Foi um Presidente menos interventivo do aquilo que se pretendia: no caso da morte de Ihor Homeniuk, alegadamente às mãos de inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Marcelo devia ter acelerado a atribuição de uma indemnização à família do cidadão ucraniano (é o que defendem 69% dos inquiridos na sondagem Observador/TVI/Pitagórica); devia ter contactado a família da vítima (na opinião de 59%); e devia ter exigido a demissão do ministro da Administração Interna (como assinalam outros 50%). Numa avaliação global, cerca de um em cada três portugueses (29%) considera que o Presidente da República protagonizou uma gestão negativa do processo.
Marcelo já foi confrontado com o facto de Eduardo Cabrita ainda se manter em funções, nove meses depois de o caso ter sido tornado público. Em entrevista à TVI, recusou a ideia de ter uma atitude mais branda com Eduardo Cabrita do que aquela que tinha assumido em relação à ex-ministra Constança Urbano de Sousa, depois dos incêndios de outubro de 2017, em que morreram mais de 40 pessoas (e já depois dos incêndios de junho, que vitimaram quase 70 pessoas). “A senhora ministra da Administração Interna pediu a exoneração, na altura. Não tenho conhecimento de pedido de exoneração nem proposta de exoneração do senhor ministro da Administração Interna”, disse o Presidente da República. Ou seja, se o atual MAI continua no Governo, isso acontece porque o primeiro-ministro o segurou. Ponto.
Foi precisamente isso que Eduardo Cabrita sublinhou, quando confrontado com a sua permanência em funções. “Tal como estou aqui porque o senhor primeiro-ministro entendeu nessa altura tão difícil [em outubro de 2017] pedir a minha contribuição nessas novas funções, também relativamente a esta matéria só o primeiro-ministro lhes poderá responder”, apontou o ministro, no início de dezembro. Nesse mesmo dia (11), já António Costa garantia que mantinha “total confiança” no seu antigo braço direito. Quebrando uma regra de ouro da governação — não comentar política interna quando está fora do país —, o primeiro-ministro abriu uma “exceção” para afastar “a menor das dúvidas” sobre o futuro do MAI na sua equipa. “Foi o ministro que fez o que lhe competia”, sublinhou Costa, em Bruxelas.
Mas as palavras do chefe de Estado à TVI, percebemos agora, não foram suficientes para metade dos inquiridos na sondagem Observador/TVI/Pitagórica. Mesmo depois de assegurar que falou “inúmeras vezes”, em privado, com o primeiro-ministro sobre este caso.
E o universo de defensores da saída de Cabrita só não vai além dos 50% porque boa parte dos eleitores que votaram PS nas últimas legislativas alinham com António Costa e acabam por também “segurar” o ministro da Administração Interna: são 54% dos inquiridos aqueles que consideram que Marcelo não devia ter forçado a saída de Cabrita do Governo. Em todos os outros inquiridos, a resposta é diametralmente oposta.
Entre aqueles que dizem ter votado Bloco de Esquerda em 2019, chega aos 66% o universo de inquiridos que preferiam ter visto o Presidente da República forçar essa demissão. No PSD são 63%. Na CDU há 56% de respostas nesse sentido. E no CDS também são mais de metade: 52% desejavam outro tipo de intervenção de Marcelo junto do primeiro-ministro. É, no fundo, o eleitorado socialista que “puxa” para baixo a resposta à pergunta “Marcelo devia ter exigido a demissão do ministro”, mantendo em 50% de posições a favor desse desfecho.
Do outro lado, são 42% os que defendem que, não, Marcelo não devia ter tido pulso mais firme neste caso. Outros 5% dizem que “não sabem” ainda qual a sua opinião a este respeito e 2% que, simplesmente, optam por não responder à questão.
Na análise por idades, percebemos que são os inquiridos mais novos (entre os 18 e os 44 anos) quem pretendia com mais clareza que Marcelo tivesse exigido a demissão de Eduardo Cabrita: 52% respondem nesse sentido. As gerações mais velhas (a partir dos 45 anos), não sendo acérrimas defensoras da continuação do ministro em funções, são menos expressivas na defesa da saída: 48% queriam uma mudança na pasta da Administração Interna.
Um Presidente pouco influente e uma indemnização tardia
Sensivelmente pela mesma altura em que Presidente e primeiro-ministro eram questionados sobre o futuro de Eduardo Cabrita no Governo, era tornada pública, pela voz da ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, a intenção do Estado de indemnizar a família do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk. Mais recentemente, essa intenção conheceu um valor: o “tratamento cruel, desumano e degradante” justifica os cerca de 834 mil euros, divididos entre a indemnização imediata e uma pensão para os dois filhos do casal, durante o tempo em que estiverem a estudar. Informações conhecidas nove meses após a morte: uma “boa decisão” do Governo, para a maioria (74%), mas que surge com demasiado tempo de atraso e que contou com uma influência insuficiente por parte de Marcelo.
