O fascínio ocidental pelo Extremo Oriente é antigo. Remonta aos séculos XVI e XVII, quando os comerciantes europeus começaram a trazer das suas viagens porcelanas da China e lacas japonesas. A porcelana chinesa, que surpreendeu os europeus pela técnica e pela decoração, começou a ser adaptada ainda na China ao gosto ocidental e tornou-se de tal forma o padrão que ainda hoje é a palavra “china” que designa porcelana em inglês.

O desenvolvimento da navegação a vapor e do caminho de ferro na transição entre o final do século XIX e início do século XX, veio facilitar as comunicações e, consequentemente, as trocas culturais e materiais com outros pontos do globo. Assistiu-se então a uma verdadeira “mania” da arte e dos costumes do Extremo Oriente, sociedades em que os modelos de vida mais ritualizados e simbólicos contrastavam com o bulício industrial que se vivia na Europa.

Foi nessa época que Calouste Gulbenkian foi seduzido pelos encantos das artes produzidas na China e no Japão, adquirindo para a sua coleção, entre 1907 e 1947, um conjunto de objetos requintados, executados em porcelana, laca e pedras duras, mas também alguns têxteis, ou xilogravuras sobre papel.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

À imagem do que aconteceu com a arte europeia, também no que à cerâmica chinesa diz respeito, Gulbenkian interessou-se particularmente pelas peças do século XVIII. Elas correspondem ao período da dinastia Qing, em que a China foi governada pela tribo Manchu, originária do Nordeste da Manchúria, cujos imperadores eram grandes mecenas das artes, o que proporcionou grande impulso à produção artística. Mas a coleção inclui também exemplares de outras épocas e dinastias, casos da taça da dinastia Yuan, do início do século XIV ou de um prato de porcelana azul e branca da dinastia Ming, do início do século XV.

Taça com pé. China, início do século XIV, dinastia Yuan. Porcelana com vidrado “qingbai”. Museu Calouste Gulbenkian. Foto: Catarina Gomes Ferreira

A primeira é uma peça de apenas 10 cm de altura, muito rara, revestida de um vidrado translúcido azul-água designado por “qingbai”, onde estão representadas figuras budistas em painéis vazados. Já o prato da dinastia Ming, o exemplar mais antigo desta tipologia na coleção, é um prato fundo decorado a azul-cobalto sob o vidrado, com motivos que fazem parte do léxico floral chinês, como a peónia ou a flor de lótus.

Pese a importância histórica e até cultural da porcelana chinesa, uma das obras mais fascinantes deste núcleo pertence a outra categoria artística. Trata-se do imponente biombo “de Coromandel”, produzido na China no final do século XVII e exportado para a Europa através da zona costeira do sudeste da Índia com esse nome, Coromandel. Um biombo de 12 folhas em madeira de pinho, articuladas por dobradiças, que terá sido executado para presentear um alto dignitário local por altura do seu quinquagésimo aniversário, com cenas do seu quotidiano. Não é, portanto, um biombo produzido para exportação, como outros, o que o torna mais raro e singular, permitindo-nos um olhar próximo sobre a vida da alta sociedade chinesa nesta época.

Do Japão, Calouste Gulbenkian reuniu um conjunto notável de obras, de que fazem parte estampas de artistas como Utamaro, Hiroshige ou Hokusai, entre outros, que evocam os prazeres efémeros, ou do “mundo flutuante” (ukiyo-e) e objetos de laca, de refinada execução, em que a natureza merece lugar de destaque.

Utagawa Kuniyoshi, Utagawa Kunisada e Utagawa Hiroshige, “Kusatsu”, da série “Cinquenta e Três Pares ao Longo da Estrada do Tōkaidō” [Tōkaidō goj ūsan tsui]. Japão, 1845. Estampa sobre papel. Editor: Kojimaya Jūbei, Ibaya Senzaburō, Ibaya Kyūbei, Enshūya Matabei, Ebiya Rinnosuke e Iseya Ichiemon. Museu Calouste Gulbenkian. Foto: Catarina Gomes Ferreira