As massas de ar do Saara transportam consigo poeiras em suspensão para Portugal. O fenómeno não é novo e é até comum na primavera e no verão. Só não em janeiro, como aconteceu este ano. Segundo a Direção-Geral da Saúde, é possível que a passagem deste tipo de poeiras seja cada vez mais frequente, e o fenómeno, nesta altura do ano, está relacionado com as temperaturas que também são atípicas no inverno dos últimos anos (2022, 2023 e 2024).

Depois do inverno, também durante a primavera deste ano o fenómeno voltou a ser repetido. Desta vez, por causa de uma tempestade (tempestade Olívia) que quando se dirigiu para o Reino Unido “puxou” uma grande massa de poeiras do deserto até à Península Ibérica.

Poeiras do deserto outra vez. O que são, de onde vêm e que impacto têm na nossa saúde?

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As massas de ar com poeira do deserto passaram a ser um fenómeno a que todos nos habituámos. Nos capôs dos carros e também nas redes sociais.

Em várias publicações no Facebook está a ser partilhada uma imagem com o que aparenta ser uma notícia onde se pode ler que “as partículas em suspensão podem ligar-se a outros poluentes atmosféricos, como hidrocarbonetos e metais pesados” e servir de transporte até “ao sistema respiratório dos seres humanos”, para depois atingirem a “circulação sanguínea”.

Publicação de Facebook sobre massa de poeira do norte de África

A publicação em causa é de dia 23 de março deste ano, mas a notícia que partilha em nada se refere às massas de ar de poeira que chegaram a Portugal na altura da Páscoa em 2024. A publicação partilha uma notícia do Público de agosto de 2023, que pede “cuidados redobrados” à população “mais sensível”, leia-se: crianças e idosos.

Com base na notícia do jornal Público, o autor da publicação traça a conclusão de que “as partículas em suspensão na atmosfera são cancerígenas“, mas será mesmo assim?

A APA (Agência Portuguesa do Ambiente) explica que em Portugal, os eventos naturais mais responsáveis por trazer partículas em suspensão são “as intrusões de massas de ar contendo partículas e poeiras em suspensão com origem nos desertos do Norte de África“. A APA continua a explicação dizendo que as partículas “mais nocivas para a saúde humana” são as que têm menor dimensão, por terem “maior probabilidade de penetrar o aparelho respiratório”. E conclui que a “exposição crónica” a partículas em suspensão “aumenta o risco de doenças respiratórias e cardiovasculares e cancro de pulmão“.

Além das recomendações da APA, também a DGS tem alertado para o efeito destas partículas na saúde humana, principalmente em população mais sensível, como crianças, idosos e doentes com problemas respiratórios crónicos como a asma. Em agosto de 2023, recomendava à população que evitasse esforços prolongados, limitasse a atividade física ao ar livre e evitasse a exposição a fatores de risco, tais como o fumo do tabaco. À população mais sensível e vulnerável aconselhava mesmo a que permanecesse no interior dos edifícios, preferencialmente com as janelas fechadas. Não foi caso único: as mesmas recomendações foram publicadas em março de 2024, data da publicação que hoje circula nas redes sociais.

As poeiras chegaram a Portugal no final do mês de março e, dias depois, a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (que faz previsões e análises de eventos naturais para a APA) garantia que a massa de poeira não tinha postoem causa a saúde das populações mais sensíveis”.

E além da DGS e da APA, o que dizem os especialistas? António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, explica ao Observador que as partículas em suspensão são “bastante nocivas” para quem tenha “doenças respiratórias crónicas” ou “doenças pulmonares obstrutivas”. E porquê? Porque “induzem inflamação” e, ao fazê-lo, “podem provocar uma agudização dessas doenças” e podem provocar “situações complexas” e, no limite, levar ao internamento.

Mas isso não significa que possam “levar a situações de cancro”. O especialista António Morais vai mais longe e considera “abusiva” a conclusão a que chegam as publicações nas redes sociais de que as partículas em suspensão são cancerígenas. “Não temos nenhuma evidência que comprove que pode haver essa consequência.”

No mesmo sentido, Carlos Robalo Cordeiro, diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) explica que as partículas em suspensão conseguem “ultrapassar barreiras naturais” e “promover quadros inflamatórios”. É Carlos Robalo Cordeiro quem explica que não são as partículas que têm “poder ou agressividade cancerígena”, mas o facto de terem facilidade de penetrar no aparelho respiratório faz com que se possam associar a “agentes poluidores” que “inalamos sem querer”, como o fumo do tabaco e a poluição automóvel.

“Agora, dizer que as poeiras de África são cancerígenas não é cientificamente comprovado“. E, mesmo que estivessem associadas a partículas com capacidade cancerígena, a exposição teria de ser “muito persistente” e não “um dia ou dois depois de um mês ou meio ano” sem as poeiras do norte de África chegarem a Portugal.

Conclusão

As partículas em suspensão na atmosfera não são cancerígenas. A Agência Portuguesa do Ambiente alerta que a “exposição crónica” a partículas em suspensão “aumenta o risco de doenças respiratórias e cardiovasculares e cancro de pulmão”, mas não pelas partículas em suspensão em si — como as poeiras que chegam a Portugal do norte de África.

Especialistas ouvidos pelo Observador concordam que “não está cientificamente comprovado” que as partículas sejam cancerígenas e que essa conclusão é até “abusiva”. Pneumologistas alertam é que essas partículas têm facilidade a “ultrapassar barreiras naturais” e a “arrastar” agentes cancerígenos para dentro do sistema respiratório, como o fumo do tabaco e a poluição automóvel.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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