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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Uma noite na Rua da Oura entre turistas, polícia e muito álcool

Os distúrbios de domingo, com centenas de turistas britânicos, colocaram Albufeira no mapa. Os problemas, dizem os empresários, não são novos. Reportagem na rua dos bares, onde não se fala português.

É uma espécie de Las Vegas meets Disneylândia, não sem antes passar pelo Carnaval de Torres Vedras — para bêbedos. A quantidade de néons a piscar é imprópria para epiléticos, há réplicas da estátua da liberdade, várias referências à route 66, ecrãs gigantes estilo engodo, a mostrar para fora o que se passa dentro dos sítios, um touro mecânico, jogos de força (paga 10 euros, ganha 100, só tem de ficar 110 segundos pendurado neste varão), e uma quantidade incomensurável de adultos mascarados — ou quase nus, como o inglês quarentão que se passeia de fralda e coleira sadomaso ao pescoço, ou um outro, também inglês, aparentemente mais novo, que escolheu sair de casa de boxers de lycra brancos bem justos e top a condizer, dez tamanhos abaixo do seu, e nada mais.

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O número de bares a funcionar nos escassos 550 metros que perfazem a rua, dividida a meio por um cruzamento que leva ao Libertos Club, onde no passado domingo começaram os desacatos com centenas de turistas ingleses de que resultaram pelo menos dois feridos e uma série de balas de borracha disparadas para o ar, podia ser forte concorrente ao recorde do Guinness na categoria, se a houvesse. Não existindo, ajuda pelo menos a que, com os preços baixos e as borlas que oferecem a maior parte dos estabelecimentos (um shot grátis com a primeira bebida é o normal), muita gente se “divirta” ali demais.

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São 22h15. Na rua a que se convencionou chamar da Oura, em Albufeira, porque é perto da praia com o mesmo nome (mas que na toponímia do concelho vem inscrita como Avenida Doutor Francisco Sá Carneiro), ainda há muitos turistas a jantar, a comer gelados ou a passar revista às lojas de artesanato, chinelos e biquínis. Há casais, sobretudo de portugueses, a passear com os filhos pequenos, em carrinhos de bebé ou pela mão. Até a perfumaria está aberta e em pleno funcionamento, com uma manicura sósia da fadista Marisa a atender uma cliente no respetivo corner de nails.

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Mesmo ao lado, na esplanada de um restaurante de kebabs, um homem louro, bem vestido, de jeans, camisa azul e ténis adidas, luta sozinho para se levantar do chão e ficar pelo menos de joelhos. Não consegue fixar o olhar, tomba uma e outra vez, acaba por desistir, perdido, deitado no chão de barriga para cima e de olhos fechados. Os donos do estabelecimento, impávidos, continuam a conversar, pessoas param para ver, com as crianças ao lado: “Que horror, este já está bêbedo”.

É o normal, “andam todos assim”, desabafará a seguir a artista que pinta quadros de paisagens no passeio, e que por pouco não levou com o homem em cima, quando finalmente se conseguiu levantar e, cambaleante, tentou seguir caminho apenas para cair meio metro à frente e bater violentamente com a nuca na calçada.

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Serão 22h30 quando chamamos o 112 e pedimos ajuda. William — conseguirá dizer o nome –, 23 anos (ou 24 ou 25, nunca responde o mesmo), foi deixado sozinho pelos amigos. Não tem carteira nem telemóvel nem forma de voltar para casa, a “20 minutos de distância”. Inglês, mas a viver no Algarve com os pais, fala português: “O que é que bebi? Tudo”. Não quer nem ouvir a palavra hospital, mas quando a ambulância do INEM chega, ao mesmo tempo que um dos amigos que afinal só tinha ido buscar a carteira perdida no bar anterior, ainda diz que quer ir com os bombeiros. “Deixaste-me aqui! Não queres saber!”

