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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Pôr o bairro dentro da tela: o drama e a comédia da vida na Reboleira deram um filme

Basil da Cunha voltou a filmar o bairro da Amadora que está a desaparecer e explica-nos como e porquê. ‘O Fim do Mundo’ não é cinema burguês, é o “ghetto” retratado “com paleta”.

Passeia pelas ruas e cumprimenta quase toda a gente. Sabe o nome das pessoas e as pessoas sabem o dele. Basil da Cunha, realizador de 35 anos, nascido na Suíça — filho de pai português e mãe suíça —, tem um método: filmar com amigos e filmar o que conhece bem. Desta vez não fez só um filme sobre a Reboleira, na Amadora. Fez um filme sobre a sua comunidade. Pegou nos moradores que trata pelo nome há muito, fez deles atores e com eles fez uma longa-metragem: O Fim do Mundo, que chega esta quinta-feira a salas de cinema de Lisboa, Porto, Braga, Coimbra, Faro, Setúbal e Viseu. Isto depois de o filme ter estado no festival de Locarno e ter vencido a secção de competição nacional do festival Indie Lisboa.

Uma primeira leitura do título poderia sugerir que zonas como a Reboleira e muitos bairros na periferia de Lisboa são o fim do mundo. Não é nada disso: é o mundo que Basil da Cunha conhece e no qual se sente em casa que está a desaparecer bocadinho a bocadinho, demolição de casa a demolição de casa. “É sobre o fim do bairro. O fim deste mundo, porque a Reboleira é um mundo. O fim da inocência. E o fim de uma geração”, diz-nos o realizador, enquanto traduz ao Observador os locais por onde passamos: “Aqui foi onde gravámos a cena da galinha”, “ali foi onde gravámos as cenas da oficina” e por aí fora.

Em O Fim do Mundo, há um miúdo, Spira, que volta ao bairro depois de oito anos passados numa casa de correção. Há gente que entretanto se foi — uns emigraram, outros foram presos — mas muitos mais ficaram. A dada altura, Spira pergunta aos dois amigos em crioulo, como aliás é falado quase todo o filme (com legendas em português): “o que se passa com a zona?” Passa-se que as casas vão sendo demolidas pela câmara, o bairro como se conhecia vai desaparecendo. Não é metafórico, é real: como o são muitas das histórias que os moradores-atores incorporam.

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Spira é um rapaz calado: anda como quem vagueia, observa muito mais do que fala, quando faz alguma coisa não é de meias ações. Revolta-se contra o cheiro nauseabundo do lixo que não é recolhido pela câmara, queima-o (com um percalço como consequência). Sabe que a casa da miúda com quem ‘flirta’ vai ser demolida, faz desaparecer a retroescavadora. Mas se Spira é protagonista, a personagem mais ficcional de toda a história — ainda que construída com ingredientes de muitas histórias reais —, todo o filme gira em torno do bairro: as “fofoqueiras”, as brigas e as festas, a droga e o tráfico, os sonhos que Spira já não tem e a ambição de conquistar as ruas do amigo Giovanni, “as lutas que os putos daqui travam”, a animosidade com a polícia, o espírito de comunidade que se enfraquece quando as casas de uns são demolidas e as de outros não, as famílias disfuncionais.

"A intenção era conseguir prestar uma homenagem ao bairro, conseguir retratar com uma certa verdade aquilo que se passa, a energia do bairro. E fazer um filme popular, com ritmo, poético, que também tenha comédia… que não encaixe só numa coisa e que que tenha várias camadas."
Basil da Cunha

As intenções do filme, descreve-as o realizador: “A primeira era conseguir prestar uma homenagem ao bairro, conseguir retratar com uma certa verdade aquilo que se passa, a energia do bairro”. Sem romantizar demasiado, pois claro, mas também sem abdicar de contar histórias “com paleta, com estilo”, com uma estética — a que o realizador chama “gramática” — apurada. “E fazer um filme popular, com ritmo, poético, que também tenha comédia… que não encaixe só numa coisa e que que tenha várias camadas”.

Não tendo o rap como banda sonora, até para fugir ao cliché dos filmes passados nos bairros com esses sons em pano de fundo, este é “um filme hip-hop”, considera o realizador: “Não no sentido de haver hip-hop no filme, mas no sentido de ser uma espécie de porta-voz da rua”. Não se pense que o filme é quase documentário, que O Fim do Mundo despreza as intenções estéticas e artísticas para fazer denúncia social sem brilho. Não é bem isso: está-se sempre na fronteira entre a realidade e a ficção, o sonho e a lucidez, a teia narrativa e as histórias reais que a alimentam. Se tudo isto fosse inventado, imaginado, sem qualquer relação com as pessoas que fizeram de atores, O Fim do Mundo não seria um filme menor — e esse não é um trunfo de somenos.

Recorrendo a uma frase de um dos seus atores e moradores da Reboleira, Alexandre da Costa Fonseca — “Chanti” no filme —, Basil da Cunha dá uma sinopse possível do filme: “Quando ele estava em Locarno, disse na conferência de imprensa que o filme mostrava aquilo que as pessoas são e muitas vezes não queriam ser”.

O realizador de 'O Fim do Mundo', Basil da Cunha, no interior de uma oficina que também foi filmada durante as rodagens

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O amor à Reboleira, o tipo que foi a cavalo pedir uma mini e o cinema, “meio burguês”

A ligação de Basil da Cunha à Reboleira começou há 12 anos. Foi nessa altura que o realizador, nascido na Suíça — e que cresceu “na cidade com mais emigrantes por habitantes: turcos, ‘tugas’, senagaleses, cabo-verdianos, marroquinos, tudo” —, começou a morar na freguesia da Amadora. “Vim para cá viver porque conheci uma miúda. Fiquei aqui e tínhamos de arranjar um sítio para ficar. Abri o jornal e era aqui que estavam os ‘cubículos’ mais baratos. Já vivi em quatro ou cinco prédios nesta zona e arranjava apartamentos T0 e T1 a 150 euros, já mobilados. Antes dos gajos construírem o metro, isto estava muito barato”, explicou o realizador.

"O primeiro dia que passei cá foi um dia muito particular — e todos os dias desde aí têm sido muito particulares. Vi mais merdas num dia que se calhar em toda a minha vida anterior. Coisas muito maradas, meu. Muito cinematográficas, também."
Basil da Cunha

No primeiro dia na Reboleira, Basil da Cunha apercebeu-se logo de que tinha aterrado num pequeno cosmos à parte. “O primeiro dia que passei cá foi um dia muito particular — e todos os dias desde aí têm sido muito particulares. Vi mais merdas num dia que se calhar em toda a minha vida anterior. Coisas muito maradas, meu. Muito cinematográficas, também”. Por exemplo? “Cheguei, saí do metro e havia um gajo a dormir no meio da rua. Estava bêbado. Depois tornou-se um amigo, mas posso passar seis meses sem estar cá e volto a encontrar o gajo no mesmo sítio”. À noite, a primeira na sua nova casa, ouviu uma vizinha aos gritos: queria atirar-se do quarto andar. “Depois há um vizinho que saiu e gritou: ou saltas ou não saltas, mas vais calar a boca porque amanhã tenho de ir trabalhar”.

Ainda nas primeiras horas na Reboleira, avistou, em plena manhã, “um anão a carregar um armário de para aí três metros”. Horas depois, à tarde, “estava num café aqui ao lado, que ainda existe, e há um gajo que vem com um cavalo pedir uma mini. Baixou-se na porta de entrada e pediu uma mini”. Para primeira impressão não está mal: “Pensei logo: porra, esta merda é mágica. É brutal. Todos os dias há comédia. É assim: no drama há comédia”.

Movido pela vontade de “pôr na tela quem lá não estava”, até porque “os gajos que via na tela não eram nunca parecidos” com aqueles que conhecia e de quem era próximo — na cor da pele, na linguagem, nos dilemas, nas dificuldades, nos modos de vida —, Basil da Cunha tem-se proposto a filmar a Reboleira e os bairros e ghettos da zona a partir das histórias que conhece, viu e ouviu e a partir da sua reflexão sobre elas, do que também imagina.

Em 2013, os espectadores portugueses puderam ver pela primeira vez o resultado desse olhar em formato longa-metragem com Até Ver a Luz. Também esse filme era sobre um regresso: não o de um jovem depois de anos passados numa casa de correção, como neste O Fim do Mundo, mas de um ex-recluso que regressava ao bairro e ao tráfico, chamado Sombra.

Agora, muda o ângulo mas mantém-se a ideia de retratar o meio com “estilo”. Não é um detalhe nem é um acaso: Basil da Cunha explica que tentou sempre “fugir ao naturalismo que se vê em muitos dos filmes ditos sociais” por ter “a ambição” de ter um aprumo estético. Um dos motivos é, aliás, o impacto que isso pode ter na comunidade: “Acho super importante porque as pessoas merecem ter os seus mitos, também. E o filme participa nisso, o cinema participa nisso. Muitos dos mitos americanos vêm do cinema, de personagens complexas”.

As pessoas “merecem ter os seus mitos” e as da Reboleira não são exceção. Mais do que isso: para o realizador, os mitos em torno dos bairros como aquele que conhece estão demasiado afastados da realidade, já que têm sido “mal retratados” — e se o cinema e o seu cinema puderem contribuir para criar mitos novos e mais verosímeis, o filme é “uma vitória”. Até porque “representa a comunidade” e porque “ir ao Cinema São Jorge e levar lá a Reboleira ou ter jornalistas a virem à Reboleira falar do trabalho que as pessoas fizeram, em vez de se falar de outras coisas, já são feitos”.

O bairro, diz ele, “está com a auto-estima em altas e isso é super importante. Isto muda… o cinema não vai mudar o mundo, mas muda alguns trajetos de vida. O impacto disto é enorme para estes miúdos, que vão a programas de televisão, aparecerem nos jornais, falam do trabalho que fizeram”.

"O cinema não vai mudar o mundo, mas muda alguns trajetos de vida", diz o realizador Basil da Cunha, aqui fotografado na Reboleira que tem funcionado como cenário e como protagonista dos seus filmes

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Iara, 20 anos: “Somos do bairro, é raro termos oportunidades”

Um dos “miúdos do bairro” a que Basil da Cunha se refere é Iara — Iara no filme, Iara Cristina Cardoso na vida real. No filme, é a miúda com quem “Spira”, o protagonista, “flirta”, que não se sabe se quer sair do bairro ou ficar, que tem a sua casa prestes a ser demolida.

Fora do ecrã, encontrámo-la junto à Estrada Militar, na Reboleira, rodeada de gente. Era dia de festa, como aliás provavam o som de música africana vinda do interior de uma casa — de portas abertas — e o aglomerado de pessoas na rua, maioritariamente de origem ou ascendência cabo-verdiana. “Vim ajudar a minha amiga a fazer o aniversário do filho dela”, desvendava-nos, tendo por perto o filho Diego, que em O Fim do Mundo era um bebé de dois meses e agora está mais crescido, com 3 anos.

Iara, de 20 anos, conta que “quando era mais nova já tinha participado noutro filme do Basil” e agradece a oportunidade de ser atriz: “É sempre bem quando nos dão uma oportunidade. Somos do bairro, por isso é raro termos oportunidades”.

Iara, de 20 anos, gostava de ser atriz: "Se me dissessem: Iara, foca-te naquilo e faz aquilo, eu agarrava a oportunidade"

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Para a mãe de Diego, o bairro em que vive foi bem retratado em O Fim do Mundo. “É bom mostrar-se que não é por ser um bairro que tem de ser vivido brutalmente, ou que é cheio de confusões, ou que ninguém se entende. Há de tudo aqui, como em todo o lado: bons momentos, maus momentos. Pode haver mal-criados, bem dispostos… tudo”, apontava. E acrescenta, como exemplos de modos de vida bem retratados: “A rotina de quem não trabalha é assim. Se for uma mulher, acorda e por norma arruma, trata da casa, dos filhos. Se for uma mulher mais velha, também tem a sua rotina. Os filhos é que normalmente já fazem mais coisas, estão a trabalhar, estão na rua sentados a conversar… senti que o que se passou ali nas filmagens é a realidade”.

A participação nos filmes de Basil da Cunha, e neste último filme em especial, também tem mudado a vida de Iara Cristina Cardoso, diz-nos ela: “Hoje em dia consigo interagir com as pessoas. Era mais tímida, no meu canto. Hoje passo, cumprimento… antes, às vezes nem cumprimentava as pessoas”.

Gostaria Iara de ser atriz? "Se me dissessem: foca-te naquilo e faz aquilo, eu agarrava a oportunidade. Tenho muita vergonha com estas coisas [ser atriz e falar publicamente] mas tenho uma vontade enorme de fazer mais."

Até o seu futuro pode ter mudado. Perguntamos a Iara se gostaria de ser atriz e ela responde: “Não digo que quero ser, sei que teria de estudar e fazer muita coisa… Mas se me dissessem: Iara, foca-te naquilo e faz aquilo, eu agarrava a oportunidade. Tenho muita vergonha com estas coisas [ser atriz e falar publicamente] mas este ano já estou mais crescida, já consigo ver as coisas como são. Tenho uma vontade enorme de fazer mais coisas, ainda mais depois de ter estado na antestreia no Cinema São Jorge. Foi incrível, foi super fixe”.

Como aconteceu com outros moradores-atores, Basil da Cunha imaginou o papel de Iara a partir do que lhe conhece. “Conheci a Iara quando era miúda porque sou amigo da mãe dela. Ela cresceu a ver novelas, a ser endrominada por aquelas fantasias das novelas. Foi sempre uma miúda um bocadinho à parte aqui no bairro. E o filme também trabalha com essa coisa que ela tem e que nenhuma das outras personagens tem. O ponto curioso é a evolução que ela teve na vida real ao fazer este filme, porque foi obrigada a misturar-se com o pessoal. Hoje, acho que pensa de forma diferente da que pensava”, diz o realizador.

Iara Cristina Cardoso, moradora da Reboleira, e o filho Diego

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Diferente é o caso de Michael Spencer, totalmente diferente da sua personagem “Spira” em O Fim do Mundo. Se no filme é um protagonista silencioso, pouco falador, discreto, quando as câmaras estão desligadas é outra coisa. “Não é nada parecido com esta personagem misteriosa e enigmática, que para mim representa o que a sociedade pode produzir quando castiga em vez de educar”. Na realidade, diz o realizador, Spira “é um puto completamente diferente. Não nasceu cá, veio de Cabo Verde, e é um gajo charmoso, vivo, fresco. Não tem nada a ver com esta personagem. Tive de lhe tirar mesmo aquela coisa que o gajo tinha de ser charmoso. Quando o filmei, estava sempre a tirar-lhe aquele jogo de cintura que ele tem”.

“Há histórias difíceis de reviver ou expor. É preciso cuidado”

Conhecendo bem os moradores que tornou atores, Basil da Cunha preferiu não lhes dar um guião e não lhes ceder falas que teriam de decorar. Queria que estivessem menos rígidos, a conversar, a reagir ao que os outros diziam, como se estivessem num dia normal e sem câmaras ligadas. A curiosidade é que conseguiu prever mais ou menos as expressões e conversas do filme: “Por mais que seja tudo improvisado, fui ver as falas que escrevi e não lhes dei e são quase as mesmas. Conhecendo bem as pessoas, como escrevi para elas já sabia que fulano tal ia dizer isto ou aquilo. De vez em quando, claro, lá inventavam aquelas frases bem malucas que só eles sabem inventar…”.

Se muitas das histórias têm base real — “há pessoas que são exatamente como as estás a ver no filme enquanto personagens, com tudo o que de bom e mau isso comporta” —, o realizador teve o cuidado de não magoar ninguém que participasse: “Há histórias que exigem delicadeza. Há coisas que são difíceis reviver ou expor de forma muito direta. O que fiz por vezes foi pegar na história de alguém e dá-la ao melhor amigo para a interpretar, porque há coisas complicadas. Basicamente, foi só ter cuidado com as pessoas”.

O bairro junto à Estrada Militar, na Reboleira (Amadora) foi o local de rodagem de várias cenas do novo filme de Basil da Cunha

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Aquilo de que Basil da Cunha está certo é que seria impossível a alguém que não viva ali fazer um filme como O Fim do Mundo. “Se não for um gajo de cá, nunca ninguém o vai fazer assim. A razão é o apoio que consegues ter das pessoas, se fores de cá — se não fores, nem com muito dinheiro o consegues. Por exemplo, fiz um plano sequência com as caras de toda a gente, o que implicou parar as ruas e a atividade das ruas. Isso só acontece quando tens a comunidade toda contigo. É uma relação que demora tempo a criar, demora anos”.

Esse plano sequência não surgiu por acaso: o bairro estava “todos os dias a desaparecer” e, temendo o seu fim definitivo, Basil da Cunha quis filmar todos os moradores no plano final. “Tem a ver com isso: pensei que era o último plano que ia fazer cá. Não tendo a possibilidade de contar as histórias todas, pelo menos punha estas pessoas todas alinhadas uma última vez. E tu vês nas caras que há milhares de histórias que podiam ser contadas”.

Também há os rostos que ficarão esquecidos, como o do “falecido Marcelo”, o “Bruce Lee de Cabo Verde”, um “cota só com um olho, que se vestia com um kimono, e que dava-te dois pontapés e só vias um. Vias o tipo e parecia um bêbado, não davas por ele, mas tinha uma história… já tinha sido alguma coisa e toda a gente sabia aquilo que ele tinha sido. Tanto que quando bebia uns copos a mais e caía para o lado, havia sempre alguém para o levar a casa”.

Três feitos: “pôr o pessoal na tela”, reforçar o “orgulho” da comunidade e mudar “a visão dos bairros”

O Fim do Mundo esteve até para ser um teen movie, “à Stranger Things”, em que os miúdos “salvavam o mundo dos adultos que estava a entrar em choque”. O mundo continuava a ser a Reboleira e o choque era provocado pela “tática da câmara municipal, que é dividir as pessoas; em vez de atacarem de uma forma frontal, vão tirando uma casa aqui, outra ali. E as pessoas começam a entrar em discórdia: porque é que a casa deste foi demolida e a daquele não foi? A ideia ali era simples: os putos davam uma lição de vida aos adultos”, explica Basil da Cunha.

Os miúdos para quem o realizador escreveu, porém, cresceram demasiado rápido. “Quando comecei a filmar já eram adolescentes. Aquela inocência que queria retratar já não possível, porque tinha-lhes prometido que faria o filme com eles. Tive de orientar a história, passar por outro caminho”, diz.

Iara Cristina Cardoso interpreta o papel de Iara no filme 'O Fim do Mundo', de Basil da Cunha

DR

Expectativas pessoais quanto ao impacto do filme, o realizador diz não ter nenhumas: “Nunca penso nos efeitos colaterais de um filme a nível de ambição pessoal. Penso sempre: a vitória foi conseguir pôr o pessoal na tela. Já é uma vitória no que toca à representatividade”. Se o filme trouxer “orgulho” à comunidade e “uma visão diferente daquilo que são os bairros” por parte dos espectadores, os grandes objetivos estão atingidos. Ainda assim, assume a expectativa de que este possa ser “um filme popular”.

Depois de O Fim do Mundo, virão outros projetos, que atenuem a frustração de não ter conseguido retratar no ecrã tantas histórias e tantas pessoas quanto gostaria. “Tirei muita coisa na montagem, neste filme. Por exemplo mulheres do bairro, guerreiras. O filme não foi pensado para elas, portanto não tinham muito espaço, mas existem e para mim ainda não têm a luz que merecem”, começa por dizer, acrescentando: “Para responder a frustrações dessas, o próximo vai ser um filme coral, um filme de grupo, com muitas personagens. É um género em que é muito complicado escrever, é um grande quebra-cabeças. O filme já está escrito, mas há montes de problemas de narrativa que ainda tenho para resolver. Ainda assim, já estou a concorrer à primeira etapa de financiamento. Vou escrever o guião e espero filmar muito em breve — maio, se calhar”.

O realizador, no entanto, torce o nariz ao meio do cinema. Basil da Cunha, que diz que com dez anos puseram-lhe uma câmara na mão — “nunca mais larguei nem consigo parar, com ‘guito’ ou sem ‘guito’ estou sempre a fazer filmes” —, diz que gosta de ver e fazer filmes mas é só. “Não tenho muitos amigos no cinema. Vamos ser sinceros: o meio do cinema é um meio burguês. É feito muito de pessoas que vêm do mesmo sítio e que estão sempre juntas. Acho muito complicado falares do mundo se estás sempre no teu meio social e só com pessoas que por acaso até são artistas. Se comes com eles, vais para a cama com eles, no teu aniversário também estás com eles, acabas a fazer filmes sobre eles. O problema de muitos filmes que vejo é olharem só para o próprio umbigo, quando estamos numa altura em que nunca foi tão importante falar do que se passa na rua — a vários níveis”. Outra crítica: “Há no mundo do cinema uma concorrência que não é muito saudável entre as pessoas”. Basil assume-se, sem pruridos, um realizador marginal: “Sinto-me bem aqui, ‘tás a ver? Aliás, a minha equipa de filmes é composta na maioria por pessoas da Reboleira, técnicos, o que também é um exemplo de representatividade. Estou bem aqui”.

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