Índice
Índice
António Tânger Corrêa, candidato do Chega às eleições europeias, lançou recentemente um livro onde defende ideias que vão da teoria de que a “dramatização da pandemia foi feita para controlar a população” até à possibilidade de um “alarme misterioso” que teria feito com que judeus não fossem às Torres Gémeas trabalhar no dia do atentado do 11 de Setembro. Nesta entrevista ao Observador, fala sobre tudo isso e também sobre uma eventual candidatura de António Costa ao cargo de presidente do Conselho Europeu: “para já”, está afastado um apoio ao ex-primeiro-ministro, mas Tânger Corrêa quer deixar “portas abertas”. Sobre o conflito com o Presidente da República, lembra que Marcelo Rebelo de Sousa “tem qualidades, não tem só defeitos”, mas afirma: “Às vezes diz umas coisas pela frente e outras coisas por trás”.
[Veja aqui a entrevista de António Tânger Corrêa na íntegra]
“Operadores da Nova Ordem Mundial querem líder único para o planeta Terra”
Num livro que acaba de editar escreve o seguinte: “O assalto de que estamos a ser alvo por parte dos operadores da Nova Ordem Mundial no ocidente inclui a subserviência da população e a dependência das pessoas em relação ao sistema, utilizando políticas” que incluem “a imigração descontrolada e consequente substituição da população europeia por outra de obediência islâmica mais facilmente controlável”. Quer explicar-nos quem são “os operadores da Nova Ordem Mundial” que atuam desta forma?
Não é preciso procurar muito longe se virmos, por exemplo, as intervenções em Davos, no Fórum Económico Mundial, onde se quer um governo único, onde se quer um líder único para o planeta Terra, a “Nova Ordem”, o chamado “Great Reset”. Só que ainda não é uma realidade, é apenas uma intenção de ir nesse sentido.
Então não existem estas pessoas, é isso?
Existem as pessoas, claro. O que eu digo é que não existe a realidade, a realidade operacional. Ou seja, não existem estes poderes que se pretende obter.
Então, portanto, eles não fazem nada disto que diz no seu livro, é isso?
Fazem, fazem.
Então o que é que fazem? Juntam-se numa sala e depois como é que forçam os governos a tomar as medidas que eles decidem?
Não sei, porque eu nunca lá estive. Não sei se é numa sala, se é numa sala de jantar, não faço ideia. Nunca fiz parte de uma reunião dessas, mas é evidente que aquilo que se faz é uma reunião. O que sai cá para fora é claramente direcionado num sentido único e não é muito difícil de perceber o sentido único onde vai levar: regimes de carácter totalitário. E há vários operadores a nível de governos que, de uma maneira ou de outra, vão alinhando nessas linhas gerais.
Mas quem? Em Portugal, por exemplo.
Portugal é um exemplo fraquito. Os nossos governos têm pouco poder, são governos com uma capacidade muito reduzida de atuação. Mas se formos para França, por exemplo, temos Macron.
Macron está às ordens dos “operadores da nova ordem mundial”? Ou é um deles?
Não, não é isso. Macron era funcionário de Rothschild, não é?
Aí é?
Quer dizer, não é agora. Agora é Presidente de França. Mas até ser Presidente de França era membro das companhias Rothschild, sim.
E age a mando das companhias Rothschild?
Quer dizer, isto não é branco e preto, não é? É evidente que ele sabe onde é que as coisas irão parar, qual é o objetivo final desse tipo de atuação. Nem é preciso receber ordens, porque as pessoas sabem onde é que devem estar e como devem estar.
E as companhias Rothschild são um destes “operadores da nova ordem mundial”?
Não, Rothschild é um dos homens mais influentes no mundo.
“Os muçulmanos crentes são mais facilmente controláveis”
Uma das coisas que escreve é que haveria esta tal substituição da população europeia por outra de obediência islâmica, “mais facilmente controlável”. André Ventura disse na Assembleia da República que a imigração islâmica é um perigo para Portugal por causa do aumento da criminalidade. Afinal, os imigrantes islâmicos são um perigo ou são facilmente controláveis?