Acaba por se deixar examinar mas, convencido pelo amigo, que entretanto o esbofeteou umas vezes, na tentativa de o pôr sóbrio, lá decide que vai ficar na Oura. Soletra o primeiro e o último nome para que a prestação de socorro fique registada, faz uns gatafunhos numa folha oficial à laia de assinatura. “Não podemos levar ninguém contra vontade, ele está consciente, respondeu às nossas perguntas, não podemos fazer mais nada. Ainda havemos de voltar para o vir buscar. Infelizmente é o turismo que temos”, justifica um dos bombeiros. “Passamos as noites nisto, quando não é álcool é um que se cortou, outro que se magoou…”

O que aconteceu no passado domingo no Libertos, com uma rixa a estalar dentro do bar onde decorria uma White Party para várias centenas de turistas britânicos em Albufeira, num programa de 7 dias com tudo incluído por 677 euros (“Portugal Invasion” era o nome do pacote), não é habitual.

Quem o garante ao Observador é o próprio Liberto Mealha: “Estamos aqui há mais de 30 anos, isto aconteceu uma vez. Estou sempre atento, temos porteiro à porta, bêbedos ou todos nus não entram. Estava tudo a correr bem, a festa estava cheia de gente gira e bem vestida, agora basta virem três ou quatro maus e está tudo estragado. Há coisas que é difícil controlar, quando a confusão começou eu parecia uma bola de pingue pongue no meio deles”.

“Deviam ser 2h30 quando começou, um tipo estava com duas garrafas de Moet & Chandon, uma em cada mão, e começou a agitar aquilo e a molhar toda gente. Houve um que não gostou e deu-lhe logo um murro, a partir daí começou tudo à pancada”, descreve o proprietário de outro bar, na Rua da Oura. “Depois veio o corpo de intervenção da GNR e começou a bater em toda a gente, empurrou as pessoas para a rua, que fugiram para a parte de cima da rua. Houve uma série de disparos de balas de borracha. Nos dias a seguir estavam aí com cavalos e cães, obrigaram alguns bares a fechar mais cedo, as pessoas mais velhas, mais conscienciosas, foram-se embora. Isto está a ser mau para o negócio”, lamenta o empresário da noite.

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Apesar da raridade dos distúrbios de domingo, só comparáveis ao que aconteceu em junho de 2004, durante o Euro, em que pelo menos 8 pessoas ficaram feridas e 33 cidadãos britânicos (e um holandês) foram detidos, depois de duas noites de confrontos com a GNR, quase todos os proprietários da rua concordam que a zona tem problemas — e não é de agora.

Vítor Barão, desde 1986 à frente do único café tipicamente português que ainda ali resiste, diz que as chatices começaram há cerca de dez anos e que na base estará o tipo de turismo que Albufeira atrai: “Era como se mandássemos 300 tipos dos piores bairros de Portugal passar férias a Inglaterra. Estamos a ficar com muito má imagem. À sexta e ao sábado anda para aí tudo nu, já os vi a eles sem roupa, só com uma corda à volta da cintura, e elas todas contentes a puxarem-nos, como se fosse uma trela. Se fizéssemos como em Espanha, em que quem é apanhado nu na rua paga 600 euros, agora aqui não lhes acontece nada…”.

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O proprietário de outro bar aponta um outro problema: o preço reduzido das bebidas (há pints de cerveja a 3 euros e doses de gin, vodca, whisky e bacardi a 2,5) e a oferta cada vez maior de pacotes tudo incluído — tanto a Região de Turismo do Algarve como a AHETA, maior associação hoteleira da região, já solicitaram a subida dos preços praticados na zona, numa tentativa de redução da quota de turistas problemáticos.

“Por um lado, as bebidas são baratas e as doses demasiado bem servidas, que as pessoas que trabalham aí nos bares não têm experiência nenhuma e carregam no álcool. Por outro, há aí uma série de hotéis que fazem o tudo incluído, quando eles saem de lá já vêm bêbedos. Depois há outra coisa: nós não recebemos aqui os ingleses de Londres que têm dinheiro, esses vão para Ibiza, recebemos os montanheiros, que estão habituados a ir para o pub e a embebedarem-se até às 23h00, que depois fecha. E é isso que eles fazem aqui, a essa hora já querem estar todos bêbedos”, contextualiza o empresário.

