A Black Friday está aí e com ela vieram não só várias promoções, mas também várias publicações falsas a associar o dia à escravatura. Embora com pequenas diferenças entre as publicações, os textos dizem que este dia teve origem nos tempos da escravatura nos Estados Unidos e que se chama Black “porque os escravos eram de origem africana” e Friday porque na última sexta-feira de novembro, os escravos “foram vendidos com desconto para impulsionar a economia”. A história falsa não é nova, mas circula sempre nesta altura do ano e foi partilhada centenas de vezes nos últimos dias por utilizadores do Facebook.

A mesma publicação é acompanhada normalmente de fotografias de escravos acorrentados e faz um apelo às pessoas para que não alinhem na Black Friday, já que isso é estar a apoiar um “insulto”. Vários utilizadores acreditaram na história, como é possível ver por publicações nos últimos dias.

Publicação de 24 de novembro de um utilizador do Facebook com história falsa sobre a origem da Black Friday

Publicação de 23 de novembro de um utilizador do Facebook com história falsa sobre a origem da Black Friday

Outro dos erros é que a imagem tem uma data: 1904. Na verdade, a escravatura foi abolida definitivamente nos Estados Unidos da América com a 13ª emenda da Constituição, aprovada em 1865, que estabeleceu: “Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado.”

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Já o termo “Black Friday” (em português, “Sexta-feira Negra”) foi utilizado pela primeira no dia 24 de setembro de 1869, dia em que houve um crash em Wall Street, a bolsa de Nova Iorque. Tudo começou, como explica um artigo do Canal História, quando dois especuladores, Jay Gould  Jim Fisk, se uniram para tentar comprar o máximo de quantidade de ouro do Estado, de forma a conseguirem impor depois um preço mais elevado e conseguirem obter lucros chorudos. A movimentação foi possível porque a administração de Ulysses S. Grant, então presidente dos EUA, decidiu vender ouro do Tesouro para reduzir a dívida pública, estabilizar o dólar e dar um impulso à economia.

O golpe de Gould e Fisk levou a um crash da bolsa que provocou falências que afetaram desde aos mais poderosos barões de Wall Street até agricultores com pequenas fortunas. E por estes efeitos nocivos, o dia foi chamado de “sexta-feira negra”.

Depois disso, o termo “black friday” voltou a ser utilizado em 1951 nos EUA — como destaca o site norte-americano Scopes num fact check sobre o assunto de 2013 — como forma de definir o facto de, na sexta-feira a seguir ao dia da Ação de Graças (que é na última quinta-feira de novembro) a maior parte dos trabalhadores ficarem alegadamente doentes para terem quatro dias seguidos de folga. Há registo, já nessa altura, de baixas médicas que tinham um volume muito elevado na sexta-feira de “ponte”.

Dez anos depois, em 1961, a polícia de Filadélfia utilizou pela primeira vez o termo “black friday” para referir o caos no trânsito provocado pela quantidade elevada de peões e de veículos que circulavam na cidade nos dois dias seguintes ao Dia de Ação de Graças. Motivo: compras.

Um antigo jornalista do Philadelphia Bulletin contou, num artigo em 1994 nessa publicação, como assistiu ao surgimento desse termo para definir a corrida às compras no início dos anos 1960. Foi o departamento de trânsito da Polícia de Filadélfia que o definia assim, não só pelo caos, mas também porque nenhum agente podia tirar folga. A expressão também seria associada, pela positiva, ao dia do ano em que os comerciantes — pelo volume de vendas — conseguiam tirar as contas do vermelho. Esta origem da palavra está igualmente contada num artigo do linguista norte-americano Benjamim Zimmer.

Zimmer, que é editor-executivo do site Vocabulary.com explicou à BBC em 2014, que o termo se manteve circunscrito à zona de Filadélfia até aos anos 80 e que o termo só se generalizou, sendo aplicado à época de descontos nos EUA, “a partir de meados dos anos 90“.

Mesmo assim só nos anos 2000 é que a “black friday” se assumiu como o dia com maior volume de compras do ano. Até aí só se registavam fluxos de compras maiores no sábado a seguir à Ação de Graças e não na sexta-feira. Foi também nos anos 2000 que o termo se universalizou e começou a ser utilizado para definir o dia de promoções e descontos na última sexta-feira de novembro. Em Portugal, a tradição de black friday cresceu a partir dos anos 2010, com vários descontos neste dia, em que as pessoa aproveitam para comprar presentes de Natal ou fazer compras para a casa, com a vantagem de contarem com o subsídio de natal. A data tornou-se assim, numa data comercial.

A origem do termo não está no comércio de escravos, mas isso não impediu que o boato se espalhasse na era das redes sociais. Desde 2013 que esta falsa história começou a circular. Nesse ano, o site Scopes desmentiu de imediato as ligações à escravatura. Ainda assim, no ano seguinte a história tornou-se viral depois de ser partilhada por um jogador da NBA, J.R.Smith (então nos New York Knicks), e pela cantora de R&B e vencedora de vários grammys, Toni Braxton. Em 2018, a história voltou a aparecer no Brasil, tendo sido alvo de um fact check da Agência Lupa e da Aos Fatos. Agora chegou a Portugal.

Conclusão

O termo “black friday” surgiu nos Estados Unidos da América, como dizem as publicações, mas cinco anos depois da abolição da escravatura naquele país. A expressão surgiu após um “crash” em 1865 provocado por dois especuladores na bolsa de Wall Street, em Nova Iorque, que levou à falência de várias empresas. Mais tarde, já nos anos 60 do século XX, a expressão começou a ser associada à euforia das compras no dia seguinte ao Dia da Ação de Graças. Ou seja: a expressão “black friday” não tem origem nem nada tem a ver com a escravatura.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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