São coisas diferentes. Vivi no Brasil três vezes. Tenho um filho que é luso-brasileiro. Gosto muito da imigração brasileira. No entanto, nós sabemos que há grupos criminosos que vieram do Brasil para Portugal, nomeadamente a sul do Tejo, que aumentaram a criminalidade. A facilidade de controlo da população islâmica deriva do facto de a Sharia, portanto, a lei islâmica, estar acima de qualquer lei, seja ela constitucional ou de Direito comum. O que é que isto quer dizer na prática? Por definição, um bom muçulmano obedece ao seu imã e obedece ao que o imã diz relativamente à lei islâmica. Só na cidade de Londres há cerca de 100 tribunais de Sharia, relativamente integrados no sistema jurídico inglês. É uma espécie de justiça paralela que acho inaceitável e que é fácil dominar.
Mas são “controláveis” por quem?
Pelos imãs.
Então, mas não é pelos “operadores da Nova Ordem Mundial”?
Mas os imãs também são controlados.
Os “operadores da Nova Ordem Mundial” controlam os imãs, que controlam os imigrantes?
Bem, de uma forma simplista… Ou seja, os muçulmanos crentes são mais facilmente controláveis porque têm um sentido de obediência estrutural maior do que quem não tenha nenhuma crença.
Então não são um perigo.
Não, não são um perigo em termos… Não estou a dizer em termos de criminalidade. Estou a falar de uma organização social. Ou seja, a forma como os muçulmanos tratam, por exemplo, as mulheres é inaceitável. Vivi em países muçulmanos, sei bem do que estou a falar. Não é isso que nós queremos. Se queremos de alguma forma viver numa sociedade com defeitos e coisas boas que nós fomos querendo ao longo dos séculos, então temos que fazer uma opção por uns ou por outros. Nada disto é obviamente preto e branco. Não vou dizer que os muçulmanos são todos maus, porque não são. Aliás, tenho vários amigos que são muçulmanos. No Cairo, onde estive, que é um país islâmico, deixei lá e ainda tenho hoje muitos e bons amigos. Posso dizer que foi, de facto, dos postos onde estive que humanamente foi mais quente, mais caloroso e em que houve mais estreitas relações humanas da minha parte e da parte da minha família.
“Dramatização da pandemia foi feita para controlar a população”
Nessa mesma passagem do seu livro, diz que os tais “operadores da Nova Ordem Mundial” utilizam o “medo através da dramatização de pandemias, proibição de circulação e imposição de lockdowns”. Acha que, quando foi ministra, na altura da pandemia, Marta Temido foi um instrumento para aplicar medidas decididas por outros para criar subserviência na população?
Sem dúvida. Mas não critico Marta Temido. Pelo contrário, até tenho muita simpatia por ela. Ela estava era num sistema que a obrigava a fazer isso.
Acredita que houve uma dramatização da pandemia para efeitos de controlo da população?
Claramente. Não estou a dizer em Portugal, estou a dizer a nível global.
Em Portugal não houve?
Não, em Portugal não houve, não. As pessoas entraram em pânico, é evidente. Acho é que em Portugal não houve a intenção clara de utilizar o medo como arma.
Mas então onde é que houve? Quem é que orquestrou essa dramatização da pandemia para efeitos de controlo da população?
A Organização Mundial de Saúde e quem está por detrás da Organização Mundial de Saúde.
Com que objetivo, exatamente?
Controlar a população. Já tinha sido feito, não foi a primeira tentativa. Já tinha sido feito com a doença das vacas loucas, com a gripe das aves… Hillary Clinton estava a preparar, se tivesse sido eleita, uma campanha de medo do nuclear, já havia listas nos Estados Unidos para as pessoas serem integradas em grupos que fossem para os abrigos. Portanto, o que se passou foi que essas tentativas prévias a esta última pandemia foram ensaios gerais daquilo que foi a pandemia — que poderá ter sido também um outro ensaio geral. Todos os dias se ouve dizer que vem uma nova pandemia, o vírus x, o vírus y, o vírus z, que é como quem diz: “Ponham-se a pau”.
“Judeus podem ter sido avisados do 11 de Setembro”
No seu livro, escreve que chegou a Israel, como diplomata, uma semana antes do 11 de Setembro de 2001. Diz que logo depois do atentado às Torres Gémeas se esperava um número grande de judeus entre as vítimas, mas que no final os números foram muito inferiores, porque, vou citá-lo, “nesse dia menos pessoas do que o habitual tinham comparecido ao emprego”. E acrescenta: “Terá sido talvez um alarme misterioso”. O que é que quer dizer com isto?
