Era para ter sido uma via para o progresso, foi o caminho mais rápido para os ladrões. Há dois anos, Pedro Silveira acordou com a enésima má surpresa relativa àquela malfadada estrada. Já tinha sido expropriado e centenas de sobreiros foram abatidos. Depois, as obras da autoestrada entre Sines e Beja pararam. Agora, descobria que aquele bocado de uma estrada que nunca levou a lado nenhum, funcionara como entrada ideal para os seus montados. Tinham-lhe roubado cortiça de 80 árvores.

No sítio onde era suposto estar a A26, que ligaria o litoral ao interior alentejano, os terrenos continuam lisos e despidos de vegetação. As marcas dos roubos também ainda estão nos sobreiros. Pedro Silveira aproxima-se de uma árvore e mostra vários golpes e fendas. “Esta parte nunca mais volta a dar cortiça”, explica. Uns metros mais à frente, novo sobreiro atingido. “Nós temos imenso cuidado na tiragem da cortiça. Eles estão-se nas tintas como é que fica, como é que não fica…”

A Herdade do Azinhal fica um pouco a sul de Canal Caveira, no concelho de Grândola. É apenas uma das dezenas de propriedades do distrito de Setúbal onde houve roubos de cortiça nos últimos anos. Pedro Silveira, o dono destes 600 hectares e dirigente da Associação de Produtores Florestais do Vale do Sado (ANSUB), sublinha que esta é a região do país onde este tipo de crimes é mais frequente. No início de novembro, a GNR deteve 13 pessoas e desmantelou uma rede de tráfico que operava neste distrito. Foram apreendidas cinco toneladas de cortiça.

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Este sítio da árvore ficou danificado com os golpes dos ladrões e já não vai produzir mais cortiça, apesar de Pedro lhe ter colocado um material cicatrizante (Fotografia: HUGO AMARAL/OBSERVADOR)

A estrada que liga a entrada da herdade à zona onde aconteceram os roubos é de terra batida e alterna entre o lamaçal e os altos e baixos. No caminho, perguntamos a Pedro Silveira se tem alguma noção de quantos sobreiros existem naqueles hectares todos. Ele ri-se. Pouco depois, no entanto, o empresário e engenheiro florestal mostra que parece saber os segredos de cada árvore ao pormenor. “Aquela tem mais de cem anos. Esta aqui tem uns vinte e cinco. Tentamos ter as classes etárias mais variadas, ter toda a gama de sobreiros para, quando os velhos morrerem, entrarem os novos”, diz ao percorrer o terreno.

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A cortiça é um investimento de muito longo prazo, que requer paciência e cuidados constantes. São necessários 25 anos para que se possa retirar a primeira cortiça a um sobreiro, mas nem essa, nem a segunda tiragem (dez anos depois) são de boa qualidade. Só quando a árvore já tem cerca de 50 anos é que a extração começa a ser boa. E, geralmente, só ocorre de dez em dez anos.

Quando foram assaltados, os sobreiros de Pedro Silveira estavam no oitavo ano. Um especialista consegue ver a idade da cortiça a olho nu, através dos anéis de crescimento que a árvore vai criando, mas como o produto se vende em grande quantidade, estes pormenores facilmente passam despercebidos a um comprador.

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Parece alcatrão, mas não é. Neste local, a autoestrada entre Sines e Beja nunca foi além de zonas terraplanadas e de alguma gravilha (Fotografia: HUGO AMARAL/OBSERVADOR)

Os roubos “quebram a confiança”

Luís Dias teve mais azar do que Pedro Silveira. Em abril deste ano, alguém lhe roubou cortiça de quatro árvores na Herdade Barradas da Serra, entre Grândola e a Comporta. À primeira vista, de longe, o sobreiro que nos mostra parece normal. Mas à medida que nos aproximamos os sinais vão-se tornando evidentes. O tronco está cheio de golpes e a cortiça está lascada, como se os ladrões se tivessem arrependido a meio do roubo. Essa é a teoria do empresário, também vice-presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Trata-se de um sobreiro com 40 anos e a cortiça estava no sétimo ano de desenvolvimento — não era de boa qualidade, portanto. Agora, já não tem salvação. “Esta árvore tem de ser cortada”, vaticina Luís Dias. Se não for abatida, acabará por secar e morrer.

“Estas coisas incomodam muito. Quebram a confiança”, desabafa Luís Dias. Numa propriedade com centenas de hectares, quatro sobreiros parecem fazer pouca mossa. O empresário argumenta em sentido contrário. “Esta árvore que aqui está tem 40 ou 50 anos, mas não está assim por acaso. É preciso podar, conduzir a árvore… está aqui muito investimento.” E agora “está completamente inutilizada”.

Quem rouba cortiça “não são pessoas estranhas ao meio, são tiradores profissionais”, explica Pedro Silveira. A extração deste produto dos sobreiros é uma atividade que decorre durante dois ou três meses no verão. Os tiradores podem ganhar perto de cem euros por dia, pelo que o dirigente da ANSUB não acredita que os ladrões roubem por necessidade. “É um trabalho muito específico, é preciso ter know-how e é fisicamente muito exigente.”

