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Leonor esteve indecisa sobre que objeto haveria de trazer quando lhe pedimos para escolher algo que a caracterizasse. Acabou por optar pelo violino em vez do telemóvel. Esta adolescente de 16 anos — feitos agora em abril — toca desde os oito anos e ainda hoje tem aulas e concertos: “Nem sei bem por que escolhi o violino. Acho que sempre gostei do som do instrumento”.
A irmã Carlota foi mais rápida na escolha: um azulejo com um barco à vela em tons de azul. “Fi-lo quando estava no 11° ano. Inspirei-me em todas as viagens que costumávamos fazer com os pais no Alcâncio, o barco do pai. Está sempre exposto na sala de estar”, conta a estudante de Cerâmica da Escola Artística António Arroio. O cuidado com que o manuseia, bem como o modo como o transporta — envolto em várias camadas de papel de cozinha para não se partir dentro da mala — denota a importância que ele tem para a adolescente de 18 anos, cuja carreira que quer seguir ainda é uma incógnita. “Gostava de um dia ter um atelier, mas não sei bem”.
Já Duarte anda com o seu objeto ao pescoço: um colar com duas estrelas azuis e uma roxa, feito pelo seu irmão mais novo. E não é o único assessório que costuma ter consigo: ao pulso tem um elástico e no dedo anelar da mão direita um anel, oferecido pelo melhor amigo, para o ajudar a ultrapassar “um mau momento”. “Gosto de usar acessórios. Ajudam-me a tirar o stress da escola e distraem-me um pouco”, conta o estudante de ciências.

© Henrique Casinhas
André não andará sempre com o seu skate atrás, mas é sem dúvida uma parte essencial da sua vida. “Comecei a andar de skate há quatro anos, quando tinha 12. Na altura, um amigo comprou um skate numa ‘loja do chinês’ e depois toda a gente comprou um, e eu pensei ‘Porque não?’. Era só na brincadeira. À medida que as pessoas foram deixando de andar de skate, eu começava a interessar-me cada vez mais”, recorda o jovem de 16 anos.
Os treinos na rua com o melhor amigo — que entretanto também deixou o skate — passaram para o Skatepark. Foi o pai quem o levou lá pela primeira vez e, nem dois anos depois de ter começado, já estava a participar no primeiro torneio. “A primeira vez que ouvi falar num campeonato nem fui, por vergonha. Da segunda vez fiquei todo nervoso, mas participei. Fiquei em sexto lugar. Fiquei super feliz, mas também estava bué nervoso”. Foi apenas o início: hoje em dia participa em vários campeonatos, tanto nacionais como internacionais, muitos deles através da loja que o patrocina — Twin Tail.

© Henrique Casinhas
A escolha de Leonor M. foi a mais tecnológica. “Sou uma pessoa que vive no seu próprio mundo e muitas vezes ponho os phones para estar só comigo, sem ninguém me chatear”. É algo que esta adolescente de 15 anos não dispensa, seja nos transportes públicos, em casa para ouvir música ou até na escola — “Este ano, como não me dou muito bem com a minha turma, acabo por estar muitas vezes de phones“. Um objeto essencial para a jovem baterista quando está a ensaiar em casa. “Tenho uma bateria elétrica em casa. Posso pôr os phones no amplificador e só se ouve como se estivesse a bater em qualquer coisa, mas eu gosto mesmo é de ter som no amplificador. A minha mãe sofre um bocado [risos].”

© Henrique Casinhas
O que é a Geração Z?
Estes jovens têm histórias e gostos totalmente diferentes uns dos outros, mas partilham algo em comum: todos fazem parte da Geração Z. Depois dos baby boomers, da Geração X e dos Millennials, chegou-se à última letra do alfabeto para caracterizar as pessoas nascidas entre meados dos anos 90 até meados de 2010.
De acordo com dados do INE, são cerca de 2.566.327 as pessoas com menos de 24 anos a viver em Portugal. Dados da Pordata mostram que se trata de uma geração que nasceu numa população cada vez mais envelhecida, cujas mães são mais ativas e com mais escolaridade, mas cada vez menos jovens. Nascem no seio de famílias menos convencionais — têm cada vez menos irmãos biológicos, mas cada vez mais meios-irmãos — e estão rodeados de tecnologia.
