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Longa vida à rainha da pop: seis vezes em que Madonna mudou o mundo

Se Madonna é uma artista que vai do 8 ao 80, uma boa forma de lhe dar os parabéns é ir dos 6 aos 60 – ela chega aos 60, nós recordamos 6 vezes em que ela mudou o mundo. E sempre para melhor.

Há pessoas que recebem títulos, condecorações ou medalhas. E depois há pessoas que são o próprio título que os outros acham que lhe deram – quando na verdade o título foi criado por elas. Isto tudo para dizer que sim, Madonna é a rainha da pop, título oficial e incontestável, como toda a gente sabe, mas também que esse título nasceu e vive com ela, sendo muito provavelmente intransmissível.

Agora que Madonna vai fazer 60 anos, e que já começou a contagem decrescente para o aniversário real (basta seguir a cantora no Instagram para saber isso), é importante perceber exatamente o significado da frase de Shakespeare: “Pesada é a cabeça que usa a coroa”. É que ser a rainha tem consequências, sobretudo quando se é rainha de um reino que se construiu do zero, ou seja, onde não se chega ao trono por acaso ou por direito de nascimento.

O facto de Madonna já ter vendido mais de 300 milhões de discos no mundo todo e de ser, por isso mesmo, e de acordo com o Livro do Guiness, a artista feminina mais bem sucedida de sempre a nível comercial, ajuda muito. Mas Madonna é mais do que música, é mais do que sucessos pop e singles inesquecíveis. Ao longo do seu percurso auto-camaleónico, que os críticos de música têm avaliado pelas invulgares capacidades de adaptação e evolução estética presciente, a cantora dedicou-se a um outro pequeno feito: mudar o mundo. E a mudar o mundo de várias maneiras, e mais do que uma vez, ou pelo menos seis vezes, que é o número que convém para fazer eco às seis décadas de Madonna que o mundo celebra.

Nunca mais se usou um crucifixo da mesma maneira

Se uma pessoa se quiser mascarar de Madonna no carnaval ou para uma festa temática ali na proximidade dos anos 80 (é uma coisa que pode perfeitamente acontecer), este é o acessório que não pode faltar: um colar com um crucifixo, um terço ou a maior quantidade de cruzes possível.

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Usava o maior número que conseguia de crucifixos ao pescoço, e depois dizia a toda a gente que era por achar Jesus Cristo um homem muito sexy. Até achava, mas dizia isso mais para provocar”, confessou Madonna numa entrevista à revista Bazaar em 2013. E é aí que está o abalo provocado no mundo, porque esta relação entre Madonna e crucifixos pode parecer apenas uma graçola de indumentária, mas foi muito mais do que isso.

Madonna, como viria a tornar-se hábito ao longo da sua carreira artística, avançava assim, quase instintivamente, contra o mais estabelecido dos poderes: a religião. É legítimo colocar a questão: mas o que podia uma miúda de origem italiana que se mudou para Nova Iorque com alguns dólares no bolso fazer para perturbar a Igreja? E o que é surpreendente é que a resposta seja que ela, contra todas as expectativas e muito antes de todos os seus pares, tenha conseguido fazer exatamente isso.

Primeiro, contaminou de lascívia e feriu de morte o conceito da virgindade feminina (a música “Like a Virgin” quase nem precisa de ser nomeada para que esteja já a tocar na banda sonora do fundo de todos os cérebros). Depois, usou “Papa don’t preach” para contestar a fúria católica contra o incentivo ao sexo pré-marital conseguindo, ao mesmo tempo, incomodar os movimentos pró-aborto ao cantar o verso “I’m keeping my baby”, e até dedicou publicamente a música ao Papa João Paulo II.

A alusão religiosa nunca deixou de inspirar a estética e as performances de Madonna.

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Aliás, as “boas” relações com o Vaticano são uma constante na vida de Madonna – desde o incentivo ao boicote feito pelo Papa à tournée Who’s That Girl, ao mais recente comunicado oficial sobre blasfémia quando Madonna passou por Roma em 2006 com a Confessions Tour e se auto-crucificou em palco.

Meninas, é assim que se pode ser uma estrela pop feminina

Madonna nunca cedeu ao cliché de se armar em professora sexy e dar lições, mas há um a.M. e um d.M. no universo pop feminino que aconteceu de forma espontânea. Antes de Madonna, as mulheres no mundo da música não podiam isto e não podiam aquilo, e depois de Madonna as mulheres podem tudo o que quiserem.

Sempre que lhe disseram que uma mulher não se podia apresentar de certa maneira, ou que não podia cantar sobre alguma coisa, foi exatamente isso que ela fez. E não o fez de forma discreta, em voz baixa, chegando a pouca gente ou falando apenas para um nicho – fez tudo com estrondo. E é assim, com pequenas explosões nos pontos certos, que se abre caminho.

