“Gostava de trabalhar mais horas do que trabalho”, diz um veterinário, de 29 anos. Mais horas? “Sim.” Mas e quando tinha um horário completo? “Trabalhava 35 horas por semana, mas por mim trabalharia mais. Não acho 40 horas nada de extraordinário e acho que a maioria das pessoas convive bem com isso”. Será?
Depende do lugar onde cada um trabalha. A verdade é que a função pública vai voltar a trabalhar 35 horas semanais – a Comissão Parlamentar do Trabalho vota esta quarta-feira o diploma na especialidade –, enquanto os trabalhadores do privado continuam a laborar 40. Mas acha mesmo que é assim? As horas que trabalhamos em Portugal são um assunto mais complexo do que parece. E variado. Cada setor tem uma cultura diferente. Mesmo dentro da mesma instituição pública — como nos hospitais — as regras não são iguais. O mesmo se passa nas empresas.
Vamos chamar João a este veterinário – que não quer ser identificado porque agora trabalha apenas 18 horas por semana para uma clínica veterinária nos arredores de Lisboa, sem qualquer contrato. Neste momento, faz parte de um grupo de trabalhadores que o Instituto Nacional de Estatística (INE) classifica como “subemprego”. São pessoas empregadas, mas a tempo parcial, porque não têm outra opção: na verdade, gostariam de trabalhar mais horas.
O que pensa João das 35 horas na função pública?
↓ Mostrar
↑ Esconder
Apesar de achar que 35 horas de trabalho por semana é pouco, o veterinário João defende que os funcionários públicos têm direito a regressar à semana mais curta. Ou então, deviam ter direito a uma compensação por terem visto os seus horários de trabalho crescer.
Os outros 247.299 trabalhadores considerados “subempregados” como o veterinário João demonstram que, no que toca a horários de trabalho e relações laborais, a realidade portuguesa está muito longe de ser a preto e branco, como o debate entre as 35 horas do setor público e as 40 do privado parece fazer crer.
No plenário e nas salas das comissões da Assembleia da República, direita e esquerda esgrimem argumentos desde a primeira semana de janeiro sobre o que é justo ou injusto colocar na lei do trabalho da administração pública. De um lado, BE, PCP e PS concordam que os funcionários públicos devem recuperar a semana de 35 horas de trabalho e procuram uma forma de fazê-lo sem engordar a despesa pública. Do outro, PSD e CDS acusam o Executivo de voltar atrás numa reforma estrutural, que colocava o setor público e o privado em igualdade.
Nos escritórios, fábricas, open spaces, clínicas, transportes e demais locais de trabalho espalhados pelo país, a realidade é mais complexa. Não há uma parte do país que voltará a trabalhar 35 horas e outra que continua nas 40.
Há o veterinário que trabalha 18 horas semanais e que mesmo quando supera o horário recebe os mesmos seis euros por cada hora extraordinária. Há o vidreiro Pedro que trabalha uma média exata de 35 horas, bem medidas, já que por cada hora suplementar prestada num dia de férias ganha um acréscimo de 300%. E há a professora universitária Joana (nome fictício), de 35 anos, que nem se lembrou de perguntar qual é o horário que virá no seu novo contrato, prestes a ser assinado. Na prática, sabe que dará apenas nove horas de aulas aos estudantes, mas trabalhará as mesmas 42 que já se habituou a fazer, todas as semanas.
Trabalhar sem olhar para o relógio
“Na indústria, os horários são cumpridos. O setor é bastante regulamentado e as horas extra são geralmente pagas”, conta um consultor e professor universitário, diretor de recursos humanos de uma grande empresa. “Mas, no setor dos serviços, o horário de trabalho que vem no contrato é mais ou menos indiferente. O que interessa é o trabalho estar feito, independentemente do número de horas que leva a fazer”, garante. Quantas horas se trabalha? Trabalha-se o que for preciso.
O que pensa Joana das 35 horas na função pública?
↓ Mostrar
↑ Esconder
“Olha que bom! Só vamos trabalhar 40 horas por semana” — foi assim que a professora universitária Joana e os colegas de departamento reagiram quando souberam que o horário da função pública seria aumentado no tempo de Pedro Passos Coelho. Para os professores universitários, as semanas já tinham mais horas de trabalho, mas não remunerado, nem declarado.
