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Manifestação na Esplanada dos Ministérios, avenida onde estão as principais instituições governativas do país
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Manifestação na Esplanada dos Ministérios, avenida onde estão as principais instituições governativas do país

AFP/Getty Images

Manifestação na Esplanada dos Ministérios, avenida onde estão as principais instituições governativas do país

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Os 5 desafios do novo Presidente do Brasil

Bolsonaro assume a liderança de um país dividido, com uma economia em dificuldades e violência nas ruas. Terá de governar com um Congresso com pouca experiência de negociação e muito fragmentado.

Eleito com 55% dos votos, Jair Bolsonaro sucede, agora, a Michel Temer no Palácio do Planalto. À espera, no gabinete, terá dossiers complexos para resolver. Durante a campanha, apresentou propostas para todos eles, mas pode ser muito difícil pô-los em prática.

Segurança

Nunca a taxa de homicídio foi tão alta no Brasil. Segundo o Atlas da Violência de 2018, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (IPEA) e pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), registaram-se 62.517 homicídios em 2016, o último ano em que aquelas duas entidades conseguiram dar um número final. No entanto, o FBSP já adiantou, num estudo autónomo, que, em 2017, esse número galgou para os 63.880 homicídios. São 175 assassinatos por dia, sete mortes violentas a cada hora que passa.

A maior parte dos homicídios registados pela FBSP foram premeditados: um total de 55.900 casos foram precedidos de intenção de matar. Também houve 2.460 registos de assaltos seguidos de homicídio. Outras 5.144 pessoas morreram na sequência de operações policiais — e houve 367 polícias que morreram em funções. É praticamente um agente das autoridades que morre por dia.

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Em 2017, foram registados 63.880 homicídios -- 175 assassinatos por dia, sete mortes violentas a cada hora (MAURO PIMENTEL/AFP/Getty Images)

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Neste contexto, há o caso particular do Rio de Janeiro, onde, desde fevereiro deste ano, a segurança está às mãos do exército, após decreto assinado pelo ainda Presidente Michel Temer. Até setembro, já se tinham contabilizado 1.181 mortes em confrontos com a Polícia Militar — número esse que só tem por onde subir, podendo ultrapassar o recorde da intervenção militar de 2007, em que morreram 1.330 pessoas nas mesmas condições.

Para fazer frente a tudo isto, Bolsonaro propôs uma agenda altamente securitária e de liberalização do porte de arma. Além de querer reduzir a maioridade penal para os 16 anos e de querer proteger juridicamente os polícias que cometam homicídios enquanto estiveram a trabalhar, Bolsonaro quer garantir o direito de acesso às armas para defesa pessoal.

Em 2017, o Small Arms Survey estimava a existência de 17,5 milhões de armas de fogo no Brasil — sobrando assim pouco mais de 8 para cada 100 habitantes. E ainda antes de Bolsonaro subir ao poder, já os números de licenças para uso de arma de defesa pessoal — restringido a casa — tinham disparado. Em 2004, um ano depois da aprovação do Estatuto do Desarmamento, foram emitidas 3.029 licenças. Em 2017, o número já era de 33.031 — um aumento de mais de 1000%.

Economia

Com uma das economias mais fechadas do mundo e como produtor de alguns dos bens que têm estado no centro da disputa entre os Estados Unidos e a China, é dentro de portas que o Brasil, a oitava maior economia do mundo, tem os seus maiores problemas.

O principal — e, talvez, o mais urgente — estará no seu sistema de pensões, ou na falta de dinheiro para o pagar. O sistema tem três décadas e, quando foi criado e inscrito na Constituição de 1988, havia cerca de seis pessoas com mais de 65 anos para cada 100 trabalhadores. O número de cidadãos com mais de 65 anos duplicou desde então e a esperança média de vida aumentou mais de dez anos nos últimos trinta anos. Apesar de a esperança média de vida estar atualmente nos 75 anos, a idade da reforma é de 58 anos, uma das mais baixas do mundo. Atualmente, o Estado brasileiro tem dinheiro para pagar as suas pensões até 2021.

Uma das prioridades de Jair Bolsonaro terá de ser a de resolver a bomba de relógio do sistema de pensões (MIGUEL SCHINCARIOL/AFP/Getty Images)

AFP/Getty Images

A economia brasileira é também a segunda mais fechada do mundo, o que a pode estar a proteger da disputa comercial entre os EUA, China e União Europeia — e até a beneficiar, já que está a substituir alguns dos bens mais penalizados entre estes blocos –, mas, por outro lado, também criou um sistema virado para dentro, onde os principais agentes económicos e as grandes empresas são sempre as mesmas, sem renovação.

Sendo sempre os mesmos agentes e empresas, a permeabilidade à corrupção é maior e os casos sucedem-se, mas, além disso, as empresas também têm menores incentivos para competir, promover a inovação e desenvolverem-se — e as novas têm o mercado fechado.

Como desafio imediato, assim, o novo Presidente não terá só de lidar com a bomba relógio do sistema de pensões, num difícil processo para que as prestações sociais ajudem quem mais necessita, em vez de dar mais à classe média. Tem também um longo caminho pela frente para mudar a cultura empresarial brasileira e enfrentar os interesses instalados, se quiser evitar a sucessão de casos de corrupção e a estagnação de uma economia que ainda agora começou a emergir de dois anos de recessão.

Corrupção

Os números estão disponíveis numa página criada pelo Ministério Público Federal brasileiro especificamente para a Operação Lava Jato: desde o dia em que foram feitas as primeiras detenções, em março de 2014, até agora, 180 pessoas foram condenadas a um total de 2.701 anos, 10 meses e 20 dias de prisão, entre a investigação que corre no Rio de Janeiro e a do Paraná. O Estado já recuperou 13 mil milhões de reais (cerca de três mil milhões de euros), mas estima que os condenados e arguidos tenham ainda de pagar 45 mil milhões de reais (quase 11 mil milhões de euros), entre o dinheiro que receberam em luvas, os impostos que ficaram por pagar e as multas aplicadas pela justiça. Acusações, só no Paraná, foram 82 contra 347 pessoas, muito por força dos acordos de delação premiada assinados com 176 suspeitos.

Estatística elaborada pelo Ministério Público Federal sobre os inquéritos relacionados com a Operação Lava Jato no Paraná (fonte: MPF)

São dados de um processo que pôs o Brasil a olhar-se ao espelho, não apenas na relação promiscua entre os titulares de cargos públicos e as grandes empresas, mas também no dia-a-dia de uma economia paralela movida a corrupção. Talvez por isso possa dizer-se que a Lava Jato explica, em parte, o tombo do Brasil no Índice Mundial de Percepção da Corrupção, da organização Transparência Internacional — perdeu 27 posições nos últimos 4 anos, caindo do lugar 69 para o lugar 96, atrás de países como Timor Leste, Burkina Faso ou Ruanda.

Estatística elaborada pelo Ministério Público Federal sobre os inquéritos relacionados com a Operação Lava Jato no Rio de Janeiro (fonte: MPF)

Neste caso, porém, admitir o problema pode ser o primeiro passo, mas não tem deixado o Brasil mais perto de o resolver: nas eleições deste ano, 47 denunciados ou acusados na Lava Jato foram recusados nas urnas, mas 35 suspeitos de corrupção conseguiram ser eleitos como deputados ou senadores — em alguns casos, com uma maioria esmagadora dos votos, segundo o Estadão.

Poderá dizer-se que, em contrapartida, o eleito para a Presidência foi o candidato com o discurso mais forte contra a corrupção. Durante a campanha, aliás, Jair Bolsonaro prometeu que “a faxina” seria, agora, “muito mais ampla”. “Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão pra cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, disse, num ataque aos dirigentes e apoiantes do PT.

Em abril deste ano, Lula da Silva, ex-Presidente do Brasil, entregou-se à justiça para cumprir uma pena de 12 anos de prisão (Sebastiao Moreira/EPA)

Sebastiao Moreira/EPA

Num artigo de opinião publicado na Folha de São Paulo, Matthew Stephenson, professor na Harvard Law School e especialista em políticas anticorrupção, explica que “os cidadãos reagem à corrupção generalizada elegendo demagogos populistas — candidatos que empregam retórica agressiva, muitas vezes violenta, e outras formas de “falar duro” que prometem um imenso “desordenamento” do sistema político”, mas deixa um alerta: “os problemas de corrupção tendem a se agravar”. Para o sustentar, cita os casos da Hungria e das Filipinas, “onde a eleição de figuras excêntricas agravou o problema”: “O egoísmo do novo líder, acoplado ao seu desrespeito pelas regras convencionais e pelos controles e contrapesos institucionais, manifesta-se em forma de ataque às instituições independentes de combate à corrupção, muitas vezes com insinuações de conspiração”, explica, concluindo que os problemas da corrupção e do compadrio não melhoram: pioram, e danos duradouros são causados às instituições, ao longo do caminho”.

Na lista de propostas de Jair Bolsonaro para combater a corrupção, destacam-se três: O novo presidente do Brasil prometeu que não fará indicações políticas para cargos públicos, vai eliminar ministérios, para manter um controlo mais próximo dos fundos públicos e diz que vai levar ao Congresso o pacote das “Dez Medidas Contra a Corrupção”, um projeto criado com sugestões do Ministério Público Federal e nascido de uma iniciativa popular, que acabou por não vingar em 2016.

Governabilidade

Um desafio fulcral, já que nenhum Presidente brasileiro consegue deixar marca se não conseguir fazer aprovar leis no Congresso. E, apesar de Jair Bolsonaro contar com uma previsível maioria nas duas câmaras, o mais provável é que não consiga alinhavar uma maioria de dois terços que lhe permita fazer emendas constitucionais.

O partido de Bolsonaro, o Partido Social Liberal (PSL), gozou de um crescimento incrível esta eleição, aumentando para 52 o número de deputados. É mais fácil para o candidato à direita formar alianças, já que o próprio Congresso que saiu desta eleição se encostou bem mais à direita. Só que Bolsonaro também enfrenta dificuldades: por um lado, porque ele próprio tem rejeitado formar um Governo de coligação; por outro, porque a matemática não o ajuda a formar uma maioria qualificada para aprovar emendas constitucionais.

Jair Bolsonaro tem a maioria no Congresso, mas terá de negociar para conseguir os 2/3 necessários para aprovar as medidas mais difíceis (ANDRESSA ANHOLETE/AFP/Getty Images)

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A seu favor, tem o apoio declarado das bancadas “BBB”, chamadas de “Bíblia, Boi e Bala”, por representarem o setor evangélico, do agro-pecuário e da defesa da segurança pública. Esse apoio, juntamente com os dos restantes parlamentares do PSL que não se inserem em nenhuma destas bancadas, significa que poderá ser fácil a um Governo Bolsonaro aprovar medidas como a revogação do Estatuto de Desarmamento, que facilita o porte de arma, o projeto Escola sem Partido (que valoriza valores familiares na educação moral e sexual) e, possivelmente, a redução da maioridade penal dos 18 para os 16 anos.

Mais difícil é arranjar consenso para medidas estruturais, menos populares ou que necessitem de maioria de dois terços na Câmara — como, por exemplo, a reforma sobre o sistema de pensões, chamada reforma da previdência. As medidas de fundo podem, por isso, ficar adiadas. Caso contrário, o Presidente em causa estará a comprar uma guerra que pode não conseguir ganhar.  E, para além disso, a lealdade do Congresso pode sempre abanar consoante a popularidade do Presidente.

Reconciliação

Os brasileiros já andam nas ruas desde 2013. Foi nesse ano que começaram as primeiras grandes manifestações contra o PT. Primeiro, setores da extrema-esquerda saíram às ruas para protestar contra o aumento do preço dos autocarros de São Paulo. Depois, embarcando na onda de descontentamento, outras alas políticas começaram também elas a manifestar-se pela primeira vez em grande escala nos anos do PT. Às tshirts vermelhas e também pretas, de grupos como o black bloc, seguiram-se as camisolas verdes e amarelas vestidas pelos manifestantes anti-PT, que iam desde o centro à extrema-direita.

Desde então, não houve um ano sem que setores da população não assumissem grandes causas. Em 2014, rebentou a Operação Lava Jato e os gritos de prisão para líderes do PT começaram. Em 2015, começou o impeachment de Dilma Rousseff e o seu nome também era pedido para a cadeia por parte dos seus opositores. Em 2016, a então Presidente foi destituída e foi substituída pelo seu vice-Presidente, Michel Temer. Daí em diante, e ao longo de 2017, os gritos foram da esquerda, que pedia “Fora, Temer”. E em 2018 gritou-se com particular ênfase: pela prisão ou pela libertação de Lula; pela eleição ou pela derrota de Bolsonaro.

Grandes protestos violentos começaram em 2013, espelho de um país dividido e em pontos extremos (ANDRESSA ANHOLETE/AFP/Getty Images)

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No meio de tantos gritos, houve mesmo que passasse às ações. Especialmente na segunda volta das eleições, houve quem chegasse a vias de facto em discussões de política — e houve quem morresse por isso. O mestre de capoeira baiano Moa do Katendê foi morto à facada por criticar Bolsonaro, numa discussão de política na noite da primeira volta. Em Curitiba, um homossexual foi morto em casa por um homem, entretanto detido, que terá gritado “Viva Bolsonaro” enquanto cometia o homicídio. Também preocupante foi a notícia de uma jovem que disse ter sido mutilada na barriga por apoiantes de Bolsonaro, que lhe teriam feito uma suástica na pele. No entanto, esta história deu uma volta inesperada — a polícia não viu no corpo da queixosa quaisquer marcas de autodefesa e, agora, a jovem vai ser indiciada por falso testemunho.

Esta violência também já atingiu candidatos e políticos. O caso mais notório é, obviamente, o de Bolsonaro, cuja vida esteve em risco depois de ter sido esfaqueado durante uma arruada em Minas Gerais. Mas também no preâmbulo destas eleições a comitiva onde Lula seguia em direção ao Paraná, um mês antes de ser preso, foi recebida a tiros.

A reconciliação também não será fácil se não houver pelo menos um entendimento quanto ao que é ou não verdadeiro. Estas foram as eleições das fake news no Brasil. Embora a maioria das notícias falsas espalhadas fossem negativas para Haddad — após denúncia da Folha de S. Paulo, o Tribunal Superior Eleitoral investiga se houve empresas a financiar as campanhas de mensagens no WhatsApp — também houve algumas que puseram dúvidas sobre Bolsonaro e os seus aliados. De Haddad, escreveu-se que era a favor do incesto. De Bolsonaro, houve quem garantisse ter provas de que a facada foi falsa.

Em “Insensatez”, Tom Jobim cantava que “Quem semeia vento, diz a razão / Colhe sempre tempestade” e, mais à frente, fazia um pedido em tom de desespero: “Vai, meu coração pede perdão / Perdão apaixonado / Vai, porque quem não / Pede perdão / Não é nunca perdoado”. É difícil que isso venha a acontecer tão cedo, num país que passou os últimos anos a gritar e a agredir-se a si mesmo.

[Veja o vídeo: #EleConseguiu. A noite em que o Brasil virou]

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