Ainda em 1985, ao lançar o vídeo de “Material girl”, um hino feito de ironia e que quase se transformou em nickname da cantora, Madonna já sabia que podia pegar na imagem icónica de Marilyn Monroe a cantar “Diamond’s are a girl’s best friend” e mudar-lhe o final para aquela mulher que consegue avançar por sua conta e risco rumo ao pôr-do-sol. Talvez por isso tenham tantas vezes tentado quebrar a sua confiança nesse direito, tanto pessoal como artístico, como aconteceu (curiosamente nesse mesmo ano) ao publicarem, contra a sua vontade, na Playboy e na Penthouse fotografias que tirou nua em 1978, quando fez trabalhos de modelo para pagar as contas, em que lhe pagavam 50 dólares por sessão.

É por isso que é legítimo dizer que sem Madonna, sem o seu modelo de libertação artística bendita entre as mulheres, não existiria Britney Spears, não existiria Lady Gaga, não existiria (até) Beyoncé, ou pelo menos não existiriam desta forma, com uma voz tão afirmativa. E ainda que cada uma usa a herança à sua maneira, é um legado que todas estas e muitas outras estrelas pop já reconheceram num ou noutro momento das suas carreiras.

É que depois de abrir caminho, é preciso estar a altura de saber passar o testemunho. Há um exemplo perfeito de como isso se pode fazer, e claro que foi dado por Madonna – foi em 2003 e é provável que muita gente ainda se lembre do beijo na boca, durante uma actuação ao vivo, que Madonna deu a Britney Spears e a Christina Aguilera durante os Video Music Awards da MTV. A imagem correu o mundo todo, e não podia ser um símbolo melhor para o caminho que foi preciso percorrer para se chegar ali.

A libertação sexual é de todos, e o corpo de cada mulher é da inteira responsabilidade dessa mulher

Uma mudança acaba por estar relacionada com a outra, como acontece tanto nas conversas como nas convulsões que vão levando o mundo para a frente. Se uma artista mulher pode ser o que bem entender, uma mulher, dona do seu corpo, pode ainda mais. Madonna dixit, ou pelo menos é o que tem andado a dizer com a sua carreira.

Naquele primeiro momento em que Madonna ficou gravada na retina do mundo, na histórica actuação da primeira edição dos Video Music Awards da MTV em 1984, já estava tudo lá. Madonna subiu ao palco do Radio City Music Hall de Nova Iorque vestida de noiva para cantar “Like a virgin” e acabou a rebolar pelo chão numa relação íntima e erótica com o seu próprio véu. E nunca mais nada ficou igual.

As pessoas no público estavam em choque”, disse Liz Rosenberg há poucos anos à Rolling Stone, a publicitária de Madonna a recordar esse momento fundador. E Madonna nunca deixou que a afirmação de libertação sexual feminina ficasse por aí. E fê-lo numa espécie de pré-feminismo, muito antes de tempo e muito voltado para o corpo, deixando que esse não-acabar de possibilidades das mulheres transpirasse para tudo o resto. Se hoje em dia ninguém fica assim tão chocado quando Miley Cyrus decide lamber uma bola de demolição em vídeo, muito se deve a estas polémicas que já parecem distantes.

A artista durante uma atuação com momentos sexualmente provocadores nos Grammy Awards, em 2015.

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A Blond Ambition Tour, de 1990, apresentou ao mundo aquele inesquecível soutien bicudo de Jean-Paul Gaultier. Não por acaso, Madonna aparecia em palco com o corpete para cantar “Express yourself”, deixando claro que a afirmação de design de uma peça de roupa pode ir muito além da moda (em 1993, a mesma dupla voltou a enfrentar o mundo de peito aberto num desfile do estilista em que o vestido da cantora era aberto na parte superior). Também não por acaso, foi nessa tournée que Madonna inaugurou o icónico momento da simulação de masturbação numa cama para cantar “Like a virgin” que lhe valeu ameaças de cancelamento em várias cidades por onde passou com o espectáculo. Nunca houve intervenção policial. E ela nunca deixou de fazer o que se tinha proposto.

Aqui, é impossível esquecer a publicação do livro cofee table “Sex”, com fotografias eróticas e de nus, incluindo simulações sado-maso, da própria Madonna e muitos outros (Vanilla Ice, Naomi Campbell, Big Daddy Kane…), publicado em edição limitada e que é até hoje um dos mais procurados livros fora de stock de sempre. Ao mesmo tempo, surgiu o disco “Erotica”, que tinha selo para adultos, e marca um dos períodos mais transgressivos da carreira de Madonna. E, por isso mesmo, um dos mais revolucionários para a afirmação do corpo feminino.

A afirmação dos direitos LGBT pode e deve ser mainstream

Quando se diz que a libertação sexual é de todos, isso no caso de Madonna significa muito especialmente “de todos”. É quase um lugar-comum dizer que ela é um ícone gay, mas essa bandeira não vem do nada, e acontece completamente em sintonia com todos os abalos que Madonna se dedicou a provocar no mundo.

