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O líder do Chega, André Ventura, fala aos jornalistas à chegada para a entrega da lista de candidaturas pelo círculo eleitoral do partido por Lisboa às eleições legislativas, no Palácio de Justiça, em Lisboa, 26 de janeiro de 2024. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Na cabeça de André Ventura. O papel do "benfiquismo militante" no plano político do líder do Chega

A admiração por Fernando Seara, o livro escrito (mas nunca publicado) com Rui Gomes da Silva e a vontade de escrever sobre Luís Filipe Vieira. Pré-publicação da biografia "Na Cabeça de Ventura".

Um “fura-vidas” que “foi trocando aquilo em que acreditava por tudo o que satisfizesse a sua ambição”. Em “Na cabeça de André Ventura”, o jornalista do Expresso Vítor Matos descreve o percurso do criador e líder do Chega, do fundamentalismo religioso da adolescência e da “persona mediática” como comentador de futebol até à entrada na política e à descoberta de “um mercado eleitoral populista e xenófobo à espera de alguém que viesse representá-lo em voz alta”.

Neste excerto, Vítor Matos conta como Ventura encontrou inspiração no exemplo de Fernando Seara e como os contactos certos, incluindo com Luís Filipe Vieira e Rui Gomes da Silva, lhe permitiram começar uma “carreira televisiva no benfiquismo militante”, sempre com a política em plano de fundo.

O livro faz parte de uma trilogia editada pela Zigurate que fica completa com as biografias de Pedro Nuno Santos, líder do PS, escrita pela jornalista do Público Ana Sá Lopes; e de Luís Montenegro, do PSD, escrita pelo editor adjunto de Política do Observador Miguel Santos Carrapatoso. Os três títulos já estão em pré-venda e chegam às livrarias no dia 8 de março.

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É durante os anos da troika que André começa a escrever o guião para Ventura.

O académico, que se apresentava como um escritor publicado, queria continuar a escrever livros. A certa altura, pelo ano de 2012 ou 2013, cheira uma oportunidade. Fernando Seara, mais conhecido como “o careca do Benfica”, era um dos comentadores televisivos de futebol mais famosos (no programa O Dia Seguinte, da SIC), desembaraçado e desinibido. Casado com a jornalista Judite de Sousa, era presença habitual nas revistas do jet‑set, jurista e professor universitário, presidindo à Câmara de Sintra no seu último mandato. Ventura identificou‑o como um exemplo a seguir: professor universitário como ele, jurista como ele, benfiquista como ele, do PSD como ele e presidente da Câmara de Sintra como ele também gostaria de ser.

André teve então uma daquelas iniciativas que lhe deram frutos a médio prazo. Começou por abordar Luís Patrício, vereador de Fernando Seara na Câmara de Sintra e líder da sua secção do PSD no Algueirão. Mal o conhecia, mas não deixou de lhe pedir um favor por causa disso. O vereador serviu de ponte para um encontro do presidente da câmara com Ventura, que apresentava no currículo a publicação de dois livros de ficção e queria propor‑se a escrever a biografia de Fernando Seara com a colaboração do autarca.

“Quando pensei fazer a biografia do Fernando Seara era porque juntava estas duas coisas que eu gostava, futebol e direito”, conta André Ventura. “Não foi possível, apesar de ter reunido com ele algumas vezes, e fiquei amigo dele. Depois procurei fazer a biografia do Luís Filipe Vieira. Esse projeto chegou quase a estar finalizado, mas meteram‑se coisas pelo meio e não acabou. Aí tive mais contacto com o Luís Filipe Vieira e passei a conhecê‑lo melhor pessoalmente.”

Apesar da diferença de idades e do percurso de vida, André Ventura conhece Rui Gomes da Silva. O ex‑ministro dos Assuntos Parlamentares do longínquo Governo de Pedro Santana Lopes era outra espécie de Fernando Seara: era jurista como ele, era do PSD como ele, era do Benfica como ele e era comentador de futebol a representar o Benfica como ele viria a ser.

André Ventura, com pouco mais de 30 anos, tinha uma maturidade intelectual superior à dos tempos da faculdade, com o seu pensamento de alguma maneira mais consolidado. Mas ainda não havia vestígios de radicalismos de direita nem com base em fontes de inspiração como Marine Le Pen ou outras forças de extrema‑direita que já surgiam na Europa ou nos Estados Unidos pré‑Trump, como o Tea Party ou Sarah Palin.