O especialista em recursos humanos dá o seu próprio exemplo: não sabe quantas horas trabalhou no dia em que falou com o Observador. Deixou os dois filhos no colégio de manhã e regressou a casa para uma videoconferência. “Perdia menos tempo do que se fosse para o escritório”, justifica. Depois foi tratar de assuntos pessoais e almoçou fora. Não sabe bem definir se foi um almoço de trabalho, mas depois de ponderar decide que sim.
À tarde, o diretor de recursos humanos foi para o escritório e teve duas reuniões que diz terem sido menos produtivas do que poderiam ter sido: “Saí pelas 19h30, mas se não tivesse sido constantemente interrompida com pessoas a entrar no gabinete, podia ter saído entre meia hora a uma hora mais cedo.” Mas quanto a isso, garante, não há nada a fazer: “É a cultura da empresa, sou diretor de recursos humanos, não posso fechar a porta às pessoas.”
A professora universitária é outro bom exemplo de flexibilidade laboral: “Quando se olha para um professor universitário pensa-se sempre que é um privilegiado. Pensam que só trabalhamos nove horas por semana, porque esse é o limite previsto para as horas letivas”, assume Joana.
Mas não é assim: “Há pouco tempo contei quantas horas passo no local de trabalho e são cerca de 42 por semana”, garante. A este tempo, há que somar cerca de uma hora em casa dedicada ao estudo e outras três ao longo do fim de semana — horas que ninguém imagina que são passadas a trabalhar, já que não há qualquer controlo dos horários não letivos. E mesmo assim tem a certeza que no seu departamento há professores que trabalham mais, “porque não têm filhos pequenos”.
Não se queixa. “Esta é uma profissão de entrega”, justifica Joana. O salário base de 3.087,54 euros por mês até ajuda — e vai aumentar a cada trimestre até chegar ao final do ano em 3.191,82 euros, devido à eliminação progressiva dos cortes salariais decidida pelo Governo de António Costa. Por isso não acha “justo que alguém contratado por 35 horas seja depois obrigado a trabalhar 40 sem recompensa”.
A ditadura dos ponteiros
Em Santa Iria da Azóia, a poucas horas de o relógio ditar a entrada ao serviço para o turno da meia-noite na fábrica da Saint Gobain Sekurit Portugal, o vidreiro Pedro Milheiros conta como o seu horário de trabalho, definido por acordo de empresa, foge à normalidade.
À primeira vista parece simples: a fábrica é de laboração contínua e há três turnos, de oito horas cada um. Já na prática perceber quantas horas faz por semana exige contas, que Pedro explica passo a passo: o horário é anual e estão previstas 1.744 horas. Mas este valor é só um ponto de partida: “Através de negociação, conseguimos dois dias de férias adicionais, por isso, menos 16 horas por ano. Depois, cada trabalhador tem quatro horas de tolerância por mês para tratar de assuntos pessoais — ou seja, são menos 48 horas por ano.”
Feitas as subtrações, “são 1.680 horas por ano. Divididas pelas 48 semanas de trabalho (descontamos quatro que são de férias) dá 35 horas semanais”, ajuda Pedro. “Aqui não há trabalho não declarado: é tudo registado e é sempre o empregador quem pede, se for preciso, o trabalho suplementar”, assegura.
Ou não fosse a hora extra bem paga: a primeira hora prestada para além do previsto é remunerada com um acréscimo de 50%, a segunda sobe para 75% e da terceira em diante passa a 100%. Se a hora extra for prestada a dia de folga vale mais 200% e qualquer trabalho suplementar em dia que seria de férias vale a quadruplicar: o acréscimo são 300%.
Durante o período da troika, o pagamento das horas extra esteve limitado a um máximo de 50% de acréscimo, mas esses tempos de chumbo já lá vão e na fábrica da Saint Gobain — que fornece, por exemplo, a Autoeuropa –, patrões e trabalhadores já se entenderam para regressar aos valores antigos.
Já para muitos funcionários públicos, as restrições do programa de ajustamento imposto pela Comissão Europeia, FMI e BCE ainda se fazem sentir. Mesmo nos casos em que o trabalho extra é remunerado — o que não acontece com a professora Joana, que o oferece aos alunos e à investigação — trabalhar para lá da hora de saída rende no máximo mais 25%, garante José Abraão, secretário-geral do Sintap – sindicato dos trabalhadores da administração publica. Esta é a compensação prevista para o trabalho suplementar ao fim de semana. Se for durante os dias úteis, a primeira hora tem um acréscimo de 12,5% e as restantes de 18,75%.