Quando cheguei a Israel, uma semana antes, estava muito cru. Era amigo do Shimon Peres, que era ministro dos Negócios Estrangeiros, com quem contactei imediatamente, e tinha dois ou três colegas, embaixadores de outros países que tinham estado comigo já noutros postos. Todos eles disseram que corria o boato de que ia haver uma coisa em grande nos Estados Unidos. Efetivamente, quando se dá o atentado, os jornais israelitas não esperaram pelo dia seguinte para dizer ‘cálculo do número de mortos = x’. Coincidia quase com o número de mortos de israelitas desde a criação do Estado de Israel. Depois, à medida que o tempo foi passando, chegou-se à conclusão de que o número de mortos era muito menor. Agora, se houve aviso ou não houve aviso, fica a dúvida no ar.
Mas acredita que houve um aviso através de via diplomática, por exemplo?
Não, via diplomática não.
Um aviso para que as pessoas não aparecessem no trabalho naquele dia?
Às vezes, as coisas são passadas de uma forma tão subtil, tão fora dos esquemas normais de comunicação… Tive vários outros exemplos na minha vida, que realmente não se dá pela passagem de informação, mas ela passa.
Portanto: os judeus foram avisados para não irem trabalhar naquele dia?
Podem ter sido, digo eu. Não garanto, porque não ouvi nada desses avisos. Agora, o que é facto é que estavam menos pessoas a trabalhar nas Twin Towers, que, como sabe, eram um local onde muitos judeus [trabalhavam].
Eram só menos judeus que estavam a trabalhar nesse dia?
90% ou 85% das pessoas que trabalhavam naquelas Twin Towers eram judeus.
Eram? Viu esse número?
Sim, os números divulgados na imprensa israelita na altura. 80 e tal por cento, sim.
E foram avisados para não ir trabalhar?
Não sei.
De alguma forma “misteriosa”?
Não estou a afirmar que foram avisados. Estou a dizer que é uma possibilidade.
E acredita que as autoridades norte-americanas sabiam e não acautelaram?
Não acredito. Não, os americanos nessas coisas são muito lineares. Talvez tenha sido um conjunto de circunstâncias. Mas sabe que estas coisas acontecem no mundo.
“Família europeia? Não vou garantir aqui se vou mudar ou não”
O Chega faz parte da família europeia ID, Identidade e Democracia. Gostávamos de perceber se se sente à vontade nesse grupo. Um dos partidos que o integram é a Liga italiana. O cabeça de lista da Liga às europeias, que fará parte do seu grupo, afirmou que as pessoas LGBT+ não são “normais”. Defendeu também que uma campeã italiana de voleibol que tem pais nigerianos não é “plenamente italiana” porque, vou citá-lo, “é evidente que os seus traços físicos não representam a italianidade”. Concorda com alguma destas ideias?
Não. Mas não tenho que concordar. Toda a minha vida fui um diplomata. Vivi em vários países, com vários regimes e com várias situações diferentes. Para mim, seria impensável pronunciar esse tipo de considerações. Considero-me um democrata e considero-me uma pessoa livre.
Como é que classifica exatamente estas declarações?
Obviamente que são declarações racistas, não tenho dúvidas nisso. Fazemos parte do ID, sim. Vamos ver quais vão ser os resultados nas próximas eleições e qual vai ser a constituição das várias famílias políticas. Sou a favor da negociação. Quando existem grupos que têm semelhanças, sou a favor de que esses grupos negociem a direção do voto, mas também algo mais do que isso, de forma a que as bases, eu não diria ideológicas, mas as bases funcionais sejam as mesmas. Isso é uma coisa. Uma outra coisa é que cada país tem as suas idiossincrasias.
Portanto, as declarações são aceitáveis à luz do contexto italiano.
Não, não, não acho. Mas gostaria de deixar bem claro que há diferenças entre os partidos que integram as mesmas famílias políticas derivadas do contexto em que estão. Não estou a dizer que seja aceitável na Itália, uma sociedade bastante aberta e bastante livre. Nem sabia dessas declarações.
