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"Drag Race" foi criada durante a pandemia, uma transformação de um Porsche 911 Targa Carrera ao estilo Barroco
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"Drag Race" foi criada durante a pandemia, uma transformação de um Porsche 911 Targa Carrera ao estilo Barroco

Lionel Balteiro / LaMousse

"Drag Race" foi criada durante a pandemia, uma transformação de um Porsche 911 Targa Carrera ao estilo Barroco

Lionel Balteiro / LaMousse

Joana Vasconcelos no MAAT: valquírias e porsches, entre a memória e o "delírio do tempo"

A exposição "Plug-in", em Lisboa, pode ser vista a partir de 29 de setembro. Fizemos uma visita guiada com a artista, durante as montagens, entre obras de outros tempos e uma peça inédita.

É debaixo de um longo braço envolto em tecido e franjas coloridas que ela se movimenta. Ajuda a erguer a estrutura, afasta-se para ver de outro ângulo, aponta e dá indicações. De repente, é chamada. Valkyrie Octopus fica entregue a uma dezena de colaboradores, Joana Vasconcelos é necessária para resolver algo na Árvore da Vida, instalada no antigo Museu da Eletricidade.

Sobe as escadas junto do portão de descargas exatamente no momento em que chega um antigo e muito peculiar Morris Oxford. Detém-se uns segundos e continua, por entre a gravilha de um caminho das traseiras que liga os dois edifícios do MAAT, em Lisboa. É assim a tarde toda, um ritmo apressado para a frente e para trás que Joana Vasconcelos domina sem denunciar uma ponta de stress. Faltam cerca de 70 horas para a inauguração de Plug-in, a exposição individual que reúne obras inéditas, peças icónicas com mais de 20 anos e elementos da Coleção de Arte da Fundação EDP.

O edifício MAAT Central (a antiga central elétrica) libertou todo o seu espaço para acolher a Árvore da Vida. Criada em 2023 especificamente para a Sainte-Chapelle de Vincennes, em Paris, troca pela primeira vez o ambiente clássico de uma igreja por um cenário completamente industrial. “Só adaptamos a altura, aqui tem cerca de 13 metros, menos um do que tinha. Em França estava fantástica, só que o diálogo que ela estabelece com esta estrutura industrial é muito diferente daquele que existia com a Sainte-Chapelle. Património, vitrais, uma coisa super clássica, e aqui é um discurso novo, parece que cresceu aqui dentro”, explica ao Observador.

"War Games" e "Strangers in the Night", de 2011 e 2000, respetivamente. São as obras mais antigas em exposição nesta "Plug In"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Feita de alumínio, aço, croché de algodão e tecidos, tem 354 ramos e 140 mil folhas bordadas à mão. À noite, os LED que se espalham pela árvore ajudam a dar-lhe ainda mais vida. “Vamos ter de pôr aquele ramo de lá para cá, percebem?”, diz aos dois técnicos que, em cima de uma grua, colocam uma tira de tecido dourado à volta de um ramo. No chão há muita coisa a acontecer: cabos elétricos que se instalam, estruturas metálicas que se encaixam, folhas que retomam os seus devidos lugares.

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“A minha maior preocupação é montar as coisas a tempo e que as pessoas gostem. Apesar de montarmos e desmontarmos estas peças em muitos lugares, cada um tem uma entidade e problemas diferentes. É o chão, é o sítio das máquinas, há uma logística que torna cada lugar único na sua arquitetura e nas suas condicionantes. Há sempre surpresas.” E especificamente com a Árvore da Vida — a interpretação da artista plástica do loureiro em que a figura mitológica de Dafne se transforma para fugir às investidas amorosas de Apolo — houve um momento bastante caótico. “Estávamos na Sainte-Chapelle e os troncos, como tinham sido mal soldados por um serralheiro, de repente abriram e ouvimos um ‘crac’. Tivemos de desmontar a árvore toda de uma vez só e recomeçar. Estávamos a dois dias da inauguração”, recorda.

“Não deixa de ser engraçado. Fui expondo aqui várias vezes, uma peça, duas peças, mas a única vez em que mostrei um conjunto de obras foi nessa ocasião, em 2001, e agora. Voltar 22 anos depois com um novo corpo de obra dá para fazer um paralelismo: onde comecei e onde estou hoje. É como voltar à casa de partida.”

No MAAT (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia) ainda não houve nenhum fogo para apagar. A imponente árvore está praticamente terminada e espera pelos visitantes a partir de sexta-feira, 29 de setembro (a abertura ao público acontece um dia após a inauguração) — e até 31 de março de 2024. No exterior do edifício de tijolo está já instalado I’ll Be Your Mirror. 255 molduras barrocas em bronze e 510 espelhos de mão sobrepostos, como se fossem escamas, criam uma gigantesca máscara veneziana. Esteve no Museu Guggenheim de Bilbau e na Quinta da Bacalhôa e agora fica cara a cara com o rio Tejo.

Um grupo de turistas asiáticos que passa de trotinete abranda para tirar fotos à obra. É possível que só perceba mais tarde que nessas imagens, por sorte, registou também a própria Joana Vasconcelos, aclamada internacionalmente, com um currículo com mais de 30 prémios, condecorada em França e em Portugal, e com obras importantes espalhadas pelo mundo. E foi precisamente da Ásia, de Macau, que viajou outra imponente peça de Plug-in. No edifício MAAT Gallery ergue-se Valkyrie Octopus, a obra produzida com croché de algodão feito à mão, aplicações em feltro, malha industrial, tecidos, LED, adereços, insufláveis, ventiladores e cabos de aço. As valquírias de Joana Vasconcelos são esculturas inspiradas nas figuras femininas da mitologia nórdica que sobrevoavam os campos de batalha, trazendo de volta à vida guerreiros, para se juntarem às divindades em Valhalla. Foi criada em 2015 para o complexo hoteleiro MGM Macau e nunca de lá tinha saído.

"Valkyrie Octopus" (2015) e "Árvore da Vida" (2023): as duas criações de maiores dimensões que podem ser vistas

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Também é a primeira vez que a vejo tão perto”, revela a artista portuguesa. “Ela estava muito alta, o espaço lá tem um pé direito gigante e, portanto, é muito giro ver numa peça que tem quase dez anos os pormenores, muda completamente a perspetiva. Foi adaptada para estar aqui, alguns braços eram muito compridos, tivemos de encurtar para poder caber.” Completa com azulejos Viúva Lamego, a peça tem inúmeros detalhes portugueses que Joana Vasconcelos queria mostrar por cá. “O MGM Macau tinha imensas referências arquitetónicas de Lisboa. Então, eu escolhi os tons das fachadas de Lisboa, os tons da luz, é uma peça que tem muito pouco preto e vermelho, mas tem os pastéis das nossas fachadas. Fazia todo o sentido trazê-la.”

Para que tudo se coordene na perfeição, a equipa do Atelier Joana Vasconcelos conta com 57 pessoas. Desenho, arquitetura, engenharia, eletricidade, têxtil, transporte, “é um esforço de um grande grupo”. Só assim é possível Joana Vasconcelos estar a poucas horas de iniciar Plug-in e, dias depois, estar em Braga a inaugurar um projeto local e no início da semana seguinte voar para Florença, onde estará lado a lado com obras de Leonardo da Vinci e Michelangelo — a partir de 4 de outubro na Galeria dos Ofícios e no Palácio Pitti.

“Tivemos de inventar todo um sistema de como trazer um altar para cima de um Porsche. Nos altares vemos a parte da frente toda esculpida mas atrás são madeiras, é tudo reto. Aqui tínhamos de nos adaptar ao formato do Porsche, que é todo arredondado."

Por enquanto, mas margens do Tejo acontece uma espécie de regresso a casa. Em 2000, Joana Vasconcelos foi a primeira vencedora do Prémio Novos Artistas Fundação EDP e foi precisamente no espaço que agora é ocupado pelo MAAT que mostrou os seus trabalhos. “Não deixa de ser engraçado. Fui expondo aqui várias vezes, uma peça, duas peças, mas a única vez em que mostrei um conjunto de obras foi nessa ocasião, em 2001, e agora. Voltar 22 anos depois com um novo corpo de obra dá para fazer um paralelismo: onde comecei e onde estou hoje. É como voltar à casa de partida.”

Para fazer essa ponte há para ver Strangers in the Night. Parte da Coleção de Arte Fundação EDP, é a única obra que regressa passados 22 anos. Inspirada pelas prostitutas que via na zona de Monsanto, completamente expostas, nasceu este abrigo, uma cabine de peep-show em napa branca forrado por farolins e ferro. Em loop ouve-se a voz de Frank Sinatra a entoar, precisamente, Strangers in the Night, enquanto as luzes piscam à vez ou em conjunto.

Na mesma sala convivem dois carros, um deles que será agora pela primeira vez mostrado ao público. Drag Race foi criado em plena pandemia de Covid-19. “Se fosse agora nunca teríamos feito aquilo, foi também o delírio do tempo do confinamento. Como tínhamos tempo, fomos desenhando mais e mais complicado. Só percebemos isso quando começamos a construir. Foi uma atitude barroca, no fundo.” Porsche 911 Targa Carrera e estilo Barroco nunca fazem sentido na mesma frase. A não ser que estejamos a falar de Joana Vasconcelos, que alterou por completo o carro, juntando-lhe plumas de avestruz, madeira de tília esculpida, talha dourada à folha de ouro, revestimentos com pele tingida gravados a ouro fino, metal fundido, cinzelado e dourado, e tecido ETRO.

"I'll Be Your Mirror" e "Solitário": duas obras de 2018, ambas instaladas no exterior do MAAT

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Como a Fundação Ricardo Espírito Santo tinha pouco trabalho e eu também, um dos entalhadores veio para o atelier. Começámos a desenhar ao estilo Barroco, influenciados por Tibães [Mosteiro em Braga], o nosso Barroco, os nossos altares. Fui para o Museu dos Coches olhar para os coches. Comecei a inventar uma espécie de carroça real com influências de Tibães, fiz uma salada russa do Barroco. Pus-me a desenhar, desenhar, desenhar, anjinhos, isto e aquilo. Quando chegámos ao fim, disseram-me: ‘Só há um pormenor, é que nunca fizemos isto. Nós restauramos, mas nunca fizemos de raiz’.”

Só parecia haver uma solução: fazer de raiz. “Tivemos de inventar todo um sistema de como trazer um altar para cima de um Porsche. Nos altares vemos a parte da frente toda esculpida mas atrás são madeiras, é tudo reto. Aqui tínhamos de nos adaptar ao formato do Porsche, que é todo arredondado. Foi preciso trabalhar com uma CNC [máquina de moldes] para moldar os barrotes, mas foi uma confusão porque estávamos no confinamento. O senhor do CNC foi-se embora e não queria voltar. Eu não queria só utilizar a talha dourada, queria gravar a cor os sofás, utilizar toda a parte de metal da cinzelagem, que é uma técnica que adoro. Tivemos todos de inventar maneiras de integrar estas técnicas no Porsche. Por exemplo, os puxadores estão todos abraçados com metal. O drama foi no fim, com os anjinhos. Eu queria muito por os anjinhos que tinha desenhado mas nunca ninguém tinha feito uns anjinhos inteiros. Tivemos de moldar em barro, foi demais”, recorda.

“[a peça 'Solitário'] Tinha saído de uma exposição, estava para ir para o colecionador, em Madrid. Insistimos para trazê-la para o MAAT, eles ficaram reticentes porque a peça já tinha estado noutro museu. Já estão fartos de esperar para ter a peça de volta, tive de pedir muito encarecidamente.”

Por ter sido uma aventura tão frenética, Joana Vasconcelos está ansiosa para ver a reação do público. Sempre que pode, está presente nas inaugurações, mas já fez mais do que isso. “Uma vez, quando fiz a primeira exposição com várias peças na Galeria Presença [no Porto], fui beber uma água e quando voltei estava a acontecer uma visita guiada de uma professora da Universidade de Belas Artes do Porto. Estava a explicar a minha obra à turma, estava a falar de Strangers in the Night. Eu, como estava em montagens, tinha um macacão de ganga vestido e, como tinha mais ou menos a idade dos alunos, pus-me lá entre eles. Ela começou a falar do surrealismo e da abstração e eu comecei a fazer perguntas. Ela não sabia quem eu era, fiz-me de aluna e foi muito giro porque ela disse coisas muito interessantes. Foi aí que percebi que realmente a interpretação que as pessoas têm é feita à luz do seu conhecimento, da cultura, da idade. As pessoas conectam-se com a obra dependendo do seu background.”

Também no Museu Guggenheim, em Bilbau, reparou no mesmo. “Diziam que a minha exposição era dos oito aos 80 anos. Vinham miúdos das escolas e adoravam, mas vinham muitas senhoras de idade que se identificavam com o crochê, com as manualidades. Era muito curioso.”

“A minha maior preocupação é montar as coisas a tempo e que as pessoas gostem. Apesar de montarmos e desmontarmos estas peças em muitos lugares, cada um tem uma entidade e problemas diferentes"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Com os visitantes do MAAT, Joana Vasconcelos partilha outra obra, do acervo pessoal, que é especial. Quando tirou a carta, aos 18 anos, o avô deu-lhe um carro para que pudesse praticar a condução. Não era um modelo qualquer, era um Morris Oxford [o avô era colecionador de carros antigos], mas o seu destino não foi bem o que estava previsto. War Games foi criado em 2011 e tem o exterior coberto com dezenas de espingardas de plástico e luzes LED vermelhas que se acendem e apagam ininterruptamente. No interior convivem centenas de bonecos de peluche que se agitam ruidosamente numa viagem que pretende ligar a infância e a idade adulta, o sonho e o pesadelo, a escuridão e a luz. “Não, não, isto tem de ser muito mais para a frente”, diz assim que entra na sala e repara no posicionamento da viatura. Ao lado dela já alguém está a tomar nota do que é necessário resolver.

No exterior do MAAT está Solitário, a última das sete peças de Plug-in — e tê-la ali não foi nada fácil.  “Tinha saído de uma exposição, estava para ir para o colecionador, em Madrid. Insistimos para trazê-la para o MAAT, eles ficaram reticentes porque a peça já tinha estado noutro museu. Já estão fartos de esperar para ter a peça de volta, tive de pedir muito encarecidamente”, revela Joana Vasconcelos.

Composta por 1449 copos de uísque de cristal e 110 jantes douradas de liga leve, a obra terá pela primeira vez iluminado o diamante do topo. Após 31 de março de 2024 (quando termina a exposição), o anel seguirá sem desvios para Madrid. Provavelmente, nunca mais voltará a estar reunido com as restantes peças de Plug-in. Depois de Lisboa, cada uma segue o seu caminho, umas para um museu em Malta, outras para uma mostra na Alemanha. Até lá, são para apreciar no interior e no exterior do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia.

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