Marcelo Rebelo de Sousa vai anunciar a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições após ouvir o Conselho de Estado esta quinta-feira. Mas, ao que o Observador apurou, o Presidente da República admite adiar a publicação dos decretos de demissão de Governo e de dissolução da Assembleia da República para depois de 29 de novembro, formalismo que permitiria salvar o Orçamento do Estado para 2024.
Será este o cenário que Marcelo Rebelo de Sousa está a apresentar aos partidos nas audiências que estão a decorrer esta quarta-feira no Palácio de Belém. Feitas as contas, as eleições legislativas que vão determinar o sucessor de António Costa devem acontecer em fevereiro. No plano económico e social, o Presidente da República quer acautelar a execução do Plano de Recuperação e Resiliência e os apoios sociais que estão pendentes. No plano político, quer dar tempo aos socialistas para arrumarem a casa antes de irem a votos.
A questão formal tem especial importância para se perceber o calendário das próximas legislativas. Juridicamente, pela Constituição da República Portuguesa, a demissão do primeiro-ministro acarreta sempre a demissão do Governo. E, caindo o Governo, caem as propostas legislativas, nomeadamente o Orçamento do Estado. Ou seja, o país correria o risco de ficar em duodécimos. No entanto, para a demissão ter efeitos formais, o Presidente tem de publicar o despacho em Diário da República — fazendo-o depois da aprovação do Orçamento garantiria que este entrava em vigor.
[Já estreou “O Encantador de Ricos”, o novo Podcast Plus do Observador que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade dos anos 80 — e perdeu os milhões que lhe confiaram. Pode ouvir o primeiro episódio aqui.]
Para já, o cenário que o Presidente da República tem na cabeça — e que está a transmitir aos partidos — é um: o de convocar eleições, mesmo que o PS conte, ao final da tarde desta quarta-feira, ainda colocar em cima da mesa o cenário de se manter no Governo com Augusto Santos Silva como primeiro-ministro, quando se encontrar com Marcelo Rebelo de Sousa em Belém. Mas não parece existir margem para isso: “Não haver dissolução é do domínio da ficção científica”, comenta um conselheiro próximo do Presidente, ouvido pelo Observador.
Estando Marcelo preparado para dar esse passo, o que é certo é que o chefe de Estado também tem bem presente que há uma nuance importante na forma como vai definir esse calendário: por um lado existe o “tempo político”, por outro o “tempo da formalidade”. Ou seja, se é certo que Marcelo deseja avançar para a dissolução, também o é que sabe que pode jogar com a tal formalidade — a publicação oficial em Diário da República das decisões de aceitar a demissão do Governo e dissolver a Assembleia — para atrasar o calendário, salvar o Orçamento e dar tempo ao PS para se organizar.
Para Marcelo, é importante ter em conta os precedentes políticos: em 2011, José Sócrates demitiu-se na sequência do chumbo do PEC IV, mas o decreto que oficializou a demissão do Governo só foi publicado pelo antecessor de Marcelo, Cavaco Silva, passado duas semanas. Para garantir que conseguia salvar a aprovação deste Orçamento, Marcelo precisaria de empurrar a oficialização do anúncio durante pelo menos um mês.
Além disso, há o fator PS: a prática preferida em casos de crise política (e já seguida pelo próprio Marcelo no caso da corrida interna do PSD antes das últimas eleições legislativas) tem sido a de permitir que os partidos arrumem a casa antes de irem a eleições. No caso, precisaria de escolher uma nova liderança, sendo que os socialistas prefeririam que o seu calendário — o PS tem congresso marcado para março — fosse mantido tal como está.
Mas é, no mínimo, improvável que o Presidente faça a vontade ao PS: uma margem tão extensa não consta desses precedentes — quando o PS teve de ir a votos para eleger Eduardo Ferro Rodrigues, antes do embate nas urnas com Durão Barroso, Ferro teve menos tempo. E Marcelo não conta abrir uma exceção de monta desta vez.