Mas sente-se perfeitamente confortável, então, de fazer parte de uma família europeia que tem este tipo de protagonistas?
Como vos digo: vamos ver quais são os resultados eleitorais e como nos vamos sentir em Bruxelas. A minha lista é constituída por elementos extremamente capazes. Estamos preparados para entabular negociações.
O que nos está a tentar dizer é que podem não se sentir bem e abandonar o ID? Há essa possibilidade?
Isto aqui não é como ter gripe ou não ter, quer dizer. Acho é que a evolução a nível europeu dos vários partidos e mesmo da composição do próximo Parlamento Europeu vão ditar algumas mudanças. Não vou garantir aqui se vou mudar ou não, até porque neste momento não sei qual vai ser a realidade que vou encontrar.
Acha que o Chega se sentiria melhor nos Conservadores do que na ID?
Não posso dizer isso porque nós estamos na ID.
Outra protagonista que faz parte do ID é Marine Le Pen, que defende o fim da União Europeia, dizendo que a UE deveria ser substituída por uma Europa das Nações, que recuperasse a soberania delegada em Bruxelas. Concorda com esse plano?
Concordo com basicamente o que está a surgir. No fundo, a União Europeia deve ser um conjunto de nações soberanas e não uma organização federal. Como sabe, o Chega defende uma Europa das Nações. Nós somos a favor da União Europeia. Sou a favor da União Europeia, claramente. Se não fosse, não estava aqui, não era candidato.
Tiago Moreira de Sá, seu número dois, defendeu durante as eleições presidenciais francesas que uma vitória de Le Pen seria uma má notícia para a Europa e para o projeto europeu. Sente-se confortável em ter na sua lista alguém que é profundamente crítico de uma aliada estratégica do Chega na Europa?
Eu não sei se ele é ou era. Agora, sinto-me muito bem com o Tiago Moreira de Sá. Somos amigos.
Mas ele mudou de ideias?
Não sei, tem que lhe perguntar a ele.
Procurou saber se ele mudou de opinião durante estes tempos, ou não é relevante?
Temos falado, estamos a acabar de elaborar o programa do Chega para as eleições europeias. E não temos tido qualquer divergência relativamente ao conteúdo programático. Pode ter a certeza de que estamos todos juntos.
Outro partido que faz parte do seu grupo é o Alternativa para a Alemanha. O líder do AfD criticou a União Europeia por ser aquilo a que ele chamou um “sorvedouro orçamental” dos contribuintes alemães. Concorda que a Alemanha devia contribuir com menos dinheiro para países como Portugal?
Não sou alemão.
Mas concorda que a Alemanha devia contribuir menos?
Não, acho que não. Sou português. Portanto, se a Alemanha contribuir menos e nós recebermos menos, não concordo.
“A União Europeia paga tanta coisa, também pode pagar pensões”
No livro que acabou de editar escreve que temos uma “política de mão estendida” relativamente a Bruxelas. Acha que Portugal devia deixar de receber tanto dinheiro da União Europeia?
Não, não, não. O termo “política de mão estendida” é sobre subserviência. Acho que não temos que receber menos dinheiro. Mas temos que ter uma política mais proativa na União Europeia, fazer valer também os nossos pontos de vista. Não tem a ver só com a parte financeira, tem a ver com a parte em que, como nós estamos, como nós nos encontramos e qual a nossa participação na própria condição da União Europeia.
André Ventura defendeu que o aumento das pensões em Portugal devia ser feito usando fundos europeus. Isso não é prolongar aquilo que chama uma “política de mãos estendidas”?
Não. Somos cidadãos europeus, não é? A política de mãos estendidas é quando vêm dinheiros e depois não se sabe bem onde é que eles vão parar.
Então concorda que a equivalência das pensões ao salário mínimo devia ser paga por fundos europeus?
Acho que André Ventura disse isso de uma forma teórica. Esse assunto não foi estudado a fundo. Vamos estudar e vamos ver se é possível ou não. Pode não ser possível, não sei. A União Europeia paga tanta coisa, também pode pagar isso, não é? É o bem-estar dos cidadãos da União Europeia.
Mas teriam de pagar a todos os países, não é?
