Vencedores

António Costa

António Costa fez metáforas com Coca-Cola, vendeu o seu Governo como o melhor produto e agiu sempre como se fosse a última Coca-Cola no deserto. Se prometeu humildade, foi com bazófia democrática que enfrentou o líder da oposição: “Fiquei com uma sensação que quer uma segunda volta. Vamos a isso”. Prometeu diálogo, mas foi sempre de cima que olhou, quer para a direita (num roast em que dizimou Rui Rio), quer para os liberais (novo saco de boxe que começa a explorar e que tratou como uma Pepsi de marca branca) quer para a  esquerda (que tratou com paternalismo, compaixão e quase pena). Nem Sousa Real, amiga de novembro, sobreviveu. “Desculpe desiludi-la”, chegou a dizer num tom irónico-corrosivo.

A oposição fez o favor de não o questionar uma única vez sobre a fuga para a Europa, assunto que foi contornando, ora falando na primeira pessoa do plural (“o Governo fica até 2026”) ora, por uma única vez, na primeira pessoa do singular, quando disse a Rio que podia ir e voltar que ele ficar quatro anos e seis meses.

O Costa que citava Jorge Palma para dizer que ainda havia muita estrada para andar com a esquerda, virou o disco para um “dá-me lume”, qual burguês que toma a bastilha e que, com o seu charuto, limita-se a ficar sentado a usufruir dos seus lucros eleitorais. Costa fez tudo isto por uma razão: porque pode. Pode não ser absoluto, mas é o rei-sol da maioria.

Mariana Vieira da Silva

Mariana Vieira da Silva é uma vencedora não por ter feito um discurso de encerramento exuberante ou altamente inspirador, mas por afirmar a sua posição como número dois do Governo. E mais do que isso: a preferida de António Costa. Do “grupo dos quatro” potenciais sucessores foi a única que teve palco (ou, no mínimo, púlpito). Apesar de ser uma formiga do Governo e ser conhecida por gerir de forma rigorosa importantes dossiers de governação, o maior ativo para o seu futuro político é ser (ou parecer ser) a aposta preferida de António Costa para a sua sucessão. Houve palavras no discurso de Mariana Vieira da Silva (as “tormentas” que o Governo passou; “o caminho que o povo escolheu; ou mesmo o “venha o que vier” o Governo é o último garante dos portugueses) que são ideias ou mesmo expressões do chefe. A super-ministra da Presidência e muitas outras pastas ajudou também o PS na estratégia de puxar dos galões da legitimidade eleitoral. E afirmou isso dizendo que os portugueses escolheram “este Governo”. E repetiu mais alto o pronome “ESTE”. Ganhou ainda por ter abdicado de 15 dos 30 minutos que tinha e que, por norma, são aproveitados pelos membros do Governo para propaganda ou auto-promoção.

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Augusto Santos Silva

Manteve a pose em quase dez horas de debate, na frieza típica dos diplomatas. Mesmo a chegar ao fim, na última intervenção do líder do Chega, o antigo chefe da diplomacia portuguesa não resistiu a eleger André Ventura como orador non grato. André Ventura criticava o facto de a Assembleia da República por não se referir a “um cigano fugido noutro país depois de ter morto um PSP”, falando num “paraíso de impunidade”. Nesse momento, Santos Silva interrompeu o deputado — sem lhe tirar a palavra — e avisou: “Não há atribuições coletivas de culpa em Portugal”. Aí conseguiu um momento raro: foi aplaudido em todas as bancadas e de pé pelo PS, PCP, BE e ainda por dois deputados da Iniciativa Liberal (Carlos Guimarães Pinto e Rui Rocha). Chapeau: era algo que os antecessores não conseguiram. Embora aclamado, tem um problema para resolver: deu pretexto a André Ventura para abrir as hostilidades e provocar até ao limite. Leia-se até ao ponto em que sabe que Santos Silva vai ter a tentação (e, por vezes, a ação) de lhe pedir moderação e de o ameaçar com o corte da palavra. Momentos que são gasolina para as redes sociais do Chega.