Já passa dessa hora quando outra ambulância chega à Oura, mais uma vez para acorrer a um caso de embriaguez extrema, desta vez duma rapariga, vinte e poucos anos, que já não ergue a cabeça da mesa da gelataria artesanal onde se encostou. Está com uma amiga, segue com os bombeiros para o hospital, fim de história — pelo menos até à próxima chamada para o 112.

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Indiferentes à bebedeira alheia, grande parte dos turistas na rua continua a saltar de bar em bar. A maior parte são ingleses — é o idioma oficial da Oura –, mas também há um grupo de 86 estudantes holandeses, entre os 18 e os 20 anos, ordeiros e bem comportados, basta seguir a bandeira gigante das guias que os orientam na rua para saber onde estão. “Os holandeses portam-se melhor”, garante o representante de uma bebida energética, à porta de um bar onde quem consegue descolar os pés do chão, pegajoso de bebida entornada e entretanto seca, está a dar tudo na coreografia da Macarena. “Numa noite no Algarve devem cometer-se mais loucuras do que no resto do país o ano inteiro.”

Pelo menos na noite desta quinta-feira não há nus integrais a declarar (só um rabo — e o resto –, mostrados por um turista na esplanada de um bar a uma amiga, durante breves segundos). Demonstrações escandalosas de afeto também não, mas talvez isso se explique pela quantidade incrível de grupos compostos só por homens ou só por mulheres: aparentemente é em Albufeira que grande parte dos noivos e noivas britânicos fazem questão de se despedir das vidas de solteiros.

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Como andam vestidos de igual ou de forma particularmente espaventosa (há marinheiras, havaianos e pilotos da força aérea, um xerife Woody e um gentleman impecável, de camisa branca, gravata às riscas e blaser azul escuro — com micro calções de ganga rasgados na parte de baixo), e trazem, sobretudo elas, parafernália variada com pilas — há pilas-palhinhas, pilas no fundo de copos de shot pendurados ao pescoço e até uma futura noiva vestida de pila dos pés à cabeça — são fáceis de identificar.

Também é fácil de perceber, pelas faixas que trazem ao pescoço, que pais, mães, tios e tias também fazem parte das comitivas — o que, se não limita o consumo de álcool, pelo menos constrange a tomada de outro tipo de liberdades por parte das nubentes. Preparar uma bebida num copo assente dentro das cuecas de um barman que viu Cocktail, com Tom Cruise, vezes demais; ser vendada; beber a mistela a partir de uma caneca em forma de pila (lá vamos nós outra vez) e com chantilly a acompanhar; e pespegar no final um beijo na boca do tipo pode roçar os limites, ainda será permitido — há registos do momento, ninguém se levantou para o impedir. Mais do que isso, já não.

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Com o avançar da noite a Rua da Oura é fechada ao trânsito, as patrulhas da GNR, estacionadas no cruzamento do Libertos, fazem-se mais visíveis, e a animação continua nos bares mas as ambulâncias param de chegar. Ao todo contámos três durante a noite, uma delas nunca percebemos quem foi socorrer.

São 2h20, numa esplanada com música bem alta, um rapaz dorme, refastelado na cadeira, nem pestaneja quando um amigo, ainda eufórico, tenta acordá-lo e devolvê-lo à festa. Em plena estrada, um pouco mais à frente, à porta de outro bar, um grupo de rapazes, de 20 anos no máximo, faz a coreografia do YMCA — pelo menos ali o chão não cola.

O amigo de William está por trás deles, a conversar com uma rapariga, em inglês. Os bombeiros tinham razão, revela, voltaram mesmo à Oura para buscar o amigo. “Caiu ali de umas escadas, abriu a cabeça. Não me deixaram ir na ambulância mas disse-lhes para o levarem para o hospital privado e pus 100 euros no bolso do Will. Ele está bem. Agora vai dormir um bocado e depois vai ficar bem.”

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