não esconde que quer dar a conhecer-se, sendo um dos menos conhecidos entre os cabeça de listas nos partidos com representação parlamentar.
Querendo repetir o feito de 2019 — em que o PAN conseguiu eleger para o Parlamento Europeu —, Pedro Fidalgo Marques tem centrado a campanha em distritos perto de Lisboa, o que lhe dá jeito para cuidar dos quatro gatos, ainda que tenha feito campanha nos distritos do Porto e de Viana do Castelo. Quase sempre acompanhado pela porta-voz do partido, Inês Sousa Real, o partido voltou a carregar nas críticas contra as touradas durante a campanha e até admitiu avançar com um referendo.
— No programa de televisão, mostrou os seus gatos. Tem quatro gatos?
— Tenho quatro gatos, isso mesmo. Apareceram os meus quatro gatos.
— E como é que neste tempo de campanha, mais agitado, gere os animais? Como é que consegue tomar conta deles, consegue ter tempo para eles? Tem tempo para eles?
— Eu tenho tido a sorte, nesta questão também da gestão da campanha, de não ter tido muitos dias fora de Lisboa. Quando assim o é, peço sempre a alguém da família para ir lá à casa poder tratar dos gatos, garantir que têm água, que têm comida. Gostava muito de ter a casa toda com tecnologia automatizada, e já tenho comedor automático, tenho uma fonte de água. Mas para garantir que está tudo bem, vai sempre alguém ver. E depois sempre que eu posso, sempre que tenho a oportunidade, que é o caso de hoje que estou a regressar, para ir e para estar um bocado com os gatos, que também são sempre parte da família e por isso é alguém que eu gosto sempre de… São os meus gatos, eu gosto de estar com eles para poder também dar-lhes alguns mimos e eles retribuírem também com bastante amor.
— A dança tem um papel preponderante na vida do Pedro, certo? Tem uma escola de dança…
— Eu sempre dancei desde miúdo. Depois, segui uma via mais da dança de salão de competição e depois também a vertente mais de ensino. Licenciei-me em dança… A dança é um pilar na minha vida.
— E consegue dançar durante a campanha?
— Às vezes, sempre que tenho assim um momento. Já dancei até com a Inês Sousa Real, a porta-voz, quando estivemos no protesto em Ponte de Lima. Passou uma banda que estava a tocar na rua e até demos um pezinho de dança. Ou nas festas do Senhor de Matosinhos. Às vezes, quando estou em casa sozinho, de manhã, ou ao final do dia, com um bocadinho de música para animar, estou sempre a dançar um pezinho de dança.
Pedro Fidalgo Marques é vegan e diz que gosta de cozinhar, como aliás fez num restaurante vegetariano em Fátima nesta terça-feira — o candidato confeccionou caril de lentilhas com trigo sarraceno. Questionado sobre se conhece algum restaurante vegetariano ou vegan em Bruxelas, o cabeça de lista não responde logo, preferindo referir inicialmente que espera que os portugueses votem no partido e que lhe permitam poder ir para a Europa.
As declarações de Pedro Fidalgo Marques corporizam o que tem sido revelado nas últimas sondagens, que mostra que o PAN não deverá eleger qualquer eurodeputado. Mesmo assim, este continua a ser o objetivo do partido. Se chegar ao plenário europeu, o cabeça de lista do PAN sabe perfeitamente quais serão as temáticas em que o partido vai defender, explicando-as ao Observador durante três minutos. Destaca ainda a diferença do partido que pode fazer no Partido Verde Europeus, a família política a que pertence, tal como o Livre. Em relação a este partido, o candidato não se acanha em diferenciar-se e assume que o PAN é a “voz realmente ambientalista”, aproveitando para lembrar a oposição do PAN em relação à localização do novo aeroporto de Lisboa.
— Em Portugal, há outro partido, neste caso o LIVRE, que também faz parte dos Verdes europeus, tal como o PAN. O que é que os distingue no Parlamento Europeu?
— É uma boa pergunta e é preciso explicar as propostas do PAN. Começa essencialmente pela questão da proteção e bem-estar animal. É o único partido que tem isso como prioridade. O único partido que irá dar voz aos animais, ou seja, que será a voz de bem-estar animal no Parlamento Europeu. Por isso, todos os ativistas da causa animal, todas as pessoas que realmente têm animais de companhia de que gostam têm de garantir que esta voz [seja ouvida] no dia 9 de junho, têm que votar no PAN, porque essa será a única forma de realmente garantir que os animais terão voz no Parlamento Europeu. Mesmo quando falamos de ambiente há aqui algumas divergências [com o Livre] — como já tivemos em relação ao aeroporto de Lisboa —, porque a voz realmente ambientalista tem sido a do PAN, que foi o único que se opôs ao aeroporto de Alcochete, que é a nossa maior reserva de água doce.
Cerca um ano depois das últimas eleições europeias, houve um momento de rutura dentro do PAN. Eleito em 2019, Francisco Guerreiro entrou em rota de colisão com a direção do partido. O PAN perdia, assim, representação no Parlamento Europeu, ainda que o eurodeputado se tivesse mantido nos Verdes. Interrogado sobre se existe o mesmo risco nestas eleições europeias, Pedro Fidalgo Marques realça seria uma “situação limite”.
Porém, o cabeça de lista do PAN não assinou qualquer compromisso escrito com o partido, mas admite comprometer-se a entregar o mandato, caso em divergências com a direção do partido.
— O PAN já elegeu em 2019, mas depois o eurodeputado do PAN tornou-se independente. O que é que tem a dizer sobre isto? Como é que viu esse momento? Assinou algum compromisso com o partido? O que pretende fazer quando chegar a Bruxelas?
Eu estou fortemente comprometido com as causas do PAN, eu respiro essas causas que represento, sempre fui ativista, já era antes de estar no PAN, continuo a ser, continuarei a ser. E tenho afirmado já publicamente em várias entrevistas e faço aqui também com o Observador para que fique claro. Até porque mais do que um compromisso assinado, ficam as declarações públicas neste sentido que se, por algum motivo — que não vejo acontecer —, saísse do PAN eu entregaria o mandato ao partido, porque as pessoas votaram num programa eleitoral, votaram num partido e por isso o mandato deve ser do partido. Não o vejo acontecer, as causas que eu vou representar estão no meu coração, é o que eu sinto é o que eu vivo no dia-a-dia, é o que eu realmente acredito, mas se acontecesse essa situação limite, eu entregaria o mandato ao partido, que é o que faz todo o sentido, porque é o que as pessoas estão a confiar e a votar.
— Não seria, portanto, uma situação idêntica àquela que aconteceu com Francisco Guerreiro?
— Não, de todo. No meu caso, eu acredito que o correto seria entregar o mandato ao partido e deixo essa garantia a qualquer eleitor.
— Muito obrigado. Está a caminho de casa?
— Agora vou chegar a casa. Vou estar com os meus gatos, jantar e descansar um bocadinho, que temos também um dia longo [quarta-feira] em Setúbal. Depois, na quinta-feira, ainda vamos também a Faro e a Beja, terminando depois sexta em Lisboa.