A frase começou a circular dias depois de 138 migrantes que viviam num hostel nos Anjos, em Lisboa, terem testado positivo para o novo coronavírus e terem sido levados para a base da Ota — até voltarem a testar negativo. “Afinal o que é isto povo. Descontas 42 anos, e tens reforma de 500 euros, e vem migrantes aos quais dão hotel e 900 euros? Nada fazem?”, lê-se na publicação. Isto é falso.

Exemplo das publicações que têm surgido nas redes sociais

No entanto, não é a primeira vez que circulam nas redes sociais informações deste género quando o foco das notícias são migrantes ou refugiados. No entanto, apesar da formulação da pergunta ser idêntica e a comparação igual, os valores mudam. Ainda em fevereiro circulava uma mensagem idêntica, tendo como tema o racismo, depois do caso do Marenga. Aqui a mensagem insinuava: “Racismo em Portugal é: dar 875 mensais a um refugiado que está de passagem e 389,34 euros para quem trabalhou com 40 anos de desconto. Isso é racismo!”. Pouco mais de dois meses depois a informação foi adaptada a um novo assunto mediático.

Nessa altura, no entanto, a presidente do Conselho Português para os Refugiados esclareceu logo a falsidade da informação. Mónica Farinha explicou que não era correto afirmar que um migrante receberia esse valor por mês e concretizou as três situações em que ele é ajudado financeiramente: quando aguarda uma decisão no procedimento de proteção (pedido de asilo), durante o programa de recolocação (que dura 18 meses) e na reinstalação. Em qualquer um dos casos, no entanto, “o valor é sempre o mesmo”: o requerente recebe uma proteção de 150 euros mensais, ou seja, cerca de 5 euros por dia. Esse valor é individual pelo que uma família de quatro pessoas, por exemplo, receberá o quádruplo, que serão os 600 euros.

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Se existirem filhos menores “pode haver pais que se responsabilizam por receber o valor atribuído aos filhos, mas é muito claro que aquele valor é para a criança X, Y ou Z”, explicou a responsável. Estes valores só são atribuídos se “os requerentes comprovarem que têm insuficiência financeira”.

Quanto à reforma, essa depende do valor que se tiver descontado ao longo dos 42 anos de trabalho. O valor mínimo atribuído pela Segurança Social é de 398,34 euros (o que significa pouco mais de 13 euros por dia, mais que um refugiado), se fizermos esta comparação. Este valor não anda longe da média calculada pelo Pordata, que conclui que a pensão média em Portugal é de 4.578,30 euros por ano, ou seja, cerca de 330 euros por mês (dados de 2017).

A afirmação que agora circula, depois de a situação do hostel dos Anjos e de o Governo ter dito que ia testar mais migrantes que vivessem em situações semelhantes, também não é verdadeira em relação ao direito a alojamento em hotéis. Na verdade, cabe ao Conselho Português para os Refugiados acolher estes migrantes, havendo mesmo um centro de acolhimento na Bobadela para o efeito. No entanto a falta de capacidade para acolher todos levou o centro a recorrer a hostels, asilos e até apartamentos de alojamento local para instalar estes migrantes, enquanto esperam uma solução para o seu futuro. Neste momento, o centro presta apoio a mais de 950 requerentes de asilo em Portugal.

O próprio ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, explicou há dias que os requerentes de asilo estão em situações diferente dos refugiados (a quem foi concedido o asilo e que estarão já integrados em vários concelhos portugueses), porque estão numa situação transitória. Foi por isso que lhes foi dado alojamento. Cabrita explicou que foi aberto um segundo centro de acolhimento no concelho de Loures e que os migrantes instalados na Ota não regressariam a estes estabelecimentos nem voltariam a viver nas precárias condições e na falta de espaço que as reportagens da comunicação social agora mostraram.

Conclusão:
Assim é falso que cada migrante receba individualmente, por mês, 900 euros. O apoio do estado é de 150 euros a cada um. Também é falso que tenha direito a um hotel. Tem, sim, direito a alojamento temporário. Estando o centro destinado a esse efeito lotado, recorreu-se a este tipo e alojamento e a apartamentos de baixo custo para alojá-los. Também não se pode concluir que todos os que descontaram 42 anos para a Segurança Social portuguesa ganham 500 euros como reforma, há quem até ganhe menos (mesmo assim, mais que um migrante), e quem ganhe mais, consoante o que descontou ao longo desse período.

Assim, de acordo com a classificação do Observador, este conteúdo é:

 ERRADO

De acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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