Madalena Lupi, diretora do Departamento de Estudos Qualitativos da Netsonda/ConsumerChannel, analisou esta camada de jovens a propósito do 8º Seminário de Marketing Kids & Teens, promovida pela Brandkey, e ressalva que os anos limites para esta geração não são consensuais. “Partimos do princípio que são pessoas que nasceram por volta de 1995 e até 2016 — é uma geração que está em formação”, diz ao Observador.
A investigadora explica ainda que se trata de uma geração com “características próprias” graças ao contexto pessoal, social e económico em que nasceram e estão a crescer, ainda que algumas possam ser semelhantes às gerações anteriores.
Diana Dias Carvalho, socióloga e investigadora nas áreas da sociologia da família, da infância e da juventude, considera mesmo limitativo falar-se de gerações. “O risco de se falar em gerações é que tendemos a reduzi-las a certas características e consequências, e depois quando vamos ver, muitas vezes essas representações não colam com as realidades que encontramos, porque vai depender sempre dos contextos sociais — que são muito diversificados”.
Internet e novas tecnologias
O universo digital é um dos aspetos mais característicos desta geração, como explica Madalena Lupi. “Hoje em dia, todos temos muitas companhias tecnológicas, todos utilizamos muito a internet, mas esta geração nasceu com ela. Se pensarmos que o Google apareceu em 1996, é uma geração que não conhece o mundo sem Google. Ou seja, o mundo para eles já foi definido de acordo com estes parâmetros e isso afeta em muito a maneira como eles o encaram e a maneira como reagem perante muitas coisas”.
Não são, contudo, jovens dependentes de tecnologia, sublinha a investigadora. Ainda assim, a facilidade com que chegam à informação de que precisam , graças “à internet no bolso” (o telemóvel), é determinante para o seu dia a dia: “Qualquer dúvida que um jovem desta geração tenha, tem a internet e toda uma rede enorme de pessoas que lhes explica o que é, como se faz, tudo o que houver a saber sobre o assunto.”, afirma Madalena Lupi.
Algo que pode parecer um caos para muitos, mas não para eles. “A capacidade de discriminar estímulos e de os encontrar será sempre superior à de gerações anteriores, porque cresceram com isto. Não acho que este excesso de informação seja uma coisa caótica e que desorganize. Eles próprios vão encontrando formas de selecionar esses estímulos.”, explica a psicóloga Patrícia Câmara ao Observador.
Uma realidade que faz deles pessoas mais “independentes” e “fazedores”, que utilizam a internet a seu favor para “concretizar as suas iniciativas”: “Na geração anterior, alguém que tivesse jeito para trabalhos manuais ou que até quisesse vender algumas coisas que fazia, tinha de ir a feiras e a lojas. Esta geração põe na internet e vende”.
Para a socióloga Diana Dias Carvalho — atualmente a tirar o doutoramento no ISCSP-UL sobre os jovens e a sua transição para o trabalho e para a vida adulta –, não se pode afirmar “com certeza” que há um uso excessivo da internet, especialmente porque se trata de uma geração com agendas “muito preenchidas e compartimentadas”, integrando o uso das novas tecnologias no seu dia a dia. “O que as crianças fazem online tem muito a ver com o que fazem offline: os jogos online têm a ver, por exemplo, com o gosto pelo futebol; as pessoas com quem falam online são aquelas com quem convivem offline“.
As redes sociais são das ferramentas mais utilizadas no telemóvel por esta geração, mas independentemente do domínio da internet nas suas vidas, continuam a privilegiar a comunicação cara a cara. “A tecnologia faz parte da vida deles, não foi algo que apareceu para substituir alguma coisa. Esta geração cresceu com as tecnologias e, portanto, mais do que os outros, sabe utilizá-las e não as utiliza para tudo. Eles cresceram com todo este digital e a criar relações em simultâneo”, adianta Madalena Lupi. Diana Dias Carvalho refere-se às redes sociais como “uma extensão do mundo offline e da interação face a face”.
Patrícia Câmara vai mais longe e defende que a comunicação online pode não só fazer com que os jovens que se sintam diferentes, cresçam tão menos “isolados”, como também pode servir como preparação para as relações na vida real. “Há jovens mais tímidos para quem a internet pode ser um refúgio — criando uma espécie de second life –, mas também pode ser até uma forma de se aproximarem dos outros, que de outra maneira não seriam capazes. Pode ser um passaporte para experimentar primeiro aquilo que ainda não se teve coragem de fazer na realidade, e não um impedimento do relacionamento em si”.