O momento mais icónico aqui é a música (e, em especial, o vídeo) “Vogue”. Assim que começa a tocar em algum lado, quando toda a gente consegue imitar de imediato os movimentos de mãos e de dança da coreografia que Madonna usou para ilustrar a música. A ordem é simples: “Strike a pose”. A consequência foi tremenda, e abriu um mundo novo ao que se poderia considerar mainstream.

O que inspirou a cantora foi o universo underground da dança gay em Nova Iorque nos anos 80. E, sem que as pessoas mais conservadoras sequer se apercebessem, Madonna conseguiu pôr toda a gente a dançar ao ritmo da sua batida, que passou a ser na altura o ritmo da batida do orgulho gay a mostrar-se ao mundo. Nos VMA’s, a cantora conseguiu ainda amplificar o efeito ao apresentar a música e a coreografia em trajes vitorianos, numa actuação com eco até hoje.

Em 1990, no primeiro vídeo de Madonna a ser banido pela MTV por ser considerado demasiado pornográfico, havia imagens provocadoras que incluíam relações homossexuais e androginia. A censura, como seria de esperar, funcionou a favor da agenda da cantora, que em resposta afirmou: “Importam-se com isto mas acham normal tantos vídeos que se fazem e que contêm violência contra as mulheres.” E esta luta continuou porque teve de continuar, como se viu no já referido beijo a Britney Spears, que chocou tanta gente, ou nos Grammys de 2014, em que se juntou a Queen Latifah para oficiar ao vivo dezenas de casamentos de vários casais, incluindo casais do mesmo sexo.

O Malawi e um altifalante para as questões raciais

Hoje em dia, toda a gente sabe que Madonna tem quatro filhos que nasceram no Malawi: David Banda, o rapaz que agora joga futebol no Benfica, Mercy James e as gémeas Esther e Stella. Mas em 2006, quando a cantora decidiu avançar para a primeira adopção, foi um momento complicado.

A polémica estalou por Madonna não estar a cumprir a regra de viver no país durante um certo período de tempo antes de poder adoptar uma criança de lá, e quando o pai de David Banda veio dizer que afinal ele não era órfão – apesar de estar num orfanato –, e a opção supostamente altruísta de Madonna foi rapidamente posta em causa pela opinião pública.

Madonna com o filho adotivo David Banda, que está a treinar nos escalões jovens do Benfica.

AFP/Getty Images

Também por isso, Madonna acabou por conseguir exatamente o que queria: chamar a atenção para  a situação das crianças no Malawi, até porque nesse mesmo ano em que deu início à primeira adopção (só concluída dois anos depois por causa da complicação legal) criou também a associação Raising Malawi, que continua a desenvolver e promover até hoje.

A ligação a África não é inocente, como nada em Madonna é, e a preocupação em questionar as atitudes raciais americanas vem de trás. As imagens do livro “Sex” eram muito explícitas em relação a isso, e o momento mais simbólico desta consciência aconteceu logo em 1989, com a polémica que explodiu em torno do videoclip de “Like a prayer”.

A comoção em relação às imagens aconteceu não apenas por haver cruzes a arder, mas também, e sobretudo, por haver uma relação interracial e, mais provocador ainda para a época, por haver uma representação religiosa com um negro no lugar onde habitualmente está um branco. O impacto foi de tal forma que a Pepsi cancelou um contrato milionário que já tinha feito com Madonna para usar a música num anúncio, e retirou-lhe o patrocínio para a tournée que estava marcado.

Do mundo para Lisboa

Pode parecer estranho, mas o tipo de agitação que Madonna provocou com a sua mudança para Lisboa, muito distante de outras polémicas mais antigas e mais relevantes a nível de impacto social, foi uma pequena revolução no universo português e na sua relação com a rainha da pop.

Claro que Madonna já tinha estado em Portugal a dar concertos esgotados, como esteve em todo o mundo, mas houve aquele dia em que Madonna decidiu escolher o Benfica para o filho jogar e, em consequência, Lisboa para viver. E o mundo deu um pequeno salto no seu eixo. Pelo menos este mundo que nos é mais próximo.

O episódio mais recente foi a entrevista à Vogue italiana, mas houve também aquele em que cantou com Celeste Rodrigues, e aquele dia em que falou de Lisboa no programa de Jimmy Fallon, ou a altura em que decidiu viver no Ramalhete (aquele que supostamente inspirou Eça de Queirós quando escreveu Os Maias), e ainda o outro em que conseguiu estacionamento privilegiado para 15 carros. E quem sabe, daqui a pouco, o mundo de Lisboa se agite novamente com a festa dos 60 anos que, conhecendo Madonna, só pode ser em grande.

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