O Governo preparou novos cenários sobre a sustentabilidade da Segurança Social para responder às críticas de “falta de rigor” que se adensaram por ter alterado em menos de um mês a projeção feita sobre a evolução do sistema. Nestes novos cenários, apresentados agora, e ao contrário do que fez em setembro, o Governo já tem em conta a evolução positiva das receitas contributivas nos próximos anos e todos os outros “pressupostos” incluídos na proposta de OE. E calcula que, com a atualização automática das pensões, o primeiro défice do sistema chegaria em 2030, dois anos mais cedo do que com a limitação da regra (2032). É uma diferença de três anos (2027) face ao que divulgou em setembro para justificar a não atualização das pensões à luz da lei.

O impacto do aumento das pensões na sustentabilidade da Segurança Social continua a aquecer os debates parlamentares. Esta segunda-feira, em resposta a perguntas do deputado da Iniciativa Liberal Rui Rocha sobre o tema, a ministra do Trabalho e da Segurança Social indicou terem sido preparadas “várias simulações” que mostra como o “próprio cenário é suscetível de ter variações em função de dois fatores determinantes”: o emprego e a rentabilidade do FEFSS (o Fundo que serve para pagar pensões quando o sistema se torna deficitário).

No documento, a que o Observador teve acesso, o Governo traça um cenário de atualização das pensões à luz da lei (que, mantendo-se as projeções do Executivo, significaria subidas entre 7,1% e 8%) e caso a rentabilidade anual intrínseca do FEFSS fosse de 4% — o mesmo valor usado na simulação que inscreveu na proposta de Orçamento do Estado. Nesse cenário, o primeiro défice do sistema previdencial (o que paga as pensões) da Segurança Social registar-se-ia em 2030. Com a limitação da atualização em janeiro, o que tem efeitos nas pensões futuras, o primeiro défice seria verificado em 2032.

Cenários elaborados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento com base nos pressupostos que constam no OE para 2023

Em ambos os casos, o défice em 2060 seria de 0,3% do PIB. E enquanto o défice máximo (registado algures entre 2023 e 2060) seria de 1% no cenário de atualização automática, no cenário que o Governo quer aprovar seria de 0,9%. Nos dois casos é assumida uma rentabilidade do FEFSS de 4% no horizonte de projeção. Veja aqui os cenários elaborados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento.

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Por sua vez, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), a ‘almofada’ acionada para pagar pensões caso o sistema entre em falência, num cenário de atualização à luz da lei, não se esgotaria no horizonte de análise (que vai até 2060), tal como no cenário com as regras adotadas pelo Governo na proposta de OE. Mas se a rentabilidade do FEFSS fosse mais baixa, de 1,9%, a ‘almofada’ esgotar-se-ia em 2053.

Na projeção, o Governo estima que, com a atualização automática, o FEFFS atingiria o seu máximo em 2033 (de 16,6% do PIB e 208% das pensões em 2023), enquanto que mantendo-se a regra do Governo o máximo chegaria em 2034 (19,2% do PIB e 243% das pensões em 2034).

Atrasar a entrada nos défices interessa ao sistema para evitar que a tal almofada se esgote mais cedo, mas também porque quão mais atrasado for o primeiro défice maior será o bolo do FEFSS que fica a render. Mas as novas contas do Governo mostram diferenças significativas face aos cálculos que divulgou em setembro para sustentar a não aplicação da fórmula automática das pensões porque, argumentava, colocava em causa a sustentabilidade do sistema.

Na altura, na simulação que divulgou, o Executivo apenas mexeu na rubrica das despesas com pensões, que aumentaria em 2030 cerca de mil milhões de euros face ao que previa em abril de 2022. Mas não mexeu nas receitas, mesmo apesar de até julho já estarem a subir mais de 10%. Com base nas contas mais detalhadas que o Executivo quis agora enviar aos deputados, esses “pressupostos” levavam o Governo a concluir que uma atualização de 8% nas pensões traria o primeiro défice ao sistema em 2027 — três anos mais cedo do que no cenário atualizado — enquanto a limitação da regra apenas o traria em 2029.