António Costa Silva

Na sua estreia no Parlamento acabou por ser desmentido por um colega do Governo. De forma discreta, e depois de anunciar que o Governo admitia taxar os lucros extraordinários de empresas de energia. Uma estreia que fica marcada por este episódio, mas que não correu mal ao novo ministro da Economia e do Mar. Ainda assim foi catalogado de sonhador.

Costa Silva fala de improviso e tenta mostrar abertura para discutir ideias e medidas dos dois lados do hemiciclo. Depois de no fim de semana ter sido alvo do humor de Ricardo Araújo Pereira, acabou por não repetir as mensagens que tantas vezes verbalizou, mas mostrou a sua ideia para o país. Uma ideia que pode não ser fácil de concretizar. O sonhador veio ao de cima. António Costa deu-lhe palco. E Costa Silva aproveitou-o.

Vencidos

Rui Rio

O que fica destes dois dias foi a forma como António Costa usou 101 palavras para evidenciar o que todos, incluindo o próprio, já sabiam: o ciclo de Rui Rio chegou ao fim. O mesmo homem que, em plena campanha para as legislativas, aconselhou António Costa a saber perder, acabou ele próprio na posição de presa frágil à esquerda e à direita. Com o PSD em sede vacante, João Cotrim Figueiredo e, sobretudo, André Ventura aproveitaram para fazer croquetes com os restos dos sociais-democratas e ocupar o espaço. A política tem horror ao vazio e o PSD, que só terá um líder formalmente reconhecido em julho – que é o mesmo que dizer que só para setembro, na rentrée – tem rapidamente de arrumar a casa até ser novamente levado a sério. Se quiser ser levado a sério.

Catarina Martins

Até novembro Catarina Martins era a terceira a falar no Parlamento, o que lhe permitia ter uma maior atenção. E mais novidade: só tinha o PSD a “queimar” perguntas ao primeiro-ministro. Agora, o panorama mudou e o Bloco de Esquerda não conseguiu contrariar a nova condição. Tirando umas graçolas com o slogan do Pingo Doce, o discurso não foi disruptivo ou criativo e trouxe ao debate temas muito idênticos ao PCP (embora com maior acutilância no setor energético e no combate à EDP). Criaria ainda alguma confusão: foi o primeiro partido a dizer que não votava a favor da moção de rejeição ao Governo (desde logo porque era o Chega a apresentar), mas termina o discurso a dizer que “a garantia do Blcoo é que será oposição a este programa”. Se é oposição porque não apresentou uma moção de rejeição? No fim do dia, não se livra de aparecer na “fotografia”, no sentido figurado e literal, ao lado do PS e do PCP. E isso cria uma espécie de divisão entre oposição dura e oposição soft — com o “radical” Bloco a ficar encaixado do lado da oposição doce a António Costa.

Jerónimo de Sousa

De parceiro estratégico, pilar único da geringonça com lugar privilegiado na definição das políticas do país, a inexistência parlamentar em 165 dias, altura em que o PCP anunciou que ia votar contra o Orçamento do Estado para 2022, mesmo sabendo que daí resultariam eleições antecipadas. Jerónimo de Sousa apareceu em jogo – com menos seis deputados e sem a centralidade dos anos anteriores – para dizer o mesmo que disse sempre: que a política do PS não resolve os problemas estruturais do país. Costa, que foi sempre delicodoce com os comunistas, foi apenas indiferente. No passado, inspirado por Jorge Palma, o líder socialista também dizia que enquanto houvesse estrada para andar, socialistas e comunistas iam continuar. O caminho chegou ao fim. Resta, ao PCP, voltar às ruas e ao protesto na esperança de voltar a ser ouvido.