Depende dos sistemas sociais. Porque os sistemas da Segurança Social são diferentes de país para país. Portanto, nós temos um sistema de Segurança Social de um modelo um bocado diferente. E, por outro lado, temos as pensões mais baixas da União Europeia, como sabe, no limiar da pobreza, e isso causa grandes problemas.
“A partir do momento que houve a invasão, a Rússia perdeu a razão toda”
A Ucrânia deve fazer parte da União Europeia?
Acredito que sim.
Mas tem sido muito crítico do governo ucraniano. Chegou a partilhar um texto nas redes sociais onde dizia que a Ucrânia se apoiou, vou citar, em “confessados nazis, como os membros do Batalhão de Azov”. Um país que se apoia em nazis, como disse, deve fazer parte da UE?
Eu não escrevi isso.
Partilhou um texto onde se dizia isto, não foi? Não se lembra?
Por acaso não me lembro. Tenho muito cuidado, até porque é um discurso de que não gosto. Agora, efetivamente, o Batalhão Azov não era respeitável, e tanto não era, que já desapareceu. Foram os próprios ucranianos que lentamente desfizeram o Batalhão Azov.
E a Rússia tem razões de queixa em relação ao que se passa na Ucrânia?
Neste momento, não tem razões de queixa nenhuma.
Mas já teve?
Eventualmente. Se antes disto tudo considerasse que as minorias russas não eram tratadas de acordo com aquilo que a Rússia queria, talvez. Não conheço essa região tão bem como conheço outras. Mas, a partir do momento que houve a invasão, a Rússia perdeu a razão toda.
Acha que a União Europeia e Portugal, naturalmente, deviam continuar a financiar o esforço de guerra ucraniana?
Acho que sim. Por um lado, do ponto de vista moral e ético, acho que sim. Do ponto de vista do diplomata, há uma coisa que me preocupa neste processo. Qual é a primeira preocupação de um diplomata, qualquer que ele seja? Evitar o conflito. Não foi possível. E a segunda preocupação do diplomata é acabar com o conflito. E aquilo que me está a causar alguma mágoa, alguma tristeza, é que de facto não vejo esforços de negociações para acabar com o conflito. É um conflito que já dura há muito tempo. Não sei se há vencedores e vencidos, com toda a franqueza. O que é facto é que qualquer conflito em que se perdem vidas humanas é um mau conflito.
As sanções à Rússia foram mal aplicadas ou simplesmente não surtiram efeito?
Basicamente não surtiram efeito por uma razão muito simples: nós vivemos na Europa, vivemos numa bolha; e, entretanto, a Rússia virou-se para o outro lado, para a China, para a Índia, para o Brasil, para outros países que juntos têm três vezes o PIB da Europa.
Acredita ou não que deve haver um esforço de apoio à Ucrânia?
Sim. Se não houver um esforço de apoio, perde-se a capacidade negocial. É tão simples quanto isso. Ou seja, só tem capacidade negocial quem tem força negocial. Portanto, é preciso apoiar a Ucrânia para que a Ucrânia tenha capacidade negocial.
O seu número dois, Tiago Moreira de Sá, escreveu que os Estados Unidos e a Europa têm de ir muito mais longe para dotar a Ucrânia do poder militar suficiente para forçar a Rússia a negociar. Concorda com esta afirmação?
Concordaria se a Europa tivesse algum poder militar. Nós esvaziámos a Europa de poder militar.
Então este esforço é inconsequente?
Os paióis europeus estão vazios. Que forças é que nós temos na Europa neste momento que pudessem usar os ucranianos? Quase nada.
Admite uma situação em que Portugal enviasse militares para o terreno na Ucrânia?
Mas quais militares? Se nós temos um problema em formar uma companhia para ir para a República Centro-Africana ou para ir para a Roménia, íamos mandar quem? Não temos.
André Ventura, em entrevista à CNN, admitiu um cenário em que Portugal podia enviar tropas em caso de extrema necessidade.
Sim, mas nós não temos… A nossa capacidade ofensiva neste momento está reduzida a algumas forças especiais. Tropas de combate nós praticamente já não temos.
Mas acredita que os vários membros da União Europeia devem enviar tropas para a Ucrânia?
Neste momento, não. Numa fase posterior, eventualmente.
