A compra de um Jaguar dos anos 70, o encerramento de uma conta a prazo de 54 mil euros e a formalização de escrituras de imóveis oriundos de heranças são as principais alterações de património realizadas por Luís Montenegro desde que é presidente do PSD. Depois da polémica com a casa de Espinho — que já tinha declarado de acordo com a lei — o líder social-democrata fez questão de ir além do exigido pela legislação e enviou para o Tribunal Constitucional as cadernetas prediais de todos os imóveis, que mostram desde o número de pisos da habitação onde mora até aos castanheiros e vinhas que tem em Bragança.
Se o seu potencial adversário, Pedro Nuno Santos, tem declarações de rendimentos extensas, Luís Montenegro ainda tem mais património a declarar, num dossier com dezenas de páginas. A última declaração foi entregue há pouco mais de dois meses, a 1 de setembro de 2023. A alteração mais relevante foi o encerramento de uma conta no valor de 54.600,93 euros. “O depósito a prazo, Conta Poupança Garantida, no Banco Totta Santander (…) foi levantado e a conta encerrada”, informou o líder do PSD ao tribunal.
Como esta é uma alteração patrimonial superior a 50 salários mínimos, o Observador procurou saber para onde foram os 54 mil euros desta conta. Numa resposta por escrito, o presidente do PSD confirmou que a conta “foi encerrada, tendo naturalmente o respetivo saldo ingressado no património dos seus titulares.” Após nova consulta no Tribunal de Contas, o Observador verificou que não tinha sido comunicada qualquer alteração a referir o aumento dos saldos nas contas já declaradas. Para ver o saldo das contas é necessário recuar à declaração entregue um ano antes (a 5 de setembro de 2022), onde além da conta agora encerrada havia outras três: uma 364.118, 61 euros; outra de 68.741, 42 euros e um seguro de capitalização de 8.735 euros.
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Fonte do PSD explicou então ao Observador que Luís Montenegro não comunicou alterações nesses saldos porque “o dinheiro dessa conta foi dividido em parcelas por outras contas dele e de familiares, que nunca significaram um incremento superior a 50 salários mínimos”. Isto significa que o presidente do PSD dividiu os 54 mil euros por várias contas, mas para nenhuma delas transferiu mais de 38.000 euros. Ora, como não excedeu esse valor, já não precisou de declarar ao Tribunal Constitucional o aumento do saldo dessas contas.
Outra alteração na declaração de Luís Montenegro é que ao Mercedes E 200, de 1994, e ao BMW de 2021, juntou a compra de um Jaguar XJ6, de 1970. O carro clássico, apurou o Observador, está num mau estado e foi comprado para ser progressivamente recuperado. Apesar de a compra ser inferior aos 50 salários mínimos, como é um veículo, a sua declaração é obrigatória — mesmo que não esteja em circulação.
As cadernetas prediais: da vinha às laranjeiras
Em maio de 2023 foi noticiado que Luís Montenegro não teria declarado o “valor patrimonial efetivo” da “casa com seis pisos” onde vive em Espinho — mas, na verdade, a lei diz apenas “valor patrimonial” (referente ao VPT, o Tributário) e não “efetivo” como alegava a notícia. Ou seja: nem Luís Montenegro revelou o valor efetivo, nem os outros políticos o fazem, como o Observador recordava na altura.
Montenegro diz que declarou tudo ao TC e que “não deve nada a ninguém”
A direção do PSD, apesar de o líder ter razão, reconheceu na altura que a polémica causou danos na imagem pública de Luís Montenegro. Considerando que tinha tudo devidamente declarado, o presidente do PSD não fez nenhuma alteração ao que já tinha declarado. E o Tribunal Constitucional também não pediu esclarecimentos adicionais.
Mas, três meses depois, foram as alterações de património (o Jaguar, a conta e a aquisição de imóveis) que justificaram a entrega de nova declaração. O líder do PSD declarou agora uma habitação em Bragança e outra no concelho de Resende que foram adquiridas a 4 de agosto de 2023 (em partilha de herança do pai e irmão). No mesmo dia, o líder social-democrata adquiriu um imóvel urbano em Resende e dois rurais, na mesma localidade, por via de uma “doação recebida da mãe do declarante em escritura pública”.
Sobre se foi o caso da habitação de Espinho que o levou a fazer a escritura três meses depois — sendo que parte da herança já era sua de direito há vários anos — a resposta de Luís Montenegro demonstrava alguma indignação: “A pergunta não faz qualquer sentido e é até ofensiva no que toca à organização da vida familiar.” Para o presidente do PSD, o que está em causa são “decisões familiares normais”. Questionado sobre se se tratava de uma regularização de imóveis, a reação de Montenegro foi no mesmo tom: “Não se regularizou coisa nenhuma porque nada estava irregular. Essa ideia é absurda”.
O dossier de Luís Montenegro mostra ainda que o presidente do PSD foi além do que a lei pedia e enviou as cadernetas prediais de todos os imóveis urbanos, mas também de todos os terrenos rurais. O líder do PSD declara 46 terrenos rurais em Rabal (Resende), que vão desde descrições gerais (como cultura, pastagem ou vinha) para outras mais específicas como “pastagem com 4 castanheiros” ou “lameiro com 2 choupos e 4 freixos”.
Luís Montenegro declara ainda, em Barrô, Resende, a Quinta da Granja, que a caderneta predial descreve como “terreno de cultura de regadio com 20 oliveiras, 10 laranjeiras, 4 macieiras, vinha, mato, pastagem dependência agrícola denominada casa de caseiros” e também uma outra vinha, que a caderneta especifica ser um “terreno de pastagem com 12 oliveiras e vinha”.
Sobre o porquê de declarar mais do que era obrigado, Luís Montenegro respondeu que “tal opção, como também explicado na declaração, foi por uma questão de facilitação“. E acrescentou: “Com a apresentação desses documentos a descrição dos imóveis torna-se mais fácil de efetuar, dado o espaço limitado do formulário da declaração.”
Os rendimentos anuais e as ações
Da declaração de Luís Montenegro constam ainda os rendimentos que obteve em 2022, ano em que apenas esteve seis meses como líder do PSD. Os rendimentos anuais brutos declarados foram de 123.240 euros (53,3 mil euros de trabalho dependente, 2.500 de trabalho independente e 67,5 mil euros rendimentos comerciais e industriais).
O presidente do PSD declarou ainda várias ações e títulos, que o Tribunal Constitucional, em alguns casos e contra o que está na lei, rasurou. Assim — em algo que é alheio a Luís Montenegro — sabe-se apenas a quantidade de ações e o preço unitário, mas não a que companhia ou empresa correspondem: 10.330 unidades de participação num Fundo (rasurado), ao preço unitário de 9,68 euros; 133.328 ações da (rasurado) adquiridas com o preço unitário de 0,60 euros; 320.000 ações, ao preço unitário de 0,40 euros, 933.344 ao preço de 0,123 €, 533. 328. Declara ainda um PRR, com entregas mensais de 24,96 euros, num saldo de 9,287, 70 euros.
O líder do PSD, na última declaração de rendimentos entregue, fez questão de acrescentar que “os títulos descritos nas contas BCP e CGD mantiveram-se inalterados e o seu valor depende sempre das cotações em cada momento”. E acrescentou: “Eventuais mais e menos valias só se efetivarão se e quando forem vendidas.”