O elo de ligação entre ambos foi a inevitável paróquia do padre Mário Rui: foram apresentados por uma secretária de Rui Gomes da Silva que também frequentava a Igreja de São Nicolau. “Conhecemo‑nos fruto de pessoas comuns que trabalhavam comigo e o conheciam da participação nos movimentos católicos na Igreja de São Julião, na Baixa de Lisboa.” Foram‑lhe falando de André Ventura e Gomes da Silva foi ficando curioso. Depois de se conhecerem, gerou‑se “alguma empatia em termos intelectuais”, reconhece o advogado. “O André Ventura é uma pessoa com grandes capacidades intelectuais e de trabalho, na área do direito e da ciência política. Falámos muito e participámos em várias coisas no âmbito do PSD. Em algumas coisas coincidimos como oradores ou assistentes”, recorda.

Enquanto André Ventura não era ninguém no partido, Gomes da Silva já tinha sido vice‑presidente, ministro e deputado anos a fio, mas estava fora do mainstream desde o fim do santanismo. A certa altura convergiram numa ideia: “Entendi que, por estar no futebol, não devia ter acção política ativa, mas isso não quer dizer que não pensasse politicamente. Então surgiu a hipótese de organizarmos uma plataforma de ideias para uma mudança política, que tinha a ver com as minhas convicções e as do André Ventura nessa época”, diz Gomes da Silva.

O livro nunca publicado

Preparavam‑se para escrever um livro a quatro mãos, para influenciar a política nacional e o PSD. “Temos umas 200 páginas escritas”, conta o ex‑ministro. “Jantávamos todas as semanas e falávamos. Discorríamos, discutíamos, íamos abordando vários assuntos e esses temas estão todos gravados.”

Essas 200 páginas nunca foram publicadas. Segundo Rui Gomes da Silva, o livro ia chamar‑se “A Reforma de Que Portugal Precisa”. De acordo com um dos currículos académicos de André Ventura disponíveis na internet, pode ler‑se que, em 2015, tinha no prelo um livro intitulado “País Pequeno, Sonhos Grandes”, com Rui Gomes da Silva.

Mas o padrão repetiu‑se: este André Ventura, com pouco mais de 30 anos, tinha uma maturidade intelectual superior à dos tempos da faculdade, com o seu pensamento de alguma maneira mais consolidado. Mas ainda não havia vestígios de radicalismos de direita nem com base em fontes de inspiração como Marine Le Pen ou outras forças de extrema‑direita que já surgiam na Europa ou nos Estados Unidos pré‑Trump, como o Tea Party ou Sarah Palin. O livro com Gomes da Silva ia defender uma revisão constitucional para adaptar o país à nova realidade económico‑financeira, por causa dos chumbos do Tribunal Constitucional a uma série de medidas do Governo de Passos Coelho, nomeadamente na área das pensões.

Curiosamente, preparavam‑se para também defender no livro uma verdadeira bipolarização PSD/PS, o contrário da pulverização de partidos à direita que entretanto se gerou. Esta era a posição tradicional de Gomes da Silva desde os anos 80, quando, entre 1983 e 1985, participou na Nova Esperança, contra o Bloco Central, com Marcelo Rebelo de Sousa, José Miguel Júdice, Pedro Santana Lopes e Durão Barroso. A tese central era que uma aliança PS/PSD ia fazer crescer o PCP e até o CDS. Afinal, os extremos cresceram por outros motivos e sem envolver nenhum desses dois partidos.

"Tenho as posições consolidadas em algumas matérias, em relação à não‑admissão da pena de morte ou da prisão perpétua", diz Rui Gomes da Silva. E a castração química? "Completamente contra! Por razões civilizacionais, não tem nada a ver com o Chega ou com o André Ventura", explica. Sem nunca ter defendido posições semelhantes no passado, Ventura será sempre suspeito de oportunismo político para apanhar uma percentagem significativa de eleitores.

A ironia é que, se há hoje um responsável pelo facto de o PSD não ter capacidade para polarizar sozinho com o PS, ele chama‑se André Ventura. Foi exatamente essa placa tectónica da política portuguesa que ele fez mexer com o sucesso eleitoral do Chega.

