Foram horas de entra e sai no Palácio de Belém, que se transformou no centro da crise política à espera de uma reação de Marcelo Rebelo de Sousa à demissão de António Costa. Essa reação nunca chegou e continua adiada, com o Presidente da República em silêncio mesmo durante uma saída tardia do Palácio de Belém. “Não tenho nada a dizer hoje”, disse aos jornalistas durante o “passeio” para “apanhar um pouco de ar”.
O Presidente da República, até esta saída, tinha estado fechado na residência oficial durante todo o dia, contrariando aquela que costuma ser a sua postura, quando em momentos de relevância política nacional chegou a sair da residência oficial para ir ao multibanco depois de um chumbo de um Orçamento do Estado ou comer um gelado na Santini no dia em que Costa segurou João Galamba.
Era esperado que o dia de Marcelo Rebelo de Sousa começasse com uma missa às 11h00 no Mosteiro dos Jerónimos, local onde vários jornalistas aguardavam a chegada do chefe de Estado, que acabou por nunca acontecer. A essa hora já Marcelo tinha recebido Costa em Belém e optado por cancelar a agenda que se seguia — o mesmo fez o primeiro-ministro (a esta hora ainda não demissionário) — faltando à missa.
Essa primeira reunião da manhã aconteceu de urgência a pedido de António Costa, logo às 9h30. A reunião durou 35 minutos e aconteceu depois das primeiras notícias sobre o processo relacionado com os negócios de exploração de lítio e de hidrogénio e que levou a buscas na residência oficial de Costa e em casas de ministros, às detenções do chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, e do melhor amigo Diogo Lacerda Machado, mas o caso visa também ministros, tendo sido confirmado pela PGR que João Galamba é arguido.
Quando António Costa abandonou o Palácio de Belém, cinco minutos depois das 10h00, não se previa que voltasse tão cedo. Mas as horas seguintes foram de mudanças. Uma hora e meia depois da saída de Costa de Belém foi a vez de Lucília Gago, procuradora-geral da República, entrar pelo portão lateral do Palácio de Belém para uma outra reunião de 50 minutos com o Presidente da República.
E enquanto essa reunião sucedia, a Procuradoria-Geral da República tornava pública uma nota que dava conta de que ia abrir um inquérito no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que visava o primeiro-ministro António Costa, que tem direito a foro especial e só poderia ser investigado pelos serviços do Ministério Público no STJ.
Não demorou até a que António Costa, sem qualquer aviso prévio em termos de agenda, chegasse novamente ao Palácio de Belém. Esteve lá dentro doze minutos e, pouco tempo depois, numa declaração aos jornalistas, anunciava publicamente que tinha ido apresentar a demissão ao Presidente da República.
A demissão de António Costa obriga o Presidente da República a agir e Marcelo não demorou a anunciar que os próximos passos e fê-lo através de uma nota enviada às redações e publicada no site oficial: convocou os partidos representados na Assembleia da República para quarta-feira, o Conselho de Estado para quinta-feira e anunciou que falará ao país após essa reunião.
Marcelo ainda tem dois dias até ao momento em que vai anunciar se o país vai para eleições legislativas antecipadas e, ao contrário do que aconteceu noutras ocasiões, fechou-se no Palácio de Belém durante toda a tarde. No portão lateral, o normal rodopio de carros a entrar e a sair, apenas com um destaque: a entrada de Manuela Ferreira Leite e a permanência durante quase três horas.
A presença da antiga presidente do PSD ainda abriu espaço para a narrativa de que Marcelo Rebelo de Sousa estaria a ouvir algumas figuras próximas de relevo que não sejam conselheiros nacionais, mas tendo Ferreira Leite sido a única presença e dado o elevado número de horas que ali esteve é provável que tenha estado a cumprir as funções de chanceler do Conselho das Ordens Honoríficas Nacionais.
Com a demissão de António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa volta a ter nas mãos a decisão final sobre o futuro do país, depois da demissão de António Costa que conquistou uma maioria absoluta que chegou a ser uma promessa de estabilidade, e num momento em que a direita não tem demonstrado nas sondagens. Sem gelados ou idas ao multibanco, Marcelo radicou-se no Palácio de Belém durante toda a tarde, vai ouvir os partidos amanhã, os conselheiros na quinta e fala ao país nesse dia, estando inclinado para convocar eleições. Resta saber se Marcelo mantém o silêncio até lá.
Marcelo inclinado a convocar eleições (e os outros cenários que a Constituição permite)