A guerra de aritmética entre Governo e oposição sobre o tema das pensões continua e, esta tarde, os deputados puderam levar a sebenta com os cálculos à Assembleia da República. O Executivo de António Costa teve a possibilidade de se defender nos olhos da oposição que tem derretido o “pacotão” socialista de emergência social e de negar os “truques” e “embustes” de que tem sido acusado.

“Em janeiro de 2024 cada pensionista não receberá menos um cêntimo do que receberá em dezembro de 2023”, começou por dizer Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar do PS. A estratégia de defesa era clara e vinha para ser vincada por cada socialista que tomava a palavra.

A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares viria a repeti-la pouco tempo depois. Ana Catarina Mendes aproveitou o embalo e foi mais longe para retribuir as críticas aos líderes da oposição: “Momentos houve em que com o PSD no Governo a primeira palavra era corte, agora a palavra é aumento.”

A socialista, a quem coube fazer o papel de bulldozer do PS, não se poupou nas acusações aos sociais-democratas e até as dirigiu a Carla Marques Mendes, que tinha pouco antes criticado o pacote de medidas: “Respeito as suas lágrimas de crocodilo, mas esteve sentada quando se cortaram pensões e salários.”

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A cada crítica da direita, os socialistas tiravam o passismo da gaveta e usavam a intervenção da troika e os cortes de pensões feitos como escudo. Com primeiro-ministro e ministro das Finanças ausentes, sobravam na bancada do Governo os secretários de Estado dos setores abrangidos pelo pacote de medidas.

Mais contido, Gabriel Bastos, secretário de Estado da Segurança Social, fez questão de negar as várias palavras usadas pela oposição (pacote “não é um truque, ilusão, embuste ou fraude”). Como polícia mau, João Galamba, secretário de Estado da Energia, entrou no debate para atirar a doer contra a oposição — à direita, mas também à esquerda.

Outrora um destacado membro dos agora já não tão jovens turcos, Galamba chegou mesmo a colar Chega, Bloco de Esquerda e PCP — ciente do incómodo que causaria em cada um dos partidos — para lhes dizer que parecem ter “um fetichismo com palavra IVA“.

O socialista acusou o Bloco de Esquerda de ter ficado com uma “fixação com a windfall tax”, o que, aos olhos do governante, retirou ao partido a capacidade de “perceber que as medidas na eletricidade e do gás configuram isso mesmo”. O aviso tinha um alvo, Mariana Mortágua: “Perderam a capacidade de avaliar as políticas pelo seu mérito.”

Oposição acusa Governo de “truques”, “fraude” e “falta de coragem”

No terceiro dia de reações ao pacote do Governo, oposição continua a fazer contas

As ausências, no entanto, acabariam por ser devidamente notadas. O PAN ainda perguntou pelo Wally, mas Fernando Medina não apareceu mesmo. Sem António Costa e sem o titular da pasta das Finanças, as críticas da oposição dirigidas à bancada governamental acabaram por ter as respostas num tom mais moderado de António Mendonça Mendes e mais acesas de João Galamba.

Com duas rondas de perguntas ao Governo o tom foi escalando, sem que a discussão política tenha conhecido novos argumentos e contra-argumentos.  Na direita os partidos acusaram o Governo de ter “mentido” no que diz respeito à salvaguarda de rendimentos dos pensionistas, com um corte futuro nas reformas dos portugueses e o apoio apresentado por Costa de ser apenas uma antecipação do que era devido.

O líder da bancada do PSD, Miranda Sarmento, diz que existe “ilusão e engano” no pacote extraordinário do Governo, notando que “o que o Governo está a atribuir aos pensionistas não é mais do que metade” do que a lei implica e reivindicou uma atualização de escalões de IRS.

A Iniciativa Liberal frisou também a falta de atualização dos escalões de IRS, acusando o Executivo de Costa de ser “viciadíssimo em impostos”. “O Governo fez este ano um aumento encapotado de impostos a todos os portugueses ao não atualizar os escalões à inflação”, realçou a deputada liberal Carla Castro.

O Chega também se apresentou de contas feitas debaixo do braço. André Ventura pediu aos portugueses que o acompanhem e afirma categoricamente que a redução no IVA da eletricidade corresponderá a uma poupança de cerca de um euro na fatura de cada lar português.

Já à esquerda, o PCP veio ao plenário apresentar novamente as linhas gerais e medidas que defende no projeto de resolução que deu entrada esta terça-feira. A maioria absoluta do PS condena à partida a viabilidade do projeto e o tom de resposta do Governo deixa antever que o projeto de resolução terá mesmo pouca hipótese de ver a luz do dia.

Os comunistas querem um “aumento intercalar do salário mínimo nacional para 800 euros já em setembro, com a perspetiva da sua fixação em 850 euros em janeiro de 2023”; a definição de um “teto máximo equivalente ao de 2022 para o aumento das rendas”, ou seja, de 0,43%; um spread máximo na Caixa Geral de Depósitos; o controlo do preço dos bens essenciais; a redução do IVA na eletricidade e no gás; aumento das prestações sociais; e, claro, ponto central na discussão, o aumento das reformas e pensões.

De braço dado nas reivindicações à esquerda está o BE que quer, tal como o PCP, taxar os lucros extraordinários das empresas, tal como o PAN sugere na área da energia. Mariana Mortágua questionou o Governo sobre se “não se envergonha” por “rejeitar uma taxa que o ministro das Finanças alemão defende”.

“Não se percebe porque é que o Governo rejeita uma taxa sobre os grandes lucros extraordinários”, disse a deputada bloquista, acrescentando ainda que o “PS diz às pessoas que têm de viver dentro das possibilidades e que o empobrecimento é inevitável”. A resposta do Governo haveria de chegar num tom mais ríspido que o antecipado pela esquerda.

O deputado único do Livre, Rui Tavares, pediu ao Governo que “quebre o tabu de tabelar preços”, com a “coragem que é necessária para também taxar lucros excessivos ou para ir buscar às transações financeiras, em particular às imobiliárias, os recursos que fazem falta”.

Com a sebenta mais ou menos completa, no terceiro dia de argumentos e contra argumentos Fernando Medina gozou mesmo de uma folga na exposição mediática. Já António Costa, no sul do país, pode não ter ajudado à defesa da sua dama ao abrir a porta a novo travão ao aumento automático das pensões no futuro.

Costa abre porta a novo travão a aumento automático das pensões no futuro