O livro também pretendia debater a redução do número de deputados, que se tornaria uma das principais bandeiras do Chega, mas que também é defendida pelo PSD há muitos anos (embora com uma redução menor). Mas nada no projeto falava de prisão perpétua, castração química de pedófilos ou presidencialização do regime para se inaugurar uma IV República, como passaram a preconizar Ventura e o seu partido.

“Suspendemos o projeto e decidimos avançar com livros sobre o Benfica, eu em 2016 e ele em 2017”, explica Rui Gomes da Silva. Com o trabalho a meio, nunca chegaram a falar em “matérias fracturantes”, como as propostas que o ex‑laranjinha levou para o Chega. Nem o social‑democrata estaria disponível para as defender: “Tenho as posições consolidadas em algumas matérias, em relação à não‑admissão da pena de morte ou da prisão perpétua”, diz Rui Gomes da Silva, alegando “a tradição humanista e personalista do PSD”. E a castração química? “Completamente contra! Por razões civilizacionais, não tem nada a ver com o Chega ou com o André Ventura”, explica.

Sem nunca ter defendido posições semelhantes no passado, Ventura será sempre suspeito de oportunismo político para apanhar uma percentagem significativa de eleitores.

“Posso concordar ou discordar totalmente do que ele diz, mas respeito as suas evoluções. Se ele encontrou uma maneira de evoluir que lhe tem dado votos, ele saberá o caminho que está a seguir, e respeito‑o integralmente como amigo”, faz questão de dizer Gomes da Silva.

"A entrada do André Ventura na BTV é mais um mito. Nada tive a ver com a sua entrada, apesar de muita gente achar que foi isso que aconteceu por sermos primos. O que aconteceu foi muito simples – um dia ele cruzou‑se comigo nos corredores da BTV e veio ter comigo e disse: Olá, Pedro, eu sou o André Ventura, somos primos, sou o neto da tia Augusta! Eu já não me lembrava dele", diz Pedro Guerra

A ligação ao ex‑ministro benfiquista acabou por ser fundamental, mais no Benfica do que no PSD. Mas, para que o passo seguinte se desse e Ventura subisse um novo patamar, foi decisivo outro conhecimento: Pedro Guerra, o célebre e ruidoso comentador afeto ao Benfica, ex‑jornalista do Independente e ex‑assessor de Paulo Portas, é primo de André Ventura.

Numa resposta escrita ao Expresso em fevereiro de 2021, para o perfil do líder do Chega, Pedro Guerra desvalorizou o seu papel na entrada do jurista para comentador desportivo da Benfica TV, onde era diretor de conteúdos: “A entrada do André Ventura na BTV é mais um mito. Nada tive a ver com a sua entrada, apesar de muita gente achar que foi isso que aconteceu por sermos primos. O que aconteceu foi muito simples – um dia ele cruzou‑se comigo nos corredores da BTV e veio ter comigo e disse: Olá, Pedro, eu sou o André Ventura, somos primos, sou o neto da tia Augusta! Eu já não me lembrava dele, pois não o via há muitos anos. A última vez que estivéramos juntos era ele ainda uma criança. A partir daí, passámos a conviver mais.”

A entrada no canal do clube terá sido mais através de António Pragal Colaço, para o programa Contas Feitas, Dúvidas Desfeitas – onde também participava o antigo jornalista Horácio Piriquito –, do que por uma cunha direta de Pedro Guerra. No entanto, a versão do neto da tia Augusta sobre o início da carreira televisiva no benfiquismo militante é ligeiramente diferente da versão do primo: “Já havia duas pessoas que me ligavam muito ao Benfica, uma era o Pedro Guerra, que é meu primo da parte do pai, e a outra o Rui Gomes da Silva”, assume o próprio André Ventura. “Quando pensaram fazer um programa sobre as contas dos clubes chamado Contas Feitas, Dúvidas Desfeitas, António Pragal Colaço convidou‑me. Já sabiam que eu tinha este interesse, pessoas em comum já sabiam que eu tinha esse interesse e nunca o escondi. Um dia, se sair da política e quando sair da política, o que eu quero é voltar ao comentário e à televisão, que é o que eu gosto de fazer.”

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