É o que dizem 69% dos inquiridos, que queriam ter visto o Presidente da República ser mais interventivo nesta questão do processo. Uma posição que se reflete, sobretudo, nas respostas do eleitorado feminino (72% defendem que Marcelo devia ter exercido mais influência junto do Governo no sentido de encurtar este prazo), mas também, e mais uma vez, entre os eleitores do Bloco de Esquerda (78%), do PSD (75%) e do CDS (72%). Um pouco mais atrás, mas, ainda assim, muito alinhados com esta posição, surgem os eleitores que dizem ter votado CDU (67% queriam mais celeridade no processo por força da intervenção de Marcelo) e PS (63%).
São também as classes sociais mais desfavorecidas (média/baixa e baixa, com 72% e 73%) as que mais acusam a fraca participação do Presidente da República neste aspeto do processo que se desencadeou com a morte de Ihor Homeniuk. O que não significa uma validação da restante sociedade. As classes média, média/alta (69%) e alta (64%) também censuram a discrição de Marcelo neste ponto de todo este caso.
Houve ainda uma outra questão a pesar na forma como o Chefe de Estado geriu os acontecimentos pós-detenção de três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras por suspeitas de algum tipo de envolvimento na morte do cidadão ucraniano. Em concreto, o facto de Marcelo nunca ter pegado no telefone para contactar a família de Homeniuk para, pelo menos, uma palavra de conforto.
Essa mesma questão esteve em cima da mesa, numa das entrevistas que o recandidato às presidenciais de janeiro deu em dezembro. À SIC, e quando confrontado com esse silêncio, Marcelo justificou-se com o princípio (já verificado pelo Observador) de não ingerência em casos em que estejam em curso investigações criminais. O princípio (não tão universal) enunciado pelo Presidente da República foi este: “Não tomar posição sobre um processo judicial em curso para não me imiscuir” e para não “antecipar o julgamento dos tribunais”. “Entendi que não deveria abrir exceção e ligar para a Ucrânia”, disse nessa entrevista.
É um princípio presidencial que, neste caso, não colhe a aprovação dos eleitores. Uma clara maioria (59%) pedia, se não mais que isso, pelo menos um telefonema para os familiares de Ihor Homeniuk. Apenas 34% admitem que a não ingerência era o caminho correto a seguir.
Como a PJ reconstituiu o homicídio de Ihor a partir das imagens de videovigilância do SEF
Também aqui há uma frente unânime que desaprova a opção da primeira figura do Estado português: independentemente da idade, do género, da opção política ou da zona do país em que vivem, os inquiridos assumem, maioritariamente, que um telefonema era o mínimo que se exigia perante a situação. E voltam a ser mais expressivos nessa posição os eleitores do Bloco de Esquerda (66%), seguidos dos inquiridos que dizem ter votado CDU. Mulheres (62%), pessoas entre os 35 e os 44 anos, das classes sociais mais baixas (65%) e residentes nas ilhas (72%) e no Grande Porto (71%) merecem aqui um destaque particular.
Em suma: Marcelo não fica bem na fotografia. Devia ter exercido maior influência junto do Governo para acelerar a indemnização, devia ter tentado uma aproximação à família da vítima e devia ter forçado a demissão de Eduardo Cabrita.
Ficha técnica
Durante 6 semanas (10 Dezembro 2020 a 21 de Janeiro 2020 ) vai ser publicada pela TVI e pelo Observador uma sondagem em cada semana com uma amostra mínima de 626 entrevistas. Em cada semana a amostra corresponderá a 2 sub-amostras de 313 entrevistas. Uma das sub-amostras será recolhida na semana da publicação e a outra na semana anterior à da publicação. Cada sub-amostra será representativa do universo eleitoral português (não probabilístico) tendo por base os critérios de género, idade e região.
Semana 3 Publicação: O trabalho de campo decorreu entre os dias 17-20 e 22,23,26 e 27 Dezembro 20202. Foi recolhida uma amostra total de 629 entrevistas que para um grau de confiança de 95,5% corresponde a uma margem de erro máxima de ±4,0%. A seleção dos entrevistados foi realizada através de geração aleatória de números de “telemóvel” mantendo a proporção dos 3 principais operadores identificados pelo relatório da ANACOM, sempre que necessário são selecionados aleatoriamente números fixos para apoiar o cumprimento do plano amostral. As entrevistas são recolhidas através de entrevista telefónica (CATI – Computer Assisted Telephone Interviewing).
O estudo tem como objetivo avaliar a opinião dos eleitores Portugueses, sobre temas relacionados com as eleições, nomeadamente os principais protagonistas, os momentos da campanha bem como a intenção de voto nos vários partidos.
A taxa de resposta foi de 54,84% . A direção técnica do estudo é da responsabilidade de Rita Marques da Silva.
A taxa de abstenção na sondagem é de 55,9% a que correspondem os entrevistados que aquando do momento inicial se recusaram a responder à entrevista por não pretenderem votar nesta eleição.
A ficha técnica completa bem como todos os resultados foram disponibilizados junto da Entidade Reguladora da Comunicação Social, que os disponibilizará oportunamente para consulta online.