A falar do Serviço Nacional de Saúde (SNS), Rui Tavares, deixou cair um número. A fuga fiscal consome todos os anos em Portugal 13 mil milhões de euros. “É todo o orçamento do SNS e ainda mais”.

Segundo o Orçamento do Estado para 2021, o orçamento do SNS é de facto abaixo desse valor, estando em 12.564,8 milhões de euros. Ou seja, os 13 mil milhões de euros são de facto acima do orçamentado para a saúde. Mas haverá mesmo uma fuga fiscal de 13 mil milhões?

O Observador não conseguiu encontrar estatísticas para esse valor. Se considerarmos os valores a que se estima que a economia paralela chegue em Portugal estaremos então a falar de um montante que ultrapassa os 48 mil milhões de euros, já que, segundo o FMI, a economia paralela atingiu em 2019 cerca de 24% do PIB.

De igual forma, a riqueza de portugueses fora de Portugal, contabilizada em paraísos fiscais, supera os 50 mil milhões de euros, já que, de acordo com um estudo da Comissão Europeia, em 2018 Portugal era o quarto país da Europa a 27 com mais riqueza (em percentagem do PIB) fora do país, correspondendo a 26% do produto interno bruto. Mas era o terceiro, se considerada a média entre 2001 e 2018. Se aos 50 mil milhões for aplicada a carga fiscal que Portugal tem (cerca de 35%), a evasão atingiria 17,5 mil milhões.

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Peso da riqueza de residentes em Portugal fora do país

De acordo com os últimos dados do Fisco, de 2020, com referência às transferências declaradas à Autoridade Tributária e Aduaneira de fundos para países com regime de tributação privilegiada mais favorável, foram enviados de Portugal para o estrangeiro 6,8 mil milhões de euros. 

Outro dado que se pode juntar a estes indicadores é o do estudo anual da Tax Justice Network, um grupo que reúne investigadores e ativistas para maior transparência e justiça fiscal. No relatório publicado em novembro de 2021, é atribuído a Portugal um custo com a evasão fiscal de mil milhões de dólares (perto de 890 milhões de euros), 0,5% do PIB. Os mil milhões repartem-se, segundo o estudo, em 471,9 milhões de dólares por via de abusos atribuídos a empresas e 534,4 milhões com a riqueza que está em offshores. Este último relatório compara estes valores com o dinheiro que é necessário para vacinar a população, para concluir que daria para vacinar a população portuguesa contra a Covid-19 mais de cinco vezes.

Mas há ainda um outro valor que pode ser referido nestas fugas fiscais. O divulgado recentemente pela Comissão Europeia sobre a fuga só ao IVA. E em 2019 — últimos dados — Portugal perdeu 1,6 mil milhões de euros com esta fuga ao IVA — diferença entre o valor de IVA que o Estado devia receber e o cobrado, o chamado “gap” do IVA.

Portugal perdeu 1,6 mil milhões de euros em fugas ao IVA

Mais próximo dos números de Rui Tavares está um estudo do britânico Richard Murphy para o Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu datado de janeiro de 2019.

Com base no PIB médio bruto de 2015 de Portugal, este fiscalista estimou em 12 mil milhões de euros as perdas com evasão fiscal de Portugal, sendo de 10 mil milhões de euros as estimativas se considerado o valor do PIB reportado, pelo que o valor pode ter evoluído. Se atualizarmos aos preços correntes o valor atinge 12,4 mil milhões de euros.

Um estudo anterior do mesmo fiscalista dava conta, com base em números de 2009, que Portugal estava a ter uma perda fiscal de 12,3 mil milhões de euros com a economia paralela. Se atualizarmos este montante aos preços atuais a perda atingiria os 13,7 mil milhões de euros em 2020.

CONCLUSÃO

Há vários dados que podem exprimir a perda fiscal com a evasão e a fraude. Rui Tavares apontou, no debate com Catarina Martins, um valor: 13 mil milhões de euros anuais. Mas não referiu em que fonte se baseava para avançar esse número. De facto, se basearmos este dado na análise do fiscalista Richard Murphy, o valor referido está certo, numa extrapolação para dados atualizados. Aliás, Rui Tavares fez, no Parlamento Europeu, trabalhos sobre o tema e em alguns utilizou precisamente estes dados.

Mas esta não é um dado científico, no sentido em que existem vários outros estudos que apontam para valores diferentes — nuns casos, inferiores, noutros casos, bastantes superiores — de verbas que são transferidas para paraísos fiscais no estrangeiro ou que não são cobradas na totalidade (como o caso do IVA).

Torna-se, por isso, impossível avaliar a veracidade da declaração do candidato do Livre às eleições legislativas de 30 de janeiro.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

INCONCLUSIVO

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