Pais e internet: controlo vs intimidade
A psicóloga destaca ainda a importância de haver uma “educação mais construtiva” no que toca a estas ferramentas digitais. “Acho que há sítios e horas em que as pessoas se devem desligar. Deve-se privilegiar os momentos de interação, como por exemplo os jantares de família. É importante fomentar estes espaços para que a alienação não exista efetivamente”.
Os pais muitas vezes tentam promover esta “educação”, nem que seja para tentar proteger os filhos daquilo que acham que são os perigos da internet, e muitas vezes não sabem como lidar com a quantidade de ferramentas a que os filhos têm acesso. “Estamos a assistir a uma mudança de paradigma com esta geração e os pais ficam mais aflitos porque a quantidade de coisas a que os filhos têm acesso e que eles não controlam é imensa. O que me parece é que, às vezes, por causa disso, há uma invasão da intimidade que não havia antes”, diz Patrícia Câmara, dando como exemplo determinadas aplicações que permitem aos pais localizarem os filhos e vice-versa. “No lugar onde devia estar a intimidade, o respeito e o espaço do outro passa a estar o controlo”.
A psicóloga considera que os pais deviam optar antes por um discurso “de responsabilização”, de explicação de que “há coisas que se tem realmente de saber, como a pesquisa na internet”, mas pautado “pela dignidade e pelo respeito”. “A história do Pinóquio — que foi seduzido na rua — é antiga. Há sempre predadores à espreita em todas as gerações. Cabe a todos nós, pais e profissionais, sermos instigadores de confiança, alertando para os perigos, mas sem personificarmos o ‘Velho do Restelo’ que teme em aceitar a evolução”.
A maneira como os pais olham para os perigos e benefícios do uso da internet varia consoante se trata de uma família favorecida ou desfavorecida, refere Diana Dias Carvalho. Nas famílias mais desfavorecidas, são muitas vezes as crianças que ensinam aos pais como funcionam as novas tecnologias, fazendo com que os adultos fiquem “mais distantes” e não facultem “ferramentas” aos filhos para eles se “orientarem”. Nas famílias mais favorecidas, por sua vez, são os progenitores que promovem a utilização da internet, estando por isso mais “vigilantes” e transmitindo uma série de “cuidados”.
Relação com pais e irmãos
Será que estamos a falar de uma geração mais próxima dos pais? Madalena Lupi acha que sim, defendendo que o fosso geracional entre estes jovens e os seus pais é mais pequeno quando comparado com gerações anteriores, muito graças a valores que ultrapassam as fronteiras geracionais. “Os jovens sentem-se confortáveis com a geração anterior porque os valores são os mesmos. Temos pais e filhos a ouvirem as mesmas músicas e a irem aos mesmos concertos”.
Patrícia Câmara afirma que há efetivamente uma relação mais “aberta” e “flexível” entre pais e filhos, mas sublinha que existe um fosso geracional, especialmente do ponto de vista da tecnologia, o que leva depois a uma tentativa de maior controlo da vida dos filhos — “como se os miúdos soubessem mais do que os pais e os pais têm de espreitar pelo buraco da fechadura”.
Esta distância entre pais e filhos, acrescenta ainda a psicóloga, não é necessariamente negativa. Pelo contrário, serve precisamente para apoiar estas crianças ao longo do crescimento. “Crescer sem ter a sensação que há alguém que está lá pode ser a experiência mais desamparante possível. A relação entre pais e filhos deve poder jogar-se numa dinâmica de afastamentos e aproximações, de encontros e desencontros, amparados pela certeza de que sempre que faz frio se pode voltar ao ninho”.
O convívio com os avós
Uma vez que se trata de uma geração que nasceu no seio de uma população cada vez mais envelhecida, e numa altura em que se vive cada vez até mais tarde, muitos destes adolescentes cresceram na companhia dos avós. Uma convivência que os marcou e continua a fazer parte dos seus rituais. Será provavelmente das últimas gerações a ter este privilégio, uma vez que se tem filhos cada vez mais tarde e, consequentemente, é-se avô numa idade mais avançada.
Onde pára o amor?
A vontade de ter alguém com quem partilhar a intimidade continua a estar presente nesta geração, à semelhança das anteriores. Seja através de relacionamentos longos ou apenas fugazes, a base é sempre a mesma, como explica Patrícia Câmara: “Ter alguém que acompanhe as várias etapas do crescimento”, “que ajude na descoberta do corpo”, tendo como “expectativa” que o amor vem “compensar as fragilidades”.