“Não ficar em primeiro lugar não é uma derrota”
André Ventura já assumiu que o objetivo do Chega é vencer as eleições europeias. Todos os resultados que não o primeiro lugar podem ser considerados uma derrota?
Não. Sabe aquela máxima olímpica segundo a qual “o importante não é ganhar, é participar”? Como fui atleta olímpico, guio-me por essa máxima. Não obstante, fico sempre furioso quando não ganho.
Mas a justificação de André Ventura é que, agora que terminou o bipartidarismo em Portugal, o Chega tem de se colocar como um vencedor e que as europeias devem ser o ponto de partida para uma primeira vitória. Não está de acordo?
Não estou de acordo. Estou de acordo que pode acontecer.
Não está de acordo é que seria uma derrota não ganhar?
Exatamente. Ou seja, porque nós partimos de um terceiro lugar que é terceiro lugar. Não estamos exatamente equilibrados como estão o PS e a AD.
André Ventura está a colocar a fasquia demasiado elevada?
Está a colocar a fasquia onde acha que deve estar. Vamos trabalhar para isso. Não considero que seja uma derrota se não ganharmos estas eleições.
Então é como o PCP: nunca tem derrotas.
Derrota será se nós tivermos menos percentagem. Ter uma percentagem menor acho que já é mais complicado.
Menor do que nas legislativas?
Sim. Se tiver uma percentagem menor do que nas legislativas será uma derrota.
Quantos eurodeputados é que o Chega pretende eleger?
Pois, não faço ideia. Acho que seria normal elegermos quatro. Cinco seria bom. Seis seria excelente.
Diogo Pacheco Amorim disse numa entrevista ao Observador que João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, pode retirar mais votos ao Chega do que Sebastião Bugalho. Concorda?
Não. Mas o Chega é um partido democrático. Ele tem a opinião dele, eu tenho a minha.
Então Sebastião Bugalho não foi uma má escolha da AD para combater o Chega?
Não comento as escolhas dos outros partidos. Eu acho é que se se fazem escolhas para combater o Chega, já temos uma vitória.
Mas entre Sebastião Bugalho e João Cotrim Figueiredo, qual dele podes roubar mais votos?
Nem um nem outro. Quem pode roubar votos ao Chega é a abstenção. Só.
“Para já, não apoiamos a nomeação de Costa para o Conselho Europeu. Mas temos que deixar portas abertas”
Tem-se falado muito da possibilidade de António Costa poder vir a ser um candidato a um cargo europeu, nomeadamente a Presidente do Conselho Europeu. Admite apoiar essa candidatura?
Não.
Em circunstância nenhuma?
Não.
É-lhe indiferente ser um português ou, por exemplo, um espanhol a ficar nesse cargo?
Espanhol já não é indiferente, agora se não for espanhol é um bocado indiferente. Por exemplo, sou amigo do José Manuel Durão Barroso, e não quer dizer que concordo com tudo o que ele faz na vida, mas devo dizer que o Jacques Delors, por exemplo, fez mais por Portugal quando foi presidente da Comissão Europeia do que José Manuel Durão Barroso.
Mas André Ventura, numa entrevista no Observador, disse esta frase: “Sempre que há portugueses envolvidos, nós devíamos priorizar isso.” Afinal, qual é a posição que o Chega vai defender em Bruxelas? É a de André Ventura ou é a sua?
O André Ventura está alinhado. Nós não apoiamos a nomeação de Costa para o Conselho Europeu.
Não foi bem isso que ele disse na entrevista que nos deu.
Mas, neste momento, é assim.
Já o convenceu?
Até gosto de António Costa, conheço-o há muitos anos, ainda ele não era praticamente ninguém. Também vou dizer uma coisa: não sei quem são os outros candidatos e isso irá pesar também na nossa decisão.
Mas irá pesar ou já decidiu que António Costa nunca?
Para já, decidimos que não. Agora, dependendo de quem são os candidatos e do que António Costa possa…
Para já não, depois logo se vê. É isso?
Mais ou menos, porque nós temos que deixar sempre portas abertas, não é verdade?
“Marcelo às vezes diz umas coisas pela frente e outras coisas por trás”
Acha que Marcelo Rebelo de Sousa cometeu o crime de traição à pátria quando falou sobre a hipótese de reparações às antigas colónias?