Quando foram divulgadas em setembro, as simulações foram muito criticadas pela oposição, nomeadamente pelo Bloco de Esquerda, que por várias vezes acusou o Governo de mentir. Ana Mendes Godinho foi dizendo, ao longo da audição desta segunda-feira, que o Governo se foi baseando na informação disponível e nos cálculos dos gabinetes de estudos.

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Acordo de rendimentos faz subir projeções de receitas

Para 2023 o Governo prevê um aumento das contribuições em 10% face ao que estava projetado para 2022. Já para 2030, por exemplo, estima mais dois mil milhões de receitas.

Ana Mendes Godinho justificou a revisão das receitas com o acordo de rendimentos, à boleia de mais contribuições sociais. O acordo propõe limiares de aumentos anuais (não obrigatórios) até 2026 no setor privado que, estima o Governo, em termos acumulados, correspondem a 50% do valor das contribuições deste ano.

“É esta evolução e previsão de evolução dos salários que nos garante a sustentabilidade do sistema da Segurança Social. É este compromisso e este acordo de rendimentos que nos dá uma garantia completamente diferente daquela que tínhamos quanto à evolução dos salários e compromisso, quanto à evolução das contribuições sociais, que permite que no acumulado dos aumentos até 2026 tenhamos um aumento correspondente a mais 50% de contribuições da Segurança Social”, disse Ana Mendes Godinho, vincando o argumento da sustentabilidade.

“É isto que constrói a sustentabilidade, a sustentabilidade faz-se com a capacidade do sistema integrar e garantir que nele participam mais trabalhadores mas também trabalhadores com melhores salários”, defendeu. Mendes Godinho foi repetindo que Portugal é o “único país da Europa” que assinou um acordo de rendimentos de médio prazo com metas.

Além do acordo de rendimentos, o que explica a revisão das receitas? Primeiro o facto de o Governo dizer que as projeções reveladas em setembro foram feitas em agosto, com os pressupostos que constavam no orçamento que tinha sido “acabado de aprovar” (entrou em vigor em junho).

Outro argumento usado é o da rentabilidade do FEFSS. A proposta de Orçamento do Estado para 2023 assume, a partir de 2024, uma “rentabilidade anual intrínseca de 4% ao longo do tempo”, enquanto antes era 1,9%. “A grande diferença tem a ver com o facto de 50% das aplicações do fundo estarem em dívida pública que tem tido uma evolução muito positiva nos seus prazos de maturidade”. Mendes Godinho diz mesmo que “80% da receita do fundo resulta destes 50% de aplicações em dívida publica”.

Além disso, prevê uma redução de 20% da despesa com subsídio de desemprego, o que significa um “aumento de 75% do saldo do sistema previdencial”.

Estas justificações não foram suficientes para o Bloco de Esquerda, que continuou a insistir numa atualização das pensões que tenha em conta a fórmula automática. Durante a audição, o deputado bloquista José Soeiro insistiu que as contas do Governo eram uma “aldrabice” e estavam “marteladas”, baseadas em “pressupostos falsos”. Ana Mendes Godinho foi-lhe respondendo: “Quando diz que minto pense que está a dizer que é um gabinete de estudos que está a mentir”.

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Soeiro começou a intervenção a usar o “método pedagógico de Paulo Sá”, que em 2015 usou legos para explicar a carga fiscal. No caso de Soeiro, a intenção foi criticar a limitação dos aumentos de janeiro e os seus efeitos a partir de 2024. Mas Ana Mendes Godinho não gostou da brincadeira. “Os dados que dou sempre são os dados que estão disponíveis a cada momento por parte dos organismos. São feitos com ciência, com modelos”, atirou. “Não com legos.”