A semana de quatro dias tem sido defendida pelo deputado único do Livre, Rui Tavares, que inscreveu no programa eleitoral do partido a continuação da experiência que foi implementada em algumas empresas privadas no ano passado, mas agora “trabalhando para uma experiência a nível nacional“. Adepto do modelo, Rui Tavares defendeu as suas vantagens no debate com o líder da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha.

Rui Tavares argumentou que o teste teve um “resultado tremendo, inclusive para o SNS” (Serviço Nacional de Saúde), com os participantes a registarem “menos crises de pânico, menos crise de ansiedade, a dormir melhor, com mais equilíbrio na vida familiar, a tomar menos ansiolíticos e evidentemente menos erros, menos acidentes no trabalho, menos pressão sobre o SNS”. Mais: “a produtividade manteve-se a mesma ou aumentou”. Mas será assim?

O projeto-piloto da semana de quatro dias começou em meados do ano passado e teve a duração de seis meses. Nele participaram 21 empresas (20 começaram em junho e uma julho), enquanto outras 20 já tinham adotado o modelo de forma autónoma, embora também pudessem ter ajuda técnica da coordenação do projeto.

Empresas fazem avaliação positiva da semana de 4 dias. Trabalhadores passaram mais tempo com a família, a estudar e a fazer exercício

Aos trabalhadores e às empresas foram feitos inquéritos para aferir a experiência. No caso dos trabalhadores, foram apenas questionados cerca de 200, das 21 empresas que participaram no projeto propriamente dito. Em traços gerais, estes trabalhadores, de facto, registaram uma melhoria na conciliação entre vida pessoal e profissional, melhor saúde mental, com redução da ansiedade e da exaustão.

Por exemplo, de acordo com os resultados divulgados em dezembro, que são ainda preliminares, “a frequência de sintomas negativos a nível de saúde mental diminuiu significativamente (o índice de ansiedade diminuiu em 21%, o de fadiga em 23%, o de insónia ou problemas de sono em 19%, o de estados depressivos em 21%, o de tensão em 21% e o de solidão em 14%)”. Já os níveis de exaustão pelo trabalho reduziram em 19%, como apontou Rui Tavares. A percentagem de trabalhadores que sente ser difícil ou muito difícil a conciliação entre trabalho e família desceu de 46% para 8%, o que é mais positivo do que os valores indicados por Rui Tavares (que referiu que de metade com dificuldade na conciliação passou para um quinto).

Assim, é verdade que os participantes do projeto-piloto que responderam ao inquérito reportaram, no geral, melhores níveis de saúde mental, menos insónias e mais facilidade em conciliar trabalho com vida familiar. Por esta via, poderia inferir-se que estes trabalhadores poderão ter recorrido em menor grau ao SNS para tratar dos problemas que advêm de uma má saúde mental, mas esta questão não foi analisada pelo estudo, pelo que qualquer conclusão neste sentido seria apenas especulativa. Por outro lado, poderiam também optar, caso necessitassem dessa auxílio, aos privados e não necessariamente ao SNS.

Já quanto à produtividade, e como explicou em entrevista ao Observador o coordenador do projeto-piloto, Pedro Gomes, os resultados preliminares ainda não se debruçam sobre os efeitos da semana de quatro dias neste indicador, por dois motivos: cada empresa tem uma métrica diferente para a medir e a ideia é envolver o Instituto Nacional de Estatística (INE), e as suas bases de dados oficiais, para tirar conclusões mais aprofundadas. Portanto, só “muito mais tarde” é que se poderá analisar este indicador, disse Pedro Gomes.

Pedro Gomes: “Numa semana de quatro dias pode haver pessoas que queiram monetizar” o dia livre

Pode-se, no entanto, olhar para outros projetos-pilotos que têm sido feitos a nível mundial. Por exemplo, uma experiência com trabalhadores dos EUA, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido e Canadá, com 33 empresas e 903 trabalhadores, concluiu que as receitas subiram um ponto percentual em cada mês e que os trabalhadores relataram melhorias na produtividade. Num outro teste, no Reino Unido, com 3.000 trabalhadores e 61 empresas, as receitas subiram 1,4%, em média, para as 23 empresas que cederam esta informação e os funcionários também relataram terem-se sentido mais produtivos. Outro estudo que tem sido usado como exemplo pelos defensores do modelo, na empresa neozelandesa Perpetual Guardian, em 2018, concluiu que a produtividade aumentou 20%. Já a 360imprimir, no ponto de situação após um ano de experiência, revelou resultados maioritariamente positivos, referindo, porém, que a produtividade por hora registou uma ligeira quebra de 1,3%, em média (mas que a empresa desvalorizou).

Neste sentido, e embora Rui Tavares tenha razão quando diz que o projeto-piloto trouxe menos níveis de ansiedade e exaustão, e melhor qualidade de sono — é, pelo menos, essa a perceção dos participantes que responderam ao inquérito — não é possível daí aferir que a experiência tenha levado a “menos pressão sobre o SNS” — não só pelo número reduzido de participantes, como pelo facto de não ter sido um indicador avaliado no projeto-piloto pelos especialistas que o puseram em prática. Da mesma forma, não são ainda conhecidos os resultados sobre a produtividade, apesar de outras experiências internacionais terem revelado que a produtividade ou se manteve ou aumentou ou diminuiu ligeiramente. A afirmação de Rui Tavares é, por estes motivos, “esticada”.

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