Do ponto de vista ético e do ponto de vista moral, sim. Não vou dizer do ponto de vista jurídico, porque não tenho preparação suficiente para lhe dizer se juridicamente ele cometeu algum crime que seja enquadrado em algum preceito legal. Nesse aspeto não me vou pronunciar. Do ponto de vista ético e do ponto de vista moral, sim.
Já esteve em audiências em Belém com o Presidente da República. André Ventura disse no Observador que Marcelo Rebelo de Sousa é outra pessoa fora e dentro do Palácio. Concorda?
Conheço o Marcelo Rebelo de Sousa desde os tempos da faculdade. Portanto, é muito mais tempo fora do Palácio de Belém do que dentro do Palácio de Belém, como deve imaginar. O Marcelo Rebelo de Sousa tem a sua personalidade, às vezes diz umas coisas pela frente e outras coisas por trás, mas isso é da maneira de ser dele.
Tem um tom ligeiramente diferente para se referir ao Presidente da República do que André Ventura. Estão exatamente alinhados nessa questão ou acha que o Chega está a levar demasiado longe este processo contra Marcelo Rebelo de Sousa?
Não, isso não está.
Já manifestou dúvidas.
Sobre a parte jurídica, mas isso é por incapacidade minha.
O próprio André Ventura admitiu ter dúvidas. Mas acha que o Chega está a levar demasiado longe esta ofensiva?
Isso é uma decisão do André Ventura. Não está em cima da mesa não concordar, o próprio grupo parlamentar concordou.
“Tive alguma pena de Milosevic”
Mas pode não concordar com André Ventura, não?
Posso, mas não neste caso. Sou um humanista puro, sempre fui, e conheço o Marcelo há muitos anos e também tem qualidades, não tem só defeitos. Aliás, se lerem o livro, a não ser só estas partes que citaram, vão ver que eu tive simpatia, por exemplo, alguma simpatia por figuras como Milosevic, que era uma pessoa que me chocou, que era completamente pró-americano e foram os americanos que lhe fizeram a cama. Ele, como pessoa, não era má pessoa. A mulher não é a mesma coisa, as mulheres são uma coisa complicada. Portanto, a mulher dele é que era muito complicada.
Mas disse “a mulher” ou “as mulheres”? Não percebi.
Não, não. Estava a brincar. Mas a mulher dele teve 1%, criou um partido onde estavam todos os empresários da Sérvia. Deve imaginar como é que era. Ela e o filho é que geriam e foi isso que o fez perder. Um bocadinho à semelhança, sem diabolizar as mulheres, do que se passou com o Mubarak e a família, mulher e os filhos também. Foi um processo muito parecido.
Porque está fazer referência ao “sem diabolizar as mulheres”?
As mulheres foram a perda deles, basicamente, a conduta delas.
Sabe que Milosevic foi acusado de crimes de genocídio, crimes de guerra.
Sei, mas…
Acha que era boa pessoa?
Não, não é isso. A maior parte daquilo, ele nem sabia. Já falei depois com alguns juízes do Tribunal de Haia e tudo e eles têm a mesma convicção.
Acha que Milosevic não se apercebeu de nada do que estava a passar?
Não se teria apercebido era da extensão daquilo que se estava a passar.
Achava só que estavam a ser mortas menos pessoas, é isso?
Eventualmente. E também estavam a ser mortos sérvios também. Guerra é guerra, não é? Infelizmente. Mas quando digo isso é só para dizer que, do ponto de vista humano, tive alguma pena do homem. Mas não quer dizer que não tivesse que cair. É evidente. Porque o percurso dele foi todo um erro.
“Sou a favor do serviço militar obrigatório”
Um dos temas que tem sido discutido em Portugal é o eventual regresso do serviço militar obrigatório. Seria a favor desta opção?
Seria sim.
E tem alguma ideia de como é que esse serviço militar obrigatório funcionaria?
Quando digo que sim não me estou a referir a um serviço militar à antiga. Estou-me a referir a um serviço militar mais moderno, em que existe maior serviço comunitário, existe uma maior interligação com as populações, não obstante o treino militar, que acho importante que tenham, até por uma questão de disciplina moral e disciplina física. Mas ser um serviço militar com uma orientação mais moderna e mais virada à população. Por exemplo, ajudar nas florestas, ajudar nas limpezas que são precisas fazer, ajudar os cidadãos a nível de proteção civil. Portanto, dar um maior corpo a todos esses serviços comunitários.