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Luís Dias não vai conseguir salvar este sobreiro, que está todo lascado e golpeado (Fotografia: HUGO AMARAL/OBSERVADOR)

O valor pode parecer pequeno, mas o peso de 2% da cortiça nas exportações portuguesas significa que esta é uma das mais relevantes indústrias do país. Portugal assegura perto de metade da produção mundial deste produto, que é principalmente procurado pelo setor vinícola e cada vez mais pelos setores do vestuário e da construção, entre outros. “A indústria da cortiça reinventou-se completamente”, afirma Luís Dias, que sublinha que esta é das poucas indústrias nacionais sem desperdício. “Zero. Não vai nada para o lixo. Até o pó se aproveita.”

A cortiça extraída no Alentejo é vendida, ainda antes de ser tirada dos sobreiros, a empresas transformadoras que, geralmente, estão localizadas no Norte. A venda antecipada permite aos produtores obter melhores preços. Este ano, segundo os dados da União da Floresta Mediterrânica (UNAC), que agrega as associações florestais a sul do Tejo, o preço médio de uma arroba (cerca de 15 quilos) foi de 29,53 euros. É o valor mais alto dos últimos oito anos, em que o preço tem vindo sempre a subir.

Apesar disto, os produtores afiançam que não é fácil conseguir grandes rentabilidades deste negócio, até porque existem inúmeras normas e práticas obrigatórias que fazem subir os custos de produção. Em 2016, cada arroba de cortiça custou 4,19 euros a extrair. É também por esse motivo que empresários como Pedro Silveira e Luís Dias aproveitam os terrenos para a criação de gado, a caça e o turismo rural.

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O montado não é um negócio rentável por si só, alegam os produtores (Fotografia: HUGO AMARAL/OBSERVADOR)

Os roubos desequilibram o sistema. “Os recetadores andam pelo país a juntar cortiça de várias origens para vender à indústria”, diz Pedro Silveira, acrescentando que “uma vez tirada, é muito difícil dizer de onde a cortiça vem”.

Quem rouba fia-se nisso. E conta também com as dificuldades que os produtores têm em vigiar. “Este setor não aguenta uma estrutura de segurança privada”, diz Luís Dias, que tem algumas casas de turismo na herdade — o que, ainda assim, não desmotiva ladrões. Há alguns anos roubava-se cortiça das pilhas que se amontoam no fim das tiragens. Para contornar esse problema, os produtores passaram a pintar o material com riscas ou manchas às cores e alguns até colocam homens armados e cães junto aos montes. “Foi-se controlando o roubo das pilhas e começou a aparecer isto”, lamenta Luís Dias, que recorre a “alguns truques” para tentar minorar os danos.

“Isto é uma questão muito complicada”, diz o empresário agrícola, secundado por Pedro Silveira: “Não há grande hipótese de fazer mais do que isto, colocar gradeamentos”. Mas mesmo isso pode não ser muito eficaz.

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Um dos sobreiros de onde foi roubada cortiça e que vai ter de ser abatido (Fotografia: HUGO AMARAL/OBSERVADOR)

“Um esforço um bocadinho maior” para evitar roubos

No ano passado, a GNR lançou o Cortiça Segura, um programa do destacamento de Santiago do Cacém, que tem como objetivo “prevenir, detetar e reprimir” roubos deste produto, explica o tenente Luís Maciel. Os militares fazem patrulhas mais intensivas nas herdades de Grândola, Santiago do Cacém, Alcácer do Sal e Sines, os concelhos mais afetados do distrito. Além disso, acrescenta o responsável, há um reforço da investigação aos crimes.

Este ano, um dos resultados mais evidentes do esforço da GNR foi a operação do início de novembro. As autoridades fizeram 21 buscas e detiveram 13 pessoas, alegadamente envolvidas num esquema de furto e recetação de cortiça e fraude fiscal. Além das cinco toneladas de cortiça (que podem valer qualquer coisa como vinte mil euros), os militares encontraram ainda 30 toneladas de pinhas, 40 mil euros em dinheiro, documentos falsificados e armas.

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Uma das missões de Pedro Silveira, dirigente da ANSUB, é tentar influenciar as políticas florestais nacionais e europeias (Fotografia: HUGO AMARAL/OBSERVADOR)

Uma grande “pescaria” que pouco impressiona Luís Dias e Pedro Silveira. Os produtores sublinham que o trabalho da GNR é importante, mas queixam-se de que, frequentemente, não tem seguimento. Não é fácil fazer prova de um crime de furto de cortiça. “Estamos a estudar formas dissuasoras e também para identificar quem faz este tipo de coisas”, avança Luís Dias, sem querer especificar mais. “Mas isso não dispensa que haja do Ministério da Administração Interna e do Ministério das Finanças um esforço um bocadinho maior”, atira.

Enquanto dirigente da ANSUB, é aí que entra o trabalho de Pedro Silveira. A associação faz lobby junto dos governos e da União Europeia para melhorar as políticas florestais e planear os quadros comunitários de investimento. Neste momento, em que o Portugal 2020 ainda está longe de estar completo, Pedro Silveira já está a discutir o financiamento para os sete anos pós-2020. “As pessoas não têm muito bem noção de como a Europa tem peso neste setor. Sem os subsídios da comunidade europeia, isto aqui já tinha ido à viola”.

Verões compridos e muito quentes, chuva irregular, pragas, doenças e problemas nutricionais são as principais preocupações dos produtores de cortiça. Os roubos, assumem, não tiram o sono, mas o assunto não pode cair no esquecimento. “Não é uma coisa dramática, mas é muito chato”, diz Luís Dias.