Fernando Medina

O ministro das Finanças é por norma um dos ministros mais importantes do Governo. Quando em 2015 se estreou no cargo, António Costa deu a Mário Centeno, embora inexperiente – o que incluiu risos jocosos de Passos Coelho e comparações da bancada do PSD a Groucho Marx – a oportunidade de falar no debate do programa de Governo. Agora, a Medina não foi dado o mesmo palco. Mais do que isso: foi atacado por André Ventura sem ter hipótese de resposta. Se falasse, haveria pedidos de esclarecimento em que podia dar réplica. Só o poderia fazer com uma defesa de honra, que daria uma importância ao líder do Chega que o PS quer evitar. O ataque de Ventura, como seria de esperar, não foi meigo e referiu-se ao antigo autarca de Lisboa como “o homem que deu dados à embaixada russa sobre os ativistas que estava a proteger” e sugeriu ainda que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky desse um “puxão de orelhas” a Medina no discurso que fará Parlamento português. Quem vai à guerra dá e leva (expressão utilizada por Mónica Quintela no plenário), mas o ministro das Finanças só levou pancada. Vai ter palco em breve, mas um dos mais difíceis: o do Orçamento do Estado.

Pedro Nuno Santos

Se estivesse a jogar Party&Co ou qualquer outro jogo que envolvesse mímica, Pedro Nuno Santos estaria nos vencedores. Infelizmente, para ele, não foi o caso. Durante o debate, o ministro das Infraestruturas levantou o polegar, em sinal de “fixe”, para Ventura enquanto este o criticava num raide de críticas do líder do Chega que incluiu também Fernando Medina e Pedro Adão e Silva. A juntar a isso ainda acenou aos jornalistas algumas vezes. Neste filme de cinema mudo, o ministro foi uma espécie Chaplin. Palavras só mesmo nas várias mensagens que ia trocando durante o hemiciclo. Passou discreto, quase irrelevante, num debate em que pouco se falou de comboios ou habitação. Fica para registo futuro que, no fim do primeiro dia, foi à volta dele que se alinharam vários jovens turcos e afiliados: Pedro Delgado Alves, Tiago Barbosa Ribeiro ou o agora colega de executivo, Duarte Cordeiro. Fica a ironia: Costa abandonou a bancada, ficou Pedro Nuno a liderar as hostes.

Luís Montenegro

Não é exatamente um vencido, porque nem sequer é o tempo dele, mas recebeu duas notícias muito desagradáveis nas últimas 48 horas: a primeira, é que o rioísmo, mesmo sem líder, está vivo e recomenda-se. Paulo Mota Pinto foi escolhido como presidente do grupo parlamentar numa votação quase norte-coreana (92%) e se Montenegro quiser fazer ao rioísmo o que Rio fez ao passismo quando dispensou Hugo Soares, vai ter muitas dores de cabeça. A segunda má notícia é uma confirmação: o PSD está feito em frangalhos e a Iniciativa Liberal e Chega serão ossos muito duros de roer à direita. Se Montenegro ganhar – ainda precisa de superar Jorge Moreira da Silva para suceder a Rui Rio – terá uma tarefa hercúlea pela frente se se quiser fazer ouvir. E nem sequer vai estar no Parlamento.

O agitador

André Ventura

Conseguiu o que queria e, em política, chama-se a isso eficácia. Os meios foram os de sempre: gritou, gritou mais alto, gritou ainda mais alto, atirou contra os ciganos e contra a perseguição ao homem branco heterossexual, fez pouco do PSD, gozou com a esquerda reduzida a farrapos, foi apupado, repreendido por Augusto Santos Silva, atirou os foguetes e apanhou as canas. Apresentou uma moção de rejeição que acabou chumbada, mas que atingiu os objetivos que pretendia: estar no centro das atenções. O estilo é duvidoso, excessivo e cansativo? É. Os eleitores deram-lhe razão e mais 11 companheiros para fazerem muito barulho na bancada. A ver onde vai parar.