Todos os jovens, a partir dos 18 anos, teriam de fazer o serviço militar obrigatório?
Sim, obrigatório. Agora, não seriam três anos de serviço militar.
Seria quanto tempo?
Não sei. Ainda não estudei exatamente quanto tempo, mas diria que entre oito e dez meses, que é o que alguns países têm. Entre oito e dez meses e fariam quatro meses de recruta e os outros quatro de serviço cívico ou de Proteção Civil.
Nuno Melo, que já foi ouvido no Parlamento, disse que não apresentou nenhuma medida e que foi alvo de interpretações delirantes e apenas emitiu uma opinião relativamente à questão de ter jovens delinquentes nas Forças Armadas. É absurdo ter jovens delinquentes nas Forças Armadas?
É completamente absurdo e uma pessoa que é ministro não se pode comportar de manhã como alguém que tem uma mera opinião pessoal e à tarde ser ministro da Defesa. Portanto, quando Nuno Melo abre a boca, abre a boca como ministro.
“Imigração controlada? Não é preciso mudar lei, só aplicar o que existe”
O Chega tem falado muito de imigração e já disse que vai falar muito de imigração. Acha que Portugal deve impor restrições consoante os países de origem ou consoante as qualificações dos imigrantes, como por exemplo faz o Canadá?
Durante 40 e tal anos dei vistos, a minha vida toda foi ligada a esta matéria. Para mim, o ponto número um obviamente são as qualificações. Mas nós temos lei, nós somos parte dos acordos de Schengen, somos fundadores de Schengen, portanto, Schengen é legislação interna portuguesa, que não está a ser cumprida e que bastava que fosse cumprida. Quando estava num consulado ou numa embaixada, tínhamos requisitos para contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho daqui, uma garantia de haver um alojamento… Fui à igreja dos Anjos, que é uma coisa que do ponto de vista humano é absolutamente sinistra e indescritível. Temos de ter a certeza de que esses imigrantes que vêm têm trabalho, têm habitação digna e têm um tratamento condigno. Fundamental. Não é preciso mudar lei, não é preciso nada, é só aplicar o que existe, basicamente.
O ponto é os imigrantes que entram em Portugal terem as qualificações de que o país precisa e terem condições para terem uma vida digna. A questão do país de origem, para si, não se coloca?
Não, não, não. É evidente que nós temos uma relação de proximidade com os países de língua oficial portuguesa, não vamos negar o óbvio. E é evidente também que uma parte deles tem família aqui, portanto, integrar-se-iam muito bem. Não podemos é trazê-los todos, porque senão o país afunda. Agora, é evidente que essa relação não pode ser menosprezada. Nem alterada negativamente. Já me referi aqui à imigração brasileira, por exemplo, nem me estou a referir à recente, um bocadinho mais antiga. Como os ucranianos, os romanos, os moldavos, toda essa imigração, que já tem largos anos cá em Portugal — tem sido uma imigração muitíssimo positiva.
E qual é que tem sido negativa?
Imigração negativa é termos pessoas a dormir na rua, é termos pessoas a dormir debaixo das pontes.
Portanto, não partilha da opinião de algumas pessoas no Chega que dizem que a imigração que vem daquilo a que se chama o Indostão traz problemas para Portugal?
Na minha opinião, quem vem para Portugal tem que se integrar. Como fizeram os nossos emigrantes quando saíram de Portugal. Se não se integrarem, é melhor não virem.
Mas não tem a ver necessariamente com o país de origem?
Civilizacionalmente pode ter, quer se queira, quer não.
Mas pode ou deve ter? É que André Ventura fala repetidamente na questão da origem dos imigrantes como sendo um critério.
Pode ter, é evidente que se vierem para cá criar, como está a acontecer, núcleos como no Martim Moniz, em que a própria Mesquita de Lisboa, a clássica, tem problemas com eles, torna-se complicado. Agora, se isso não acontecer, se houver uma integração, se houver uma relação de inclusividade, sim.