Mas até aqui as redes sociais têm a sua influência. Não é fácil para estes jovens distinguir aquilo que pertence à esfera pública e o que deve ser mantido exclusivamente na intimidade. “É difícil com a maturidade própria destas idades gerir aquilo que é suposto ser público e o que é suposto ser íntimo. A intimidade acaba por ficar à mercê do julgamento de outros”.
Tolerância
Madalena Lupi não tem dúvidas de que estamos perante uma geração mais tolerante que as anteriores: “Para eles, a diferença é uma coisa natural e lutam por preservar essa diferença”. Uma tolerância que advém de um maior conhecimento da diversidade do mundo e das pessoas. “Eu não vejo uma geração fechada, pelo contrário. Acho que eles têm uma abertura e falam sobre determinados assuntos, como a sexualidade, a homossexualidade, de uma maneira que era impensável há 15 anos”, refere Patrícia Câmara.
Igualdade de género: será desta?
A igualdade de género tem sido um tema extremamente debatido e chegou aos ouvidos destes jovens. É por isso uma questão à qual estão mais atentos. “Está a fazer este movimento no sentido em que mulheres e homens o percorram de uma forma mais idêntica”, defende Patrícia Câmara.
Terrorismo
A palavra terrorismo ganhou toda uma outra dimensão após o 11 de setembro de 2001. Nessa altura, os jovens da Geração Z ainda não eram nascidos, ou eram demasiado novos e não se lembram do que era o mundo antes da queda das Torres Gémeas, moldando por isso a maneira como olham para os ataques terroristas.
“Eles vivem num mundo em que as coisas estão em constante ameaça terrorista. Um jovem desta geração que veja uma mochila abandonada no metro, o primeiro pensamento que tem é: ‘será que alguém deixou aqui uma bomba?’, enquanto uma pessoa com a mesma idade há uns anos pensaria: ‘olha, alguém esqueceu-se da mochila’.”, explica Madalena Lupi.
Já Patrícia Câmara não acredita que estes jovens estejam assustados com estes ataques, especialmente por acharem que Portugal é um país seguro.
Crescer com a crise
Para além do terrorismo, a crise financeira foi outro dos fenómenos que marcou o crescimento destes jovens. A grande maioria não se lembra do que é viver sem crise.”Eles têm muita noção do que foi a crise e têm consciência de que ela pode comprometer ou condicionar o seu futuro”, defende Diana Dias Carvalho.
Madalena Lupi também sublinha o peso da crise nesta geração. “Provavelmente tiveram pais que perderam emprego, houve estilos de vida que mudaram. Eles já perceberam que nada é seguro, que as coisas podem acabar de um momento para o outro e portanto já não são tão idealistas”. Ao serem menos “idealistas” e mais “fazedores”, continua a investigadora, é também uma geração que pensa que “pode mudar o mundo no pequeno espaço que é seu e no grande espaço que é a internet”.
Futuro profissional….
Patrícia Câmara considera que se trata de uma geração que procura “alternativas” ao dito emprego clássico — as startup e a”recuperação” dos cursos profissionais são exemplo disso. “Procuram coisas mais centradas a partir de si próprios, na construção de coisas para o mundo, do que propriamente na integração de grandes instituições”.
A crise também fez com que se tornassem “menos obstinados” com as carreiras e levou-os a questionar os “padrões de sucesso”. “Não me parecem miúdos tão centrados no sucesso, até porque a maior parte sente que as carreiras não existem”, acrescenta.
E será que, à semelhança das gerações anteriores, estão de olhos postos lá fora em novas possibilidades de emprego? Patrícia Câmara acha que não. “Acho que esta ideia de ir para fora está a ficar mais pequenina. Não só pela questão do medo — dos atentados terroristas, do Brexit –, mas também pela vontade de reabilitar o próprio país. Os momentos de grande crise também obrigam a um olhar para dentro social e psicologicamente”.
Esta insegurança relativamente ao futuro faz com que alguns jovens optem por estar mais focados no aqui e agora. “Acho que esta indefinição do futuro é a grande diferença para esta geração. Além de que o presente é tão espesso que eu não acho que eles estejam propriamente a pensar no futuro”, defende Patrícia Câmara.
… e pessoal?
Mas não se pode descartar o lado pessoal e Patrícia Câmara considera que o maior receio dos jovens continua a estar ligado a este aspeto: “Não encontrar alguém com quem partilhar a vida”. Para esta geração, a família voltou a ter um lugar central, defende a psicóloga. “Querem uma carreira sim, mas sem abdicar de existência”.