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Lídia e Eunice Muñoz, fotografadas no teatro Nacional D. MAria II em novembro de 201, no espectáculo de homenagem dos 80 anos de palco da atriz
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Lídia e Eunice Muñoz, fotografadas no teatro Nacional D. MAria II em novembro de 201, no espectáculo de homenagem dos 80 anos de palco da atriz

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Lídia e Eunice Muñoz, fotografadas no teatro Nacional D. MAria II em novembro de 201, no espectáculo de homenagem dos 80 anos de palco da atriz

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Lídia Muñoz regressa à Amareleja e quer "recuperar a Troupe Carmo" da avó Eunice

Com o marido, o realizador Tiago Durão, a também atriz está à frente de um projeto para dinamizar teatro, cinema e fotografia na localidade onde Eunice Muñoz nasceu e para seguir pelo Alentejo.

30 de julho de 2023: com um projetor debaixo do braço, o filme Eunice ou Carta a Uma Jovem Atriz e pouco mais, Lídia Muñoz e Tiago Durão percorreram os pouco mais de 200 quilómetros que separam Lisboa e Amareleja. Foi lá, na localidade onde a atriz nasceu em 1928, que se fez a festa daqueles que seriam os 95 anos da Eunice Muñoz. “Embora ela já cá não estivesse, decidimos fazer um evento na Amareleja porque era um sítio de que a minha avó falava com muita saudade e ternura”, explica Lídia Muñoz, neta e também atriz, ao Observador.

Instalados naquela que em tempos foi a casa do médico que fez o parto de Eunice Muñoz, e que agora é um alojamento local (Casa Garcia), foi ali mesmo, no terraço, que o filme (realizado por Tiago Durão) foi exibido. Com algumas reservas, “porque a Amareleja não tem cinema nem teatro e há muita gente de 40/50 anos, e crianças, que nunca foram ao teatro”, o casal achava que não iria aparecer quase ninguém. “Pedi 30 cadeiras. Ao fim de uma hora estavam 70 pessoas inscritas. Ao final de duas, perto de 100. Ao final de três, disse: ‘Metam todas as cadeiras e bancos que houver porque isto vai encher’”, recorda o realizador. E foi ali, perante o fascínio de uma “espécie de Cinema Paraíso” improvisado que foi traçado o primeiro esboço de um projeto que vai acontecer em 2024.

Uma conversa informal com a vereadora da cultura da Câmara Municipal de Moura, Lurdes Pé-Curto Balola, e com a tesoureira da Junta de Freguesia, Ana Paula Gordilho, fizeram explodir nas cabeças de Tiago Durão e Lídia Muñoz uma lista de oportunidades sem fim. Por isso, o regresso a Lisboa fez-se entre telefonemas. “Comecei a fazer chamadas para ver onde se conseguiria arranjar dinheiro para um projeto e descobri que dois dias antes, a 28 de julho, deveria teria fechado o Concurso de Arte e Coesão Territorial, uma coisa inédita que nunca tinha acontecido na Direção Geral das Artes e que, em parceria com o ISCTE, existiria em 2023. Por alguma razão, que desconhecemos até hoje, a data de fecho tinha sido adiada para 16 de agosto”, recorda Tiago Durão.

Imagem do filme "Eunice ou Carta a uma Jovem Atriz", de Tiago Durão, que foi projetado na Amareleja em julho de 2023, momento que marca o princípio deste regresso

Foi o sinal necessário. Seguiram-se mais telefonemas, desta vez para os amigos da área: José Raposo, Dalila Carmo, Pedro Penim. “Começamos ali a fazer um projeto megalómano para a Amareleja. Mas, depois descobri que na Amareleja não podia ser porque não estava sinalizada para estes projetos. Porém, Barrancos, ao lado, estava.” Dezenas de contactos depois, já a comunidade estava envolvida. Pequenas associações, grupos artísticos, poder local — em dois ou três dias juntaram-se cartas de toda a gente, demonstrando o entusiasmo pela iniciativa. “Decidi então que, às nossas custas, sem a estrutura da DGArtes, iríamos reproduzir o projeto na Amareleja. A diferença eram 100€, que era o transporte de um cenário.”

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Em duas semanas, Tiago Durão e Lídia Muñoz alinhavaram aquilo que vai traduzir-se numa mudança de vida profissional, mas também pessoal. “Somos malucos”, admite Lídia Muñoz. Cresceram os dois em Lisboa e, nos últimos anos, foram uma família de quatro: com o filho, Amadeo, que nasceu em 2021, e Eunice Muñoz, que com eles viveu em Paço d’Arcos até ao fim. Avó e neta tinham uma ligação profunda e especial, que se estendeu até para os palcos, onde partilharam a peça A Margem do Tempo.

Nos próximos meses deixam a capital para trás e instalam-se na Amareleja, onde compraram uma casa, um sonho que herdaram de Eunice Muñoz.

Ateliers de teatro, cinema itinerante e um documentário

Com o apoio da DGArtes garantido, será possível concretizar inúmeras iniciativas. Está previsto um atelier de 18 meses para formar crianças e jovens, coordenado pelo casal. A eles juntam-se 16 convidados (entre eles, os amigos atores e encenadores já referidos, que embarcaram de imediato na aventura). “Vão a Barrancos e à Amareleja falar com os jovens sobre a arte do ator, sobre o teatro ou sobre outra coisa que os miúdos queiram”, conta Tiago Durão.

Este é um regresso às origens, revitalizando a Troupe Carmo, exatamente onde Eunice Muñoz se estreou como atriz, ainda em criança: “Chama-se Projeto Carmo e queremos retomar uma coisa que acabou há 80 e muitos anos”.

Haverá espetáculos para todas as faixas etárias e uma parceria para construir produções que se insiram no plano curricular de estudos. “Para termos uma ideia, montar um espetáculo desses em Lisboa custa menos quatro mil euros. Isto porque, para lá, temos de deslocar toda a produção, acaba por ser dispendioso.” Em Barrancos terão livre utilização do cineteatro. Os técnicos serão formados na região para que futuramente a Câmara Municipal possa empregá-los. O audiovisual também precisava de especialistas. “Chamámos o João Porfírio [editor de fotografia do Observador], que é nosso amigo e um brilhante fotógrafo. É ele que vai dar uma formação a quem queira saber como funciona uma máquina, como se dispara, etc.”

Uma companhia de teatro de Almada vai deslocar-se até às duas localidades para fazer um espetáculo para bebés e, no final, haverá um documentário. “Vai resultar de uma investigação etnográfica que há-de ser tratada pelo investigador Guilherme Filipe. Vamos registar uma série de costumes e testemunhos de quem vive ali, sobretudo pessoas com 90 e tal anos que se lembram de ver teatro desmontável, inclusive a Troupe Carmo.”

Em todas as vertentes da iniciativa, envolver a comunidade local é sempre uma prioridade, como por exemplo ter um artista da zona a fazer cenografia e a Filarmónica ou os grupos de cante a contribuírem com criações originais. O barranquenho, língua em desaparecimento, será investigado e será feito um levantamento dos poetas barranquenhos porque “há vários, mas estão soltos”.

"Queremos ir até Beja, Campo Maior, Portalegre. Gostávamos também de conseguir um intercâmbio cultural com quem ganhou este projeto noutros sítios”

Tiago Durão começou no teatro, sob os ensinamentos de Carlos Avillez. Este é, para ele, também um regresso às origens, revitalizando a Troupe Carmo, exatamente onde Eunice Muñoz se estreou como atriz, ainda em criança. “Chama-se Projeto Carmo e queremos retomar uma coisa que acabou há 80 e muitos anos.” Está ainda a ser pensado um cinema itinerante. “Quem está em Barrancos e quer ir ao cinema tem de fazer 100 quilómetros, o que é incomportável. A cultura é que tem de ir ao encontro das pessoas.”

O projeto vai estender-se até 2025 e, por isso mesmo, instalarem-se no local foi uma decisão óbvia para Tiago Durão e Lídia Muñoz. “Um dos sonhos da Eunice era ter uma casa no Alentejo. Nunca a teve, por várias razões, mas sobretudo porque nunca parou”, diz Tiago Durão.

Uma casa com árvores, como Eunice ansiava

O sonho concretiza-se agora duas ruas abaixo da rua onde a atriz nasceu, a 30 de julho de 1928. O edifício está a ser recuperado, mantendo a traça alentejana, e conta com o apoio da Barbot (o casal está a desenvolver parcerias com várias marcas para conseguir alargar cada vez mais a iniciativa). “É uma marca antiga e com provas dadas que quis juntar-se a este projeto, que não é apenas nosso. A nossa ideia tem um propósito maior, unir a comunidade, e a Eunice tinha um talento muito grande para isso. Mesmo depois de partir, continua a trazer à sua volta a sociedade civil, a admiração e o carinho. A nossa ida para o Alentejo e o estabelecer deste projeto pretende ajudar na descentralização de um país absolutamente centrado em Lisboa.”

Com o apoio da DGArtes garantido, será possível concretizar inúmeras iniciativas. Está previsto um atelier de 18 meses para formar crianças e jovens, coordenado pelo casal e 16 convidados: “Vão a Barrancos e à Amareleja falar com os jovens sobre a arte do ator, sobre o teatro ou sobre outra coisa que os miúdos queiram”, conta Tiago Durão.

A tipologia da casa escolhida é muito semelhante à casa de infância de Eunice Muñoz. “Visitamos a senhora que vive na casa onde a avó nasceu, que tem até um altar para a minha avó no quarto dela. A minha avó falava sempre de um poço naquela casa que era onde queria que as cinzas dela fossem depositadas. No dia em que fui visitar a Amareleja com a minha avó, ela estava ansiosa para ver o poço, mas ele já não existe. As pessoas taparam os poços porque eram perigosos”, explica Lídia.

A casa que escolheram tem com quintal e árvores por um motivo específico: “A Eunice ficava muito à janela da casa de Paço d’Arcos [que surge no filme Eunice ou Carta a Uma Jovem Atriz] e, um dia, estavam a cortar as árvores na rua e ela chorava”, conta Tiago Durão. No novo terreno há duas oliveiras e um limoeiro. “Ela teria adorado.”

Apesar de ter deixado a Amareleja ainda jovem, Eunice Muñoz partilhava muitas recordações do local. “Falava muito de correr naquele lugar com o irmão, nas mesmas ruas em que agora vejo o Amadeo correr”, diz Lídia. Numa das paredes da biblioteca local vive agora um mural em honra à atriz, uma recordação constante do impacto de Eunice. O calor das pessoas e a proximidade eram outros aspetos que Eunice repetia vezes sem conta. A neta e o marido já tiveram vários exemplos para comprová-lo. “O poder local é muito próximo. Houve um dia em que precisava de uma carta de um senhor que não tinha computador e que estava no campo. Então, uma funcionária da junta de freguesia pegou no próprio carro e foi até lá. Meteu-se vinha adentro com mais de 40 graus e foi ter com o senhor para assinar a carta. Há esse comunitarismo no Alentejo”, recorda Tiago.

“Será uma festa em honra da Eunice e é aí que recuperamos a Troupe Carmo e, assim, arrancamos" — na foto (cedida por Lídia Muñoz), a antiga troupe, Eunice Muñoz é a criança ao centro

O lançamento do projeto está agendado para abril (Eunice Muñoz morreu a 15 de abril de 2022) com a inauguração da casa onde o casal vai morar. “Será uma festa em honra da Eunice e é aí que recuperamos a Troupe Carmo e, assim, arrancamos.” Dois anos estão garantidos, mas o sonho é maior do que isso. “Estamos em conversações com mais marcas, inclusive do Alentejo, para que haja um fator de propagação para outras terras. Queremos ir até Beja, Campo Maior, Portalegre. Gostávamos também de conseguir um intercâmbio cultural com quem ganhou este projeto noutros sítios.”

Para Lídia Muñoz, a azáfama dos últimos tempos acabou por revelar-se positiva. “Estamos ocupados, o que é bom. Todos os dias é muito difícil acordar e saber que a minha avó não está cá. Vivi os últimos 15 anos com ela, tratava dela, assim como ela tratou de mim quando era criança. Não sei se alguma vez se faz o luto, mas agora tenho a cabeça muito ocupada, o que também me ajuda. Ao menos estamos a fazer uma coisa que nos deixa concretizados. Acho que ela, esteja onde estiver, está orgulhosa e feliz.”

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