Estes valores são válidos tanto para trabalhadores com contrato de trabalho na administração pública, como para trabalhadores cujo vínculo seja um contrato individual de trabalho. Aqui, as regras são as mesmas. Contudo, nem sempre é assim: também o setor público está muito longe de ser uniforme.
Os relógios não são todos iguais…
“Fazemos exatamente as mesmas funções, mas essas colegas mais novinhas recebem mais porque trabalham com um contrato individual de 40 horas” — a garantia é dada por uma enfermeira de carreira, de um grande hospital em Lisboa.
Teresa (nome fictício) pede para não ser identificada: revelar detalhes sobre o funcionamento do pessoal de enfermagem do serviço de internamento médico-cirúrgico do seu hospital é desconfortável. Não quer ser mal interpretada, não quer que pensem que é uma crítica direta aos colegas. E por isso fala depressa, com frases curtas e evasivas, no final de um turno que diz ter sido “péssimo”.
Teresa conta que cerca de metade dos enfermeiros do seu serviço é trabalhador em funções públicas, ou seja, o seu vínculo contratual é regulado pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Os outros têm um contrato individual de trabalho, regulado pelo Código do Trabalho, que se aplica também ao setor privado. Estes são genericamente os mais novos, os que chegaram mais tarde ao hospital, revela.
Neste momento, todos cumprem oito horas de trabalho intenso por dia. Tirando a experiência, que vai ditando o nível remuneratório de cada enfermeiro, o resto é idêntico: fazem admissão e acompanhamento dos doentes agudos e dos crónicos, prestam cuidados diretos aos doentes, preparam e administram medicamentos ou outras terapêuticas, fazem pensos operatórios e dão apoio aos médicos-cirurgiões no tratamento dos doentes na enfermaria. Por fim, preparam os doentes para a alta e ensinam-lhes os cuidados que devem continuar a ter em casa.
Contudo, ali o que faz a maior diferença é um papel: o vínculo que une cada um destes trabalhadores à entidade patronal dita 14% a mais, ou a menos, no salário mensal. Até 2013, Teresa e os colegas mais antigos trabalhavam 35 horas por semana. Os outros, que foram contratados ao abrigo do Código do Trabalho, entraram com um contrato de 40 horas semanais — e por isso tiveram direito a um acréscimo no seu salário, correspondente ao tempo de trabalho que prestavam a mais.
O que pensa Teresa do regresso às 35 horas?
↓ Mostrar
↑ Esconder
Teresa nota a injustiça dos salários depois do alargamento do horário de trabalho para as 40 horas. Contudo, reconhece que o regresso às 35 horas vai ser complicado, porque a quantidade de enfermeiras do serviço não chega para tanto trabalho.
Com a decisão do anterior Governo, os enfermeiros como a Teresa, contratados em funções públicas, foram obrigados a passar das 35 para um horário de 40 horas, sem qualquer compensação salarial. E por isso ficaram numa situação de desigualdade remuneratória face aos colegas.
“O aumento do horário não provocou muitas alterações na gestão dos turnos”, assegura a enfermeira. Diz que entrar meia hora mais cedo e sair outra meia hora mais tarde, ou até fazer a adaptação acrescentando uma hora completa logo no início ou no final do turno diário “foi fácil”. Porque “há sempre o que fazer”, garante. Mas reverter esta medida, encurtando novamente os turnos, “já vai ser complicado porque vai faltar pessoal”. É que a quantidade de trabalho tem vindo sempre a aumentar, mas o controlo de custos e de admissões na função pública tem impedido que o quadro de pessoal acompanhe essas necessidades.
O sindicalista José Abraão garante que há ainda uma terceira situação nos serviços públicos: trabalhadores que acumulam o pior dos dois mundos. Têm contratos individuais de trabalho que previam 35 horas e viram o seu horário alargar-se para as 40 horas em 2013, sem a remuneração acrescida. Ou seja: nem têm a fatia de salário a mais, nem têm o vínculo direto à função pública.
Estes funcionários são agora os mais desprotegidos porque podem não beneficiar da reversão do horário para as 35 horas, já que o diploma que está em debate no Parlamento só prevê alterações à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. O caso dos contratos individuais de trabalho terá de ser resolvido através da negociação coletiva, contando com a boa vontade do Governo em fechar acordos nesta matéria.
O tema tem sido polémico: segundo o Expresso, durante um dos encontros semanais com o primeiro-ministro, até o Presidente da República levantou dúvidas sobre o regresso ao horário mais curto. Marcelo Rebelo de Sousa estará preocupado com o potencial de custos acrescidos para o Estado, assim como com a imagem de retrocesso nos esforços de contenção orçamental, que passa para o exterior. Em 2013, antes de o horário ter sido alargado para as 40 horas, Portugal, França e Irlanda eram os únicos países europeus onde se trabalhavam 35 horas na função pública.
Além disso, não há números sobre o impacto efetivo do aumento do horário de trabalho. Por isso, também é mais difícil estimar agora os custos da reversão. A título de exemplo, Passos Coelho, quando era primeiro-ministro, chegou a prometer à troika poupar 36 milhões de euros em apenas três meses de alargamento do horário. Agora o ministro das Finanças, Mário Centeno, fala num impacto de 27 milhões de euros na Saúde, em seis meses.
Por isso, os relógios dos vários hospitais espalhados pelo país arriscam-se a continuar a bater horas desalinhados: há uns em que o tempo pode continuar a valer mais do que noutros.
…já os relógios de Mirandela estão certos com os de Bragança
Bragança, Mirandela e Macedo de Cavaleiros não têm só em comum a Autoestrada Transmontana, a A4. A unir as três autarquias há também um acordo entre patronato e sindicatos que permite aos trabalhadores dos escritórios o não cumprimento das 40 horas semanais. Ali, para quem é sócio da Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços, bastam 37 horas e meia, “de segunda a sexta-feira, sem prejuízo dos períodos de menor duração que já estejam a ser praticados”, diz o contrato coletivo assinado com a Associação Comercial, Industrial e de Serviços dos três municípios e revisto em 2014.
Já os trabalhadores do comércio não se livram das 40 horas. Nem uns nem outros podem ter intervalos para o almoço mais curtos do que uma hora, nem superiores a duas horas e o descanso semanal obrigatório “coincidirá sempre com o domingo”. De cada vez que as tardes de sábado forem roubadas ao descanso, há lugar a um subsídio de 14 euros.
Mais a sul, na Marinha Grande, estão as três fábricas da BA Vidro, uma da Santos Barosa e outra da Gallo Vidro. Em todas esta cinco unidades fabris, os operários trabalham 35 horas e os administrativos 37 horas e meia. Junta-se ainda uma sexta fábrica, na Figueira da Foz, a Veralia, do Grupo Saint Gobain Mondego, que também tem este horário semanal. “Fazem parte do setor do vidro de embalagem, fabricam garrafas e boiões, que é o setor do vidro mais rentável”, garante Fátima Messias, dirigente da FEVICCOM – Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro, afeta à CGTP.
Fátima Messias garante que este acordo do setor abrange diretamente cerca de dois mil trabalhadores e que funciona assim desde 2002.
Mas há mais exemplos, como o setor financeiro, onde as 35 horas semanais são generalizadas. É assim no Crédito Agrícola, no Millennium BCP e na Caixa Geral de Depósitos, só para citar alguns casos. Na Caixa, o horário pode ser cumprido com uma tolerância de 15 minutos para terminar operações em curso, mas quando esses pequenos acréscimos perfazem um total de quatro horas (ou, à falta disso, quando o ano chegar fim) têm de ser pagos.
Seja como for, também na banca é preciso ter em conta que a realidade não é simples. “Não tenho qualquer dúvida de que nos bancos as pessoas continuam a trabalhar para lá das 35 horas e que muitas vezes isso não é pago”, defende José Abraão.
“As pessoas têm o seu horário, mas a forma como o cumprem é diferenciada”, garante uma diretora de um departamento de operações, de uma instituição financeira, ao Observador. Rita (nome fictício) também pediu para não ser identificada — mais uma vez, não quer ser mal interpretada. Mas aceitou levantar o véu sobre a prática do seu departamento, na sede de um banco.
A bancária conta que “há pessoas que, mesmo que esteja tudo a arder, saem porta fora porque o horário chegou ao fim”. Nestes casos, o acordo coletivo do setor protege em demasia os trabalhadores, que se podem acomodar, “entrar ao serviço e não fazer nada, aumentar o número de intervalos, pausas e conversas”, acabando por trabalhar menos do que as sete horas previstas.
Mas também há quem trabalhe para lá da hora, sobretudo no final do mês, quando a intensidade de operações é maior, sem marcar horas extraordinárias. Noutros casos, é Rita quem pede às pessoas para sair das instalações quando não há motivos que justifiquem a ficar para lá da hora prevista.
O que pensa o diretor de RH do regresso às 35 horas?
↓ Mostrar
↑ Esconder
“O debate das 35 horas é uma falsa questão, é na verdade só uma questão política”, defende o professor e diretor de Recursos Humanos, ao Observador. “Não é o número de horas trabalhadas por semana que faz a diferença na eficiência da administração pública. O que faria a diferença seria um sistema de meritocracia”, garante.
Mas há mais: também nos bancos há trabalhadores em regime de outsourcing, pagos à peça, que trabalham bem mais do que as sete horas previstas para os funcionários abrangidos pelo acordo coletivo. “São jovens com formação académica e níveis de produtividade muito elevados”, garante. “Não saem sem o trabalho terminado”, frisa.
Por isso, até nos bancos, onde a jornada laboral é bem regulamentada, a gestão das equipas só se faz com bom senso.
É o mesmo bom senso de que fala o consultor especialista em recursos humanos, ao Observador. Trabalhar muitas horas nem sempre é bem visto pelos chefes. Por vezes é sinal de falta de eficiência ou de desorganização, garante. Até porque estender o dia de trabalho por mais de uma ou duas horas acaba por ser contraproducente, defende. “Dá origem a erros, acidentes, baixas”, frisa.
É por isso que o especialista argumenta que “o debate das 35 horas é uma falsa questão”; ou melhor, é apenas “uma questão política”. “Não é isso que faz a diferença na eficiência das administrações públicas, mas sim um sistema de meritocracia”, continua. “Com desânimo, é muito fácil imaginar formas de preencher aquela oitava hora de trabalho, sem ser efetivamente a trabalhar”, explica.
Nos cimentos não há relógios quadrados
Cimpor, Secil, CMT, Cimentos Madeira, Cimentaçor — podiam ser cinco empresas cinzentonas do setor cimenteiro. Mas não são. Desde os anos 80 que os trabalhadores administrativos têm horários de 37,5 horas semanais, flexíveis, onde há autonomia para fazer acertos diários nas horas de entrada e de saída, sem ter de os justificar.
No início dos anos 2000, os operários das fábricas e das oficinas também viram o seu horário reduzido: à sexta-feira, a hora de saída é às 16h e não às 17h. “A Cimpor ainda era uma empresa pública quando avançou para esta redução da jornada laboral à sexta-feira, mas a Secil seguiu-lhe o exemplo”, conta Fátima Messias.
Havia até um acordo que previa uma passagem progressiva para as 35 horas semanais mas, com a privatização da Cimpor, este entendimento ficou-se pelas 39 horas e não chegou mais longe. Ainda assim, há cerca de mil trabalhadores diretamente afetados pelo atual acordo coletivo de trabalho.
O Inquérito aos Ganhos e à Duração do Trabalho, realizado semestralmente pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento, mostra como a diversidade é grande entre diferentes setores de atividades económicas. Em abril do ano passado, as atividades financeiras e de seguros apareciam com uma semana habitual de trabalho remunerado (inclui as horas suplementares) de 35,2 horas, enquanto as indústrias transformadoras e as atividades administrativas e dos serviços de apoio tinham 40 horas.
E agora: ainda acredita que a função pública vai voltar a trabalhar 35 horas por semana e que o privado fica nas 40? O tempo é muito relativo…
Duração semanal remunerada de trabalho (em horas) | Out 2014 | Abril 2015 |
Indústrias Extrativas | 39.7 | 39 |
Indústrias Transformadoras | 39.8 | 40 |
Elect., Gás, Vapor, Água Quente e Fria e Ar | 41.3 | 37.7 |
Captação, Tratamento de Distribuição de Água | 39.7 | 38.5 |
Construção | 39.3 | 38.3 |
Comércio por Grosso e Retalho | 39.6 | 39.4 |
Transporte e Armazenagem | 40.2 | 39.8 |
Alojamento, Restauração e Similares | 39.2 | 38.2 |
Atividades de Informação e de Comunicação | 39 | 38 |
Atividades Financeiras e de Seguros | 35 | 35.2 |
Atividades Imobiliárias | 38.8 | 38.4 |
Atividades de Consultoria, Científicas, Técnicas e Similares | 39.2 | 38.1 |
Atividades Administrativas e dos Serviços de Apoio | 39.9 | 40 |
Educação | 36.8 | 35.6 |
Atividades de Saúde Humana e Apoio Social | 37.7 | 37.7 |
Atividades Artísticas, de Espetáculos, Desportivas e Recreativas | 38.1 | 36.8 |
Outras Atividades de Serviços | 38 | 37.1 |
TOTAL